Tirei os sapatos e caminhei descalço até a varanda, observando a cidade de cima como quem assiste uma peça que já sabe o final, mas pela primeira vez em muito tempo... algo era imprevisível.
Bonnie Dawson.
A mulher que mal sabia quem eu era. Que tremia na minha frente, mas se recusava a abaixar a cabeça. Que cuidava de um irmão pequeno como se fosse o último bem do mundo. E que agora... talvez fosse a única solução plausível para o meu problema.
Eu não dormi direito e acordei antes do despertador, como se meu corpo já soubesse que algo importante estava por vir.
Vesti um blazer escuro por cima da camisa branca, sem gravata. Nada que chamasse atenção demais, mas ainda assim... formal o suficiente para quem precisava parecer convincente.
Desci direto para a garagem, o carro já estava pronto, limpo e o envelope ainda estava no porta-luvas, intacto.
O trânsito até o bairro onde ficava o Little Spoon Café não era o que eu estava acostumado. Pequenas ruas arborizadas, lojas de bairro, fachadas com tinta gasta e charme improvisado, estacionei do outro lado da rua e desliguei o motor.
Ali estava ela na cafeteria. De perto, o lugar parecia ainda mais frágil do que nas fotos. O toldo desbotado balançava com o vento, uma das letras do letreiro estava apagada, e uma plaquinha escrita à mão avisava que havia pão de queijo fresco.
Autêntico, real e claramente à beira do colapso.
Pela vitrine, pude ver a Bonnie, e ela vestia um avental escuro sobre uma camiseta simples, o cabelo preso em um coque desajeitado. Ela estava com as mãos ocupadas, organizando potes de biscoitos e ajeitando flores murchas numa jarra velha no balcão.
Mesmo no meio do caos, ela sorria para uma senhora sentada na janela, um sorriso pequeno, real, carregado de cansaço, mas ainda assim... algo naquele sorriso me pegou de novo, de um jeito que não era performático e sim sobrevivente.
Atravessei a rua e empurrei a porta, o sino tilintou com seu som me fazendo lembrar que eu era só um homem prestes a oferecer o negócio mais insano da minha vida.
Bonnie Dawson ainda não fazia ideia do que estava prestes a acontecer com a sua vida.
E talvez... nem eu.
BONNIE DAWSON
O som da porta abrindo cortou o ar como uma lâmina, era terça-feira, e o Little Spoon continuava vazio demais para o meu gosto, e eu estava atrás do balcão, limpando uma mancha de café com mais força do que o necessário. O pano escorregava entre meus dedos, quando ouvi uma voz masculina.
- Com licença. - Virei o rosto, sem muita pressa, achando que era um cliente novo.
Mas quando olhei... o ar fugiu dos meus pulmões.
Era o homem do SUV preto, o homem que eu tinha batido com a joaninha. O mesmo olhar sério, terno impecável, postura de quem está sempre dois passos à frente de qualquer um na sala.
Meu coração disparou.
- Eu... - tentei começar, a voz saindo trêmula. - Eu juro que estou me organizando. Vou pagar pelo conserto. Só... só preciso de mais alguns dias. - Respirei fundo, sentindo meu coração querer saltar pela boca.
Ele manteve o olhar fixo no meu, depois tirou um envelope do bolso interno do paletó e o estendeu para mim.
- Está aqui o valor exato do conserto. O jurídico calculou.
- Espere... - disse, piscando. - Seu jurídico? - ele assentiu uma única vez calmo e preciso. Foi aí, que percebi o que aquilo significava, aquele homem não era apenas um executivo qualquer. - Desculpa, mas... quem exatamente é você? - ele me analisou por um segundo antes de responder:
- London Turner. - E então caiu a ficha.
- London Turner? - perguntei abismada.
Aquele nome eu conhecia, sempre estava estampado em revistas de negócios, colunas financeiras e até em uma ou outra matéria de fofoca. CEO de uma das maiores corporações do país. Bilionário. Controlador. Intocável.
Eu tinha batido o meu carro no carro de London Turner, senti meu estômago virar.
- Eu... senhor Turner, me desculpe. Eu... eu realmente não sabia quem você era - murmurei, assustada.
- Não importa quem eu sou. - Ele continuou segurando o envelope em minha direção.
- Eu não posso aceitar. - Falei - Não importa como, mas vou pagar o conserto do seu carro.
- Senhorita Dawson, você teria que vender no mínimo sua casa para arcar com o conserto apenas do meu carro... e pelo que imagino, o seu carro também precisa de um bom mecânico.
- Isso não importa.
- O que importa é que você não recuse a aceite algo simples - disse, colocando o envelope sobre o balcão.
- Eu não posso aceitar - repeti, empurrando de volta. - Eu causei o acidente. Foi culpa minha. Eu vou pagar, nem que demore um ano. Mas não aceito caridade.
Ele arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços.
- Você chama de caridade. Eu chamo de lógica. Tenho dinheiro. Você não. Isso resolve.
- Não resolve - retruquei, sentindo a garganta apertar. - Eu não sou um caso de doação. Eu vou dar um jeito.
- Você não precisa provar nada pra mim, Bonnie. Só estou encerrando um assunto pendente. Nada mais.
E antes que eu pudesse dizer qualquer outra coisa, a porta se abriu novamente.
- Bonnie! - Noah entrou correndo, a mochila balançando nas costas. Marina veio logo atrás, rindo e me entregando um aceno.
Ele me abraçou forte, e eu me curvei para apertá-lo contra mim, sentindo seu cheirinho de recreio e segurança.
London observava silencioso. O olhar dele agora... era diferente, não era apenas frio, mas atento e quase... humano.
- Está tudo bem? - Marina perguntou, olhando de mim para ele com desconfiança.
- Sim - forcei um sorriso. - Senhor Turner só veio... deixar um envelope.
London então colocou um cartão preto com letras douradas, ao lado do envelope recusado.
- Fica com os dois - disse. - Amanhã eu volto.
E saiu.