Perseguindo o Assassino das Bonecas
img img Perseguindo o Assassino das Bonecas img Capítulo 3 O Monstro Que Sussurra
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Capítulo 6 A Verdade Tem Inimigos img
Capítulo 7 Silêncio na Escuridão img
Capítulo 8 Olhos de Vidro img
Capítulo 9 A Marca na Pele img
Capítulo 10 A Maquiagem das Mortas img
Capítulo 11 A Sombra da Morte img
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Capítulo 3 O Monstro Que Sussurra

"O mal nunca é fora do comum e sempre humano. Compartilha nossa cama e come à nossa mesa. "(Poeta W. H. Auden)

Enquanto todos saíam e o perito terminava de posicionar as placas, solicitei que borrifassem luminol pela casa e apagassem as luzes. Faríamos uma busca minuciosa por vestígios de sangue ou qualquer substância que pudesse nos ajudar a identificar o culpado. Era como procurar uma agulha em um palheiro.

Para me ajudar, Harrison ficou. Começamos a vasculhar cada cômodo. Mas algo não fazia sentido.

Subi as escadas e entrei no quarto. Notei a mala feita em cima da cama - uma particularidade presente em todas as demais vítimas. Porém, nas outras, não havia digitais, nem traços de DNA. Nenhum rastro.

Fiquei mais de uma hora sozinha observando cada detalhe, até começar a questionar em voz alta:

- Há um sinal claro de luta aqui. Quadros quebrados... mas cadê os cacos? E mais interessante: onde foi parar a sujeira deles? - murmurei, incomodada com a precisão cirúrgica do assassino.

- Eu apostaria no lixo - respondeu Heitor.

Olhei para ele, confusa e surpresa.

- Peça a dois peritos que revirem o lixo no quarteirão, em busca de algo relevante - pedi. Ele pegou o celular e passou a ordem. Notei uma aliança em seu dedo e não resisti à pergunta:

- Tem filhos?

Ele assentiu com um sorriso leve.

- Sim. Uma menina linda de seis anos, sapeca e adorável, chamada Lis. Mas, se depender da minha esposa, temos muitos planos para aumentar a família.

Havia felicidade em sua voz. Mordi o lábio e me agachei para analisar o tapete.

- E você?

- Não tenho filhos, não tenho marido... e não acredito em relacionamentos duradouros. Só casos de uma noite, sem muita significância - respondi, sincera. Não gosto de me envolver. Sei muito bem como quem se ama pode sofrer por causa do trabalho que realizamos.

- Interessante... - murmurei, voltando o foco para o chão. - Há gotas gravitacionais respingadas no tapete. Acho que são da vítima.

Peguei um swab, coletei o material e guardei no tubo. Ele brilhou em tom púrpura: sangue.

- Então houve uma luta neste quarto. Ele a domina e depois a amordaça. Mas não há sinal da corda, nem da amarra - comentei, franzindo a testa. Ele era esperto. Nunca deixava nada para trás. Sem exceção.

- Mas como ele a domina sem que grite? - Heitor perguntou, intrigado.

Essa talvez eu soubesse responder.

- Todas as vítimas eram casadas, correto? E tinham filhos, se bem me lembro. Isso me leva a crer que ele as chantageia. E elas acreditam, até o último segundo, que vão sobreviver. Mas algo me diz que ele se alimenta do medo delas... que gosta de vê-las implorar pela vida enquanto ela escapa de seus olhos.

Heitor apenas assentiu em silêncio.

Revisamos todos os cômodos. Nada mais. Até a pia e o ralo do banheiro haviam sido limpos e desinfetados. Nenhuma pista restou.

- Vou direto para o laboratório. Mas, se quiser, posso te deixar em casa. Seria uma forma de me desculpar pelo jeito como meu chefe agiu. Ele não está acostumado a dividir o osso - nem a perder para uma mulher, ainda mais sob os holofotes da mídia.

Sorri. Ele parecia sincero, então aceitei.

Descemos as escadas e liberei o corpo para o legista. Considerando tudo que coletamos, só podia concluir que seria uma longa noite.

Pegamos minhas malas e as colocamos no porta-malas. Foi uma viagem longa, o suficiente para termos uma conversa informal. Heitor era focado, determinado. Jamais havia desistido de caçar esse criminoso. E, agora, o mais importante era impedir que novas mortes acontecessem.

Assim que o carro parou, ele deu a volta rapidamente e abriu a porta para mim. Fiquei surpresa. Cavalheirismo era algo raro. A casa era bonita, o bairro parecia calmo. Era perto do local onde eu trabalharia, mas não conhecia bem a cidade e poderia facilmente me perder.

Ele insistiu em esperar no carro. Recusei. Pedi que aguardasse na sala - não tinha nada para oferecer, ainda não havia feito compras, mas ele disse que daria um jeito.

Subi com minhas malas. E enquanto caminhava escada acima, uma dúvida pairava sobre mim:

Como ele caçava suas vítimas?

Precisaria de um carro grande... talvez uma van, algo comum aos olhos dos outros. Um veículo que não chamasse atenção. Mas não acredito que fosse um carro qualquer. Ninguém entra voluntariamente num carro assim. Ele é cuidadoso. Confiante. E está evoluindo suas técnicas.

Poderia ser um taxista? Talvez. Mas nada explicava como ele as pegava. Onde ele as abordava. E, principalmente, por que as escolhia.

Sabemos de uma coisa: ninguém viu as vítimas sendo sequestradas ou forçadas. Não havia sinais de arrombamento nas casas. Isso deixava claro duas possibilidades - ou ele foi convidado a entrar, ou a vítima estava inconsciente, e ele entrou se passando por alguém conhecido.

Incógnitas.

Que eu vou descobrir.

Às vezes, psicopatas mudam o modo de agir por razões que, para eles, parecem óbvias - e para nós, meras suposições. Pode ser para nos confundir... ou apenas para saborear novas sensações. Algumas vezes, é só pelo prazer. Na maioria dos casos, é a raiva pela vítima - ou pela ocasião - que o faz alterar seu método, sem jamais abandonar sua assinatura.

Mas havia algo estranho nesse suspeito. Enquanto eu me aprofundava nas evidências, sentia como se fossem dois assassinos. Não era provável... mas era uma sensação persistente.

A assinatura me dizia que não era uma mulher, e sim um homem meticuloso, organizado, focado. Um jogador. Ele quer nos dizer algo - ou mostrar. Mas o quê?

Eu havia tirado a roupa do dia e usava apenas uma lingerie branca rendada. Algumas peças estavam estendidas sobre a cama. Precisei decidir a mais formal, a que passasse mais autoridade. Meus pensamentos ainda estavam embaralhados.

Batidas suaves na porta me puxaram de volta à realidade. Respondi que já estava indo. Esqueci completamente que ele me esperava na sala. Deve ter se preocupado com a minha demora.

- Me desculpe, é que fiquei preocupado. Meu chefe me mataria se perdesse nossa convidada. - Ele parecia sincero.

- Obrigada - agradeci, suspirando. - Só me perdi num pensamento que não sai da minha cabeça... Como ele escolhe suas vítimas?

A pergunta de um milhão de dólares.

- Tentamos seguir os passos das vítimas, mas não chegamos a nada sólido. Não há padrão. A única semelhança é que todas desapareceram sozinhas, em locais movimentados. Mas cada uma foi vista em um lugar diferente, sem conexões claras.

O caso era um labirinto - e eu sempre gostei de enigmas.

Escolhi um terninho preto com uma camisa social branca. Séria. Profissional. Depois de calçar a bota, chamei sua atenção:

- Por que não pediram ajuda antes?

- Porque, no começo, não era uma vítima por semana. Ele deixava os corpos em locais abertos, com pouca ou nenhuma segurança. Foi só há menos de um ano que ficou ousado. - Ele fez uma pausa e me encarou. - E tem mais: as casas onde os corpos foram encontrados não pertenciam às vítimas. Estavam vazias há algum tempo. Mas, há menos de um ano, começou a ficar ousado, recebemos uma denúncia anônima, e a ligação era sempre de um número descartável, impossível de rastrear e ele usava um alterador de voz. Cada vez, um número diferente.

Ele fez uma breve pausa, e então se virou para me encarar.

- Entendi. Mas quero deixar claro que estou aqui para ajudar. Vim como cortesia da Europol, mas, se eu sentir que preciso tomar a frente da investigação, farei isso sem pensar duas vezes. Há pessoas morrendo, senhor Collins.

Ele estendeu a mão e eu a apertei.

- Heitor, a propósito. - Ele sorriu, soltando minha mão. - Acho que começamos com o pé esquerdo. Não costumo confiar nas pessoas, mas toda ajuda é bem-vinda. Só peço paciência com o Gabriel. É um bom homem... e um agente ainda melhor. Mas desde que perdeu a esposa, há seis anos, ele nunca mais foi o mesmo.

Não soube exatamente onde ele queria chegar com aquilo, mas deixei passar.

- Está pronta? - perguntou.

Concordei com um aceno, guardei as roupas que não usaria na mala e peguei minha bolsa. Haveria tempo para desfazê-la. me instalar depois.

***

Heitor me levou até a sede. Assim que entramos, percebi os olhares curiosos - e alguns, nada amigáveis. Fofoqueiros. Como se fossem me intimidar com expressões azedas. Patético. Apesar disso, notei que todos trabalhavam com afinco. Mas havia algo que não se encaixava nesse jogo macabro. Em certos momentos, o psicopata parecia... outra pessoa.

Isso me fascinava.

Heitor me conduziu até a sala de reuniões. Sem surpresa, a equipe já discutia sobre a nova vítima. Fiquei impressionada com a estrutura: uma tela digital grandiosa que processava e analisava dados em tempo real.

O agente Harrison se calou no instante em que entrei e esperou me acomodar para me lançar um olhar fulminante, o suficiente para atravessar minha pele.

- Está atrasada. Aliás, os dois estão. E você, Heitor, disse que só a acompanharia até em casa. Parece que se perderam no caminho. - O tom dele era ríspido, acusatório. Respirei fundo antes de responder, com suavidade.

- Você não é meu chefe para exigir justificativas. Quanto ao Heitor, ele foi um cavalheiro. - Fiz questão de usar um tom ambíguo. Que ele interpretasse como quisesse. Nossos olhos se encontraram por um segundo. Bastava isso.

- Heitor vai se sentar ou vamos continuar perdendo tempo? - O agente se acomodou.

O agente Harrisom estava visivelmente irritado e ficou emburrado quando foi interrompido por Heitor que me apresentou ao resto da equipe:

- Estes são os membros da nossa equipe: Ryan, Celine e Bethy. Nossos chefes estão em reunião e nos encontraremos mais tarde. Essa é a agente Sophie, enviada pela Europol para colaborar na investigação. - Ele revirou os olhos. - Essa é a Karen, nossa hacker. Está conosco há cinco dias e já é a mais habilidosa com quem trabalhamos.

- Prazer em conhecê-los. - Cumprimentei com um sorriso contido. - Fico feliz que tenha conseguido se adaptar, Karen. Já trabalhamos juntas. Fui eu quem a indicou para esse caso. Mas gostaria de esclarecer algo: vim como consultora. Não para assumir a investigação, nem para roubar os holofotes da mídia. Apenas em último caso. Então, agente... ainda não me disse seu nome.

O encarei. Ele parecia se irritar ainda mais comigo. Se eu não fosse mulher, talvez já tivesse explodido. Se eu fosse homem, ele teria mudado o tom há muito tempo.

- Acredito que esteja desinformada. Seu diretor foi muito claro sobre sua função. Sou o agente Gabriel, a propósito. Pode continuar de onde parei já que veio assumir o caso. - Se sentou como uma criança birrenta negada ao doce.

- Preciso falar com o John. Um instante.

Antes que eu saísse, ele murmurou uma provocação:

- Já se chamam pelo nome, ela deve ter muita intimidade com o diretor.

Levantei-me e, ao sair, ouvi uma provocação dele, baixa o suficiente para cutucar minha paciência:

- O namorado não contou tudo a ela.

Mal sabia ele o tipo de relacionamento que eu tinha com o diretor da Interpol.

- Pelo menos alguém aqui ainda transa. - Disparei e saí da sala com elegância, peguei o celular e disquei para meu pai. Ninguém precisava ouvir aquela conversa.

Do lado de fora, ele atendeu e observei sua expressão, aquele sorriso de quem sabe que aprontou.

- Que história é essa de me colocar na liderança da equipe? Vim como apoio, não para causar intrigas. - Falei direto, irritada.

- Princesinha, que surpresa. Boa noite pra você também! - Ele fez voz de ofendido

- Sem teatrinhos. O que não está me contando? - Ele suspirou.

- Foi ordem superior. Eu só cumpri. Coloquei você na liderança quando o agente responsável não estava apresentando resultados. Tive que agir. Me perdoe por não avisar antes. - Suspirei, massageando a têmpora.

- Agora entendo a raiva do Gabriel... Ele acha que vim roubar o lugar dele. Isso só vai piorar a tensão.

- Desde quando você se importa com comentários?

- Desde que interferem no meu trabalho. Não preciso de mais atritos. Só quero fazer o que vim fazer.

- Se alguém criar problema, resolva. Corte o mal pela raiz... ou então... transe com o problema. Vai que o benefício é mútuo.

- Pai! - exclamei, envergonhada. - Faz isso de propósito? Por favor, só me avise antes de agir pelas minhas costas. Agora preciso resolver isso em paz.

- Só te preparando pro mundo real,lembre-se: a bondade, nesse mundo, raramente é uma vantagem. Me avise da próxima vez que tiver uma situação delicada.

- Está bem. Boa noite, pai.

- Boa noite, princesinha.

Desliguei e guardei o celular no bolso, ao me virar, dei de cara com Gabriel. Seu olhar era de pura confusão, literalmente.

- Ele é seu pai?

Não respondi. Segui em direção às escadas. Mas ele segurou meu braço, forte o bastante para me parar. O choque dos nossos corpos foi imediato. Nossos corpos estavam perigosamente próximos. Sua respiração quente tocava meu rosto.

- Fiz uma pergunta. E gosto quando me respondem. - Seu tom era baixo, quente... mas hostil. Estava um degrau abaixo de mim.

- Me solte. Ou eu grito.

- Quando me responder, eu solto. - Sua respiração quente roçava meu rosto. - Não sou um monstro, mas aqui... é a minha cidade. Minha equipe. Meu caso. E aqui, minha palavra é lei. Não vou deixar que despeça meus agentes.

Seu olhar estava preso aos meus lábios.

- Sim. É meu pai. E se me tocar de novo, eu quebro sua mão... e seu braço. Estamos entendidos?

Engoli em seco. Seus olhos estavam fixos nos meus lábios.

- Se eu realmente a tocasse... duvido que houvesse arrependimentos.

- Nunca! - Disparei.

Ele parou na porta, ainda sorrindo.

- Profissionalismo, senhor Harrison. Só isso que espero desta relação de trabalho.

Ele passou a língua pelos lábios.

- Quem disse que desejo algo mais? Aliás, desejo apenas que vá embora... e rápido.

Afastei-me. A cada passo, meu coração batia mais rápido. Ele era um homem perigoso. E de homens perigosos... eu sempre mantive distância.

Respirei fundo e me afastei. Mas, quanto mais distante dele eu ficava... mais acelerado o meu coração batia.

Ele era um homem perigoso.

E desse tipo... eu sabia que precisava manter distância.

            
            

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