Thalassa abriu os olhos lentamente, mas a claridade agressiva a obrigou a fechá-los novamente. Ela piscou algumas vezes, de maneira hesitante, até que a luz se tornasse mais suportável e, então, conseguiu mantê-los abertos. 
Três mulheres a rodeavam, todas trajando uniformes hospitalares: duas enfermeiras e uma médica. 
"Ela despertou", anunciou uma das enfermeiras, fazendo com que as demais se voltassem de imediato para a paciente. 
"Finalmente", comentou a médica, esboçando um sorriso contido. "Como está se sentindo, querida?"
Apoiando-se na cama, Thalassa ergueu o tronco com lentidão, soltando um gemido quando a dor aguda no abdômen a fez cerrar o cenho. 
"O que houve? Por que estou aqui?"
A última lembrança que possuía era a de sair da Mansão Miller, após assinar os papéis do divórcio. Como, então, havia ido parar em um hospital? 
"Ah, pobre criatura... nem sequer recorda o que aconteceu. Imagino qual será sua reação ao descobrir", murmurou uma das enfermeiras à colega, em voz baixa, mas ainda audível. 
A médica lançou um olhar severo às duas enquanto Thalassa perguntava: "Sobre o que elas estão falando?"
A médica mordeu o lábio inferior antes de responder: "Na noite de ontem, uma mulher a encontrou caída, ensanguentada, na rua, e imediatamente acionou os serviços de emergência. Você foi trazida às pressas para cá."
De súbito, fragmentos da noite anterior irromperam como estilhaços na mente de Thalassa: passos solitários na calçada, mãos violentas a arrastando para um beco escuro, depois, os golpes no abdômen, cada um abafando seus gritos, e o gosto metálico do sangue preenchendo sua boca. 
A médica prosseguiu: "Assim que verificamos sua identidade, o hospital entrou em contato com o escritório de seu marido, mas até agora não obtivemos qualquer retorno."
"Kris... ele não veio?" Thalassa inspirou fundo, como quem se preparava para cruzar um abismo emocional, temendo formular a pergunta que mais lhe dilacerava, mas incapaz de contê-la. 
"Doutora...", começou ela, seus lábios tremiam, as lágrimas se formando. "Meu bebê... por favor, diga que ele está bem... por favor."
O silêncio pesado da médica e o olhar carregado de pesar, como se carregasse consigo o fardo de muitas tragédias, transmitiram a resposta antes mesmo que ela fosse verbalizada. 
"Senhora Miller, os ferimentos foram muito graves e, com apenas dois meses de gestação, seu corpo não resistiu. Quando chegou, já havia perdido muito sangue. Tivemos que priorizar a preservação da sua vida. Lamento profundamente... não conseguimos salvar seu filho."
"Não...", sussurrou Thalassa, e uma lágrima solitária rompeu a barreira dos cílios. Logo, outras a seguiram, até que o choro se transformasse em um pranto contínuo e doloroso. 
"Sinto muito pela sua perda", declarou a médica, num tom suave que pareceu se dissipar no ar. "Compreendo que deseje um momento a sós, mas, devido à gravidade da agressão, precisamos notificar a polícia. Eles virão em breve para registrar seu depoimento."
A médica e as enfermeiras se retiraram do quarto, levando consigo o último vestígio de presença humana. 
Thalassa se recostou com lentidão, se encolhendo sobre si mesma, enquanto as lágrimas escorriam incessantemente. A dor no abdômen ainda latejava, mas se tornara insignificante diante do abismo que se abria em seu peito. 
O silêncio foi interrompido por uma batida seca à porta, seguida da entrada de dois policiais. 
"Senhora Miller, sabemos que está enfrentando um momento extremamente delicado, mas, para que possamos responsabilizar o autor da agressão, precisamos de seu depoimento", disse um deles, com voz calma e respeitosa. 
Ela se endireitou devagar, os olhos fixos em um ponto distante. 
"Você conseguiu identificar quem a atacou?", perguntou o outro, com a caneta já suspensa sobre o bloco de anotações. 
Thalassa balançou a cabeça de forma lenta. "Não... ele usava uma máscara que cobria todo o rosto."
"Este objeto lhe pertence?", questionou o primeiro, erguendo a bolsa que ela carregava na noite passada. 
"Sim", confirmou ela, num fio de voz quase inaudível. 
"Nada foi levado, o que nos leva a crer que se tratou de um ataque intencional. Você suspeita de alguém ou tem alguma ideia sobre o motivo?", prosseguiu o policial. 
Ela começou a responder que não, mas, subitamente, lembranças cortantes emergiram com violência, rasgando a mente como navalhas. 
A voz do agressor ressoou, em fragmentos distorcidos, como vinda de um corredor escuro da memória, enquanto ela implorava para não ser ferida por estar grávida. 
"Fui enviado para te dar um recado: da próxima vez, não se intrometa onde não é chamada."
Um arrepio gélido percorreu sua espinha: o ataque fora encomendado. 
Mas por quem? 
As únicas vozes que, em algum momento, deixaram claro que ela não era bem-vinda naquele mundo foram as de sua sogra, Linda, e de alguns outros membros da família. 
E então, ela se recordou, com clareza cruel, do sussurro envenenado de Linda, antes de deixar a casa: "Você realmente acredita que vai carregar esse bastardo e me convencer de que é meu neto?"
O coração de Thalassa se contraiu num frio cortante. Não podia ser... sua sogra jamais chegaria a tanto, certo? 
Mas também lhe vinha à mente a lembrança viva da traição de Karen, fria, calculada, impiedosa. Teria sido Karen a responsável por enviar aquele homem? Afinal, era evidente que ela agia em plena sintonia com Linda. 
Ou as duas teriam tramado juntas, unidas na intenção de destruí-la? 
"Senhora Miller, você ainda não respondeu à minha pergunta", a voz serena do policial rompeu o silêncio. 
"Não, não tenho ideia de quem poderia ter feito isso", respondeu ela, com firmeza, erguendo uma muralha invisível ao redor de si. 
O policial a observou com atenção. "Tem certeza disso?"
Thalassa assentiu rigidamente: "Sim, tenho absoluta certeza."
Revelar suas suspeitas seria o mesmo que lançar-se ao mar com pedras amarradas aos tornozelos. A família Miller possuía raízes profundas demais em Baltimore, então mesmo que denunciasse Linda ou Karen, ambas encontrariam uma forma de silenciar tudo - ou, pior, distorcer a verdade até transformá-la na vilã. 
"Entendido. Vamos encerrar por ora, mas talvez voltemos a procurá-la", disse o policial, devolvendo os pertences pessoais dela. 
Assim que recebeu a bolsa e o celular, Thalassa ligou o aparelho, sentindo um breve alívio ao ver que a bateria ainda estava carregada. 
Kris... ele precisava saber sobre o bebê... Com isso em mente, ela discou o número dele, chamando até cair na caixa postal, então tentou novamente, mas recebeu o mesmo silêncio. 
Diante disso, ela digitou uma mensagem: "Querido, fui atacada ontem à noite e estou no hospital. Infelizmente, nosso bebê não resistiu. Preciso que venha, eu preciso de você."
Certamente, ele responderia, não importava o que pensasse dela - no fim das contas, ela ainda falava do filho que ambos haviam gerado. 
A resposta chegar quase de imediato e, surpresa, ela abriu a mensagem sem hesitar, mas assim que seus olhos percorreram as palavras, desejou nunca tê-la lido. 
"O que você quer que eu faça? Lide com isso. Eu não me importo."
Uma onda gélida atravessou o peito de Thalassa. Por alguns segundos, ela ficou imóvel, tentando se convencer de que se tratava de um erro, uma confusão, qualquer coisa que não fosse real. 
Mas, quando a consciência enfim admitiu a veracidade daquelas palavras, a dor veio cortante, tão profunda que ela levou a mão ao peito, como se pudesse conter a fenda que se abria - talvez fosse melhor que se abrisse, para que doesse menos. 
Lidar com isso? Ele não se importava? 
A crueldade dele, justo no instante em que mais precisava de amparo, era um punhal cravado e torcido no coração. 
Ela permanecia deitada, fitando o teto como quem encarava um céu sem estrelas. Quando as lágrimas se esgotaram, restou apenas um vazio glacial que se espalhava por dentro, silencioso e implacável. 
Minutos depois, a porta se abriu e a médica reapareceu. 
"Senhora Miller, enviamos outra mensagem ao escritório do seu marido, mas novamente não houve resposta. Ainda assim, precisamos de uma assinatura para os documentos. O que devemos..."
"Não tentem mais contatá-lo", interrompeu Thalassa, a voz firme, cortante como aço. 
"Desculpe?", perguntou a médica, surpresa. 
Thalassa se sentou, limpando as lágrimas antes de repetir, com a mesma rigidez inabalável: "Eu disse para não tentem mais contatá-lo. Eu mesma resolverei tudo."
Ela estava exausta de implorar, de esperar, de desperdiçar mais uma lágrima sequer por Kris Miller.