No escritório envidraçado da presidência, Eduardo afastou o relatório e pegou a xícara de café recém-deixada na mesa. Deu um gole e quase cuspiu de volta. O gosto era amargo demais, metálico, quase intragável.
- Que porcaria é essa? - resmungou, chamando Marcos com o olhar.
O assistente pigarreou.
- Senhor Braga, chegou um e-mail da senhora Braga. Pedido formal de demissão, com efeito imediato. Era sempre ela quem preparava o café... tinha um jeito especial... - calou-se ao notar a expressão do chefe. - Vou providenciar outro café imediatamente.
Eduardo pegou o celular por reflexo, como se esperasse encontrar ali uma mensagem dela, uma explicação. Nada. Apenas a tela fria.
Sentou-se na cadeira de couro e, pela primeira vez em muito tempo, reparou nas pequenas ausências. A agenda do dia estava organizada, mas sem as pausas estratégicas que Vivian sempre encaixava para que ele respirasse entre um compromisso e outro. Mais tarde, ao sair de uma reunião interminável, sentiu o peso do cansaço. Antigamente, os finais de tarde traziam encontros mais leves. Hoje, foi uma maratona sem trégua.
A dor latejante nos ombros, fruto da noite mal dormida e da tensão acumulada, o fez pegar o telefone do escritório no automático.
- Vivian, vem aqui... preciso de uma massagem. - murmurou, sem perceber o lapso.
Do outro lado da linha, a voz da nova secretária soou hesitante:
- Senhor Braga... a senhora Vivian não trabalha mais conosco. O senhor quer que eu providencie uma massagista?
O silêncio caiu pesado na sala. Eduardo apertou o telefone com força, como se quisesse esmagar a lembrança. Desligou sem responder e recostou-se na cadeira, o peito em chamas de irritação.
- Maldita seja, Vivian... - murmurou pra si mesmo.
- O quê, o vice-presidente falando sozinho agora? - a voz de Gustavo quebrou o silêncio carregado do escritório.
Eduardo ergueu os olhos, irritado.
- Você esqueceu como se bate na porta?
- Eu bati, mas você tava tão mergulhado no mau humor que nem ouviu. - Gustavo puxou a cadeira e se sentou sem esperar convite. A amizade de anos lhe dava essa liberdade, embora soubesse que estava cutucando a fera. - Aliás, o burburinho no corredor não era exagero... você tá impossível hoje.
Eduardo soltou um suspiro impaciente, mas não o deteve.
- Enfim - Gustavo jogou a pasta sobre a mesa -, trouxe os primeiros relatórios de marketing do lançamento de ontem. Estamos estourando nas redes sociais, a campanha foi um sucesso.
Eduardo puxou a pasta jogada pelo amigo. A cabeça latejou quando encarou os gráficos.
- Ótimo... pelo menos alguma coisa que justifique o seu salário astronômico.
- Alguém já disse que você é mão de vaca? - Gustavo provocou, abrindo um sorriso torto. - Ah, claro... menos com a sua esposa.
O olhar de Eduardo foi tão cortante que poderia perfurá-lo.
- Cuidado, Gustavo.
- Calma, cara. - Ele ergueu as mãos em rendição. - Só tô falando o que todo mundo sabe: a Vivian sempre teve o cartão livre.
Eduardo não respondeu. Voltou a remexer nos relatórios, irritado, como se quisesse afogar a mente em números.
- Eu fiquei sabendo da demissão dela. - Gustavo quebrou o silêncio. - O que foi que aconteceu ontem?
Eduardo fechou os olhos por um instante, a mandíbula tensa.
- Poucos dias atrás completamos três anos de casamento. Ontem ela pediu o divórcio.
Gustavo quase derrubou a cadeira ao se levantar.
- O quê?! A Vivian pediu o divórcio?
- Por que você está tão surpreso? - Eduardo rebateu, frio.
- Porque eu conheço aquela mulher, Eduardo! - Gustavo começou a andar de um lado para o outro no escritório, sem conseguir ficar parado. - Ela daria a própria vida pra ficar do seu lado. Isso não faz sentido nenhum!
Eduardo riu sem humor, mas a risada morreu depressa.
- Faz sentido, sim. Cumpriu o contrato, esperou o tempo mínimo e agora sai com cinquenta milhões no bolso. Calculista do início ao fim.
Ele se inclinou para frente, empilhando as pastas na mesa com violência contida. A irritação crescia ao perceber que nenhuma estava organizada como Vivian deixava - sempre por ordem de prioridade, sempre mastigado para facilitar o trabalho dele. Ninguém mais sabia fazer daquele jeito porque ela nunca ensinou. Era o tipo de detalhe que o obrigava a lembrar dela, e isso o consumia.
- Você não tá ouvindo o que tá dizendo? - Gustavo parou em frente à mesa, encarando o amigo. - A Vivian nunca precisou de cinquenta milhões. Com o cartão que você deu, ela gastava muito mais do que isso se quisesse. Essa história tá mal contada, cara. Muito mal contada.
Eduardo apertou os olhos, como se as palavras dele fossem uma martelada na cabeça.
- Chega, Gustavo. Eu não quero falar sobre isso.
- Pois eu quero! - o amigo insistiu, batendo com a palma da mão sobre a mesa. - Você acha que pode simplesmente engolir essa versão que inventou e acreditar? Não cola! Essa mulher... - ele fez uma pausa, respirando fundo - ...essa mulher te amava, Eduardo. E se ela foi embora, tem um motivo maior.
O silêncio que se seguiu foi sufocante. Eduardo desviou o olhar, as mãos crispadas sobre a mesa.
- Vamos beber alguma coisa - Gustavo concluiu, a voz mais baixa agora, quase conciliadora. - Isso não dá pra digerir assim, no meio de relatórios.
Eduardo hesitou. Queria negar, queria mandar o amigo sair do escritório, mas uma parte dele - a parte que ainda doía nos ombros e pesava no peito - queria um gole forte, algo que apagasse aquela conversa.
Ele respirou fundo, fechando a pasta diante de si.
- Vá na frente. Eu já te alcanço.
Mas quando Gustavo saiu, Eduardo ficou imóvel, encarando o telefone sobre a mesa como se este pudesse tocar a qualquer instante com o nome que ele não queria admitir que esperava: Vivian.