Ela estava enquadrando seu ciúme como uma forma de proteção, me pintando como uma predadora da qual ela precisava defendê-lo. Foi uma performance magistral e doentia.
Bernardo olhou para mim por cima da cabeça de Kátia. Seus olhos continham um apelo silencioso e desesperado. Me ajude. Conserte isso. Você sempre conserta tudo.
Por cinco anos, aquele olhar foi meu comando. Eu era a consertadora, a faxineira, aquela que fazia os problemas desaparecerem. Eu naveguei em negociações hostis, acalmei investidores furiosos e reescrevi planos de negócios inteiros da noite para o dia. Mas isso? Isso era uma bagunça que ele mesmo criou, uma podridão que ele voluntariamente convidou para nossas vidas.
Um sorriso frio e profissional se espalhou pelos meus lábios. Era uma máscara que eu havia aperfeiçoado ao longo dos anos, uma que não traía nada da geada ártica que se formava em meu peito.
"Ele está certo, Kátia", eu disse, minha voz suave como vidro. "Pode ter havido um mal-entendido. Bernardo e eu temos uma relação puramente profissional."
Fiz uma pausa, deixando as palavras pairarem no ar antes de desferir o golpe final e clínico. "Na verdade, para esclarecer qualquer confusão, posso fornecer a você as atas completas de todas as reuniões que já tivemos, juntamente com as filmagens de segurança com data e hora do escritório dos últimos cinco anos. Isso deve tranquilizá-la de que nossas interações foram estritamente relacionadas a negócios."
A oferta era tão absurda, tão hiper-profissional, que a deixou momentaneamente sem palavras.
Bernardo aproveitou a oportunidade. "Viu, meu bem?", ele arrulhou, acariciando o cabelo dela. "A Alice é totalmente profissional. Não há com o que se preocupar."
Ele a guiou gentilmente em direção à porta. "Por que você não vai esperar no carro? Eu só preciso ter uma palavrinha rápida com a Alice sobre o acordo da OmniCorp, e então podemos ir tomar café da manhã."
Kátia me lançou um último olhar venenoso por cima do ombro antes de sair do escritório, batendo a porta atrás de si. O som ecoou no silêncio repentino.
Bernardo suspirou e passou a mão pelo cabelo já bagunçado. Ele parecia exausto. Ele parecia fraco.
"Alice", ele começou, sua voz baixa e tensa.
Eu levantei uma mão, cortando-o.
"Não."
Ele parou, com a boca entreaberta.
"Me desculpe", ele finalmente conseguiu dizer. "Ela é só... complicada."
"Ela é sua namorada, Bernardo. Uma namorada que você trouxe para o nosso local de trabalho."
Ele estremeceu com meu tom frio. "Eu sei. Eu vou resolver isso. Olha, para compensar isso... toda essa bagunça... estou dobrando seu bônus do trimestre. Com efeito imediato."
Ele achava que poderia consertar isso com dinheiro. Ele achava que poderia comprar meu perdão, cobrir a ferida aberta de sua traição com uma pilha de dinheiro. Quão pouco ele me conhecia. Ou talvez, o quanto ele havia esquecido.
Eu dei um aceno curto e seco. "Obrigada, Bernardo. Vou garantir que o RH processe."
Virei-me e saí de seu escritório, deixando-o parado ali em meio às ruínas de nossa parceria.
No momento em que entrei no espaço de trabalho principal, uma víbora atacou novamente. Kátia estava me esperando, encostada na minha mesa com os braços cruzados.
"Já vai?", ela zombou, sua voz alta o suficiente para os poucos funcionários que chegavam cedo ouvirem. "Tem um encontro quente te esperando?"
Seus olhos percorreram meu corpo, seu lábio se curvando em nojo. "Sabe, para alguém que se esforça tanto para chamar a atenção dos homens, seu gosto para roupas é patético."
Olhei para minha roupa. Um vestido tubinho simples, elegante e totalmente profissional. Era um uniforme para mulheres na minha posição, um sinal de competência e autoridade.
"Este é um traje de negócios padrão, Kátia", eu disse, minha paciência se esgotando como papel.
"Ah, por favor", ela zombou. "É tão apertado. Dá pra ver tudo. Está praticamente gritando 'olhem pra mim'. Você não tem vergonha? Andar pelo escritório vestida como uma stripper. É nojento."
Olhei para ela, depois para o meu vestido, totalmente perplexa. O vestido era ajustado, sim, mas era conservador por qualquer padrão razoável. Chamá-lo de revelador não era apenas um exagero; era um delírio. Era uma mentira projetada para me humilhar.
Minha mente, que podia processar terabytes de dados e construir modelos financeiros complexos em minutos, lutava para compreender a pura irracionalidade de seu ataque. Eu passei anos cultivando uma imagem de profissionalismo impecável. Meu guarda-roupa era parte disso - um escudo cuidadosamente curado de cores sóbrias e cortes clássicos. Era uma armadura. E ela estava tentando transformá-la em uma solicitação.
Uma onda fria e amarga de compreensão me invadiu. Isso não era sobre o meu vestido. Era sobre a insegurança dela. Ela estava projetando seus próprios medos e inadequações profundos em mim, tentando me derrubar para se sentir maior.
E Bernardo estava permitindo.
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