Fechei os olhos com força. Respirei fundo. Desci do carro com a expressão dura e o maxilar travado, preparado para despejar um sermão no primeiro sinal de imprudência.
Mas então... eu a vi.
Uma mulher correndo em minha direção, visivelmente apavorada. Tinha o cabelo preso de qualquer jeito, o rosto tenso, os olhos arregalados. Falava rápido. Muito rápido.
Eu não entendi metade das palavras. Só fragmentos.
Ela gesticulava demais, a voz falhava de vez em quando, e por um instante, eu só observei.
Não consegui focar no que ela dizia. Só na maneira como dizia, tinha algo nela que me pegou desprevenido, a maneira como olhava direto nos meus olhos mesmo tremendo, a forma como parecia mais preocupada com o carro dela do que com o meu.
Ela era o completo oposto do mundo em que eu vivia, e por algum motivo... isso me prendeu.
- Me dá seus dados - foi tudo o que consegui dizer, interrompendo o turbilhão de palavras que ela despejava no ar.
Foi para o seu carro e voltou com um pedaço de papel e me entregou como quem entrega um pedaço de si, peguei o papel, assenti com a cabeça e entrei de volta no carro.
Mas mesmo quando o motor voltou a roncar, mesmo quando o trânsito enfim andou... a imagem dela não saiu da minha mente, era só mais uma batida de trânsito, mas algo me dizia... que aquele encontro não terminaria ali.
***
A imagem dela ainda estava na minha cabeça.
A mulher do carro amassado, cabelo preso de qualquer jeito, olhos grandes e mãos tremendo enquanto tentava juntar frases. Bonnie Dawson.
Não era o tipo de pessoa que normalmente me chamaria atenção. E mesmo assim, ali estava eu, parado no sinal, com a mente rodando nela, como se aquele acidente tivesse sacudido mais do que o para-choque do meu carro.
Cheguei à sede da H. Turner Corp. feito um furacão, as portas de vidro se abriram com o sussurro automático, e a recepcionista imediatamente abaixou os olhos para o monitor. Um funcionário do financeiro se desviou discretamente no corredor. O pessoal do marketing fingiu estar mais ocupado do que de fato estava.
Eles me chamavam de Carrasco, embora nunca dissessem em voz alta.
E eu preferia assim.
Meus passos ecoavam no mármore do saguão. O barulho do meu sapato contra o chão era quase coreografado. A tensão no ar era familiar. Contagiante.
Subi direto até o andar da presidência. Adam veio atrás de mim logo que saí do elevador, com uma pasta de relatórios embaixo do braço e aquele sorriso debochado que só ele conseguia manter diante do meu humor matinal.
- Você tá mais azedo do que de costume - provocou, erguendo uma sobrancelha enquanto me acompanhava pelo corredor.
- A vida colabora - respondi seco, empurrando a porta do meu escritório.
Entrei e joguei o paletó com força sobre a poltrona de couro, afrouxando a gravata com um puxão rápido, como se isso pudesse aliviar a pressão no peito.
Adam me seguiu e parou na porta, curioso.
- O que aconteceu? - perguntou. - Perdeu alguma ação ou pisaram no seu ego?
- Fui batido - soltei, sem rodeios, me sentando com força na cadeira.
- Batido? - ele arregalou os olhos. - Tipo... em um carro? No seu carro novo?
- Exatamente. Uma batida bem dada, para deixar claro que meu dia ainda tinha espaço para piorar.
Adam riu com gosto, apoiando-se na lateral da estante.
- E quem foi o infeliz?
- Uma mulher - murmurei, esfregando o rosto com as duas mãos. - Cabelo bagunçado. Voz trêmula. Com cara de quem tá tentando salvar o mundo vendendo café com leite e sonhos amassados.
- Então você foi atropelado por uma cafeteria? - ele zombou.
- Uma cafeteria ambulante - rebati, tirando o papel dobrado do bolso do paletó e jogando sobre a mesa. - Bonnie Dawson. Peguei os dados. Pedi para o jurídico calcular o conserto.
- E... vai cobrar?
- Não. Quero que transfiram o valor direto pra ela. Só resolve isso - respondi, abrindo o notebook e evitando o olhar dele.
Adam, no entanto, não era do tipo que deixava passar.
Ele estreitou os olhos, cruzou os braços e se aproximou devagar, como se analisasse uma peça rara.
- Tá me dizendo que o inflexível, o implacável CEO da H. Turner Corp., tá distribuindo cheques agora? Assim? Por empatia?
- Não é empatia - rebati, sem convicção.
- Então é o quê?
Suspirei e passei as mãos pelas têmporas, tentando tirar a imagem dela da cabeça. Mas ela não saía.
- Ela parecia que não dormia a dias... abatida ou cansada... - disse, mais pra mim do que para ele. - Mas de pé, como alguém que já deveria ter desabado, mas insiste em continuar. Me irritou... e me prendeu ao mesmo tempo.
Adam soltou uma risada baixa, balançando a cabeça.
- Isso vindo da sua boca... soa perigoso.
- Talvez seja.
Mas não falei mais nada, porque, pela primeira vez em muito tempo, eu não fazia ideia do que vinha a seguir.
E isso vindo de mim era o mais perigoso de tudo, antes que eu pudesse retrucar, Sophie surgiu na porta, com a pasta na mão e a testa franzida.
- Senhor Turner - ela disse, cautelosa, - sua avó está na sala de reuniões.
- O quê? - levantei os olhos de imediato.
- Chegou há vinte minutos, está te esperando. Disse que é urgente.
Meu estômago deu um giro seco.
Quando Eleonor Turner aparece sem marcar horário, não é por saudade. É por bomba.
Ela estava sentada à cabeceira da mesa de reuniões como uma imperatriz que nunca abdicou do trono. A bolsa de couro perfeitamente alinhada no colo, os dedos entrelaçados sobre ela, o rosto sem uma ruga fora do lugar. Imóvel. Intimidadora.
E completamente no controle.