O Legado Do Alfa
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O Legado Do Alfa

G.A.Moon
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Capítulo 1 Derik

Chovia o tipo de chuva que apaga o som da cidade e acende o que vive dentro da gente. Nova Orleans parecia conter a respiração. Eu também.

Cruzei o beco atrás do Dusk, onde a luz de um letreiro azul piscava como um aviso. Liam não atendeu ao primeiro chamado pelo rádio. Nem ao segundo. Quando aconteceu, a voz dele veio rasgada, como se a garganta tivesse ferrugem.

- Alfa... preciso de você.

Corri. O sigilo sob minha pele ardeu, um traço incandescente no esterno que se abriu em veios finos até o pescoço. A Sombra aproveita qualquer brecha: dor, medo, pressa. E eu estava com as três.

Encontrei Liam no chão, de lado, um braço protegendo as costelas. O sangue dele pingava ritmado, misturando metal e chuva no ar. Quatro figuras encapuzadas cercavam meu beta como cães. Mas não eram cães. Os olhos deles tinham aquela névoa branca - o primeiro sinal de que a Sombra pegou o cérebro e mastigou.

- Afasta - eu disse, e a palavra saiu mais grave do que humana.

Eles vieram. O corpo sabe o que fazer antes da mente querer: meu peso para trás, giro, um golpe. O primeiro caiu com a mandíbula torta; o segundo, com as garras entrando no ombro dele como se fosse papel molhado. O terceiro tentou vir por baixo; chutei o joelho, ouvi o estalo e, por um segundo, precisei lembrar que misericórdia também é lei - a minha. O quarto fugiu. Eu permiti.

A chuva lavou os sons. Minha respiração coube dentro de uma só palavra: controle.

Ajoelhei ao lado de Liam. Ele sorriu com os dentes sujos de vermelho, porque é jovem e pensa que tudo é vitória quando ainda se respira.

- Isso foi bonito de ver - disse.

- Foi estúpido de fazer - respondi, pressionando as costelas dele. - Quem te mandou sozinho?

- Ninguém. Eu vi... algo. Achei que dava pra conter.

"Algo." Sempre há um algo antes do desastre. Ajudei-o a sentar. Debaixo da camisa, o sigilo queimou tanto que meus dedos tremeram - o desenho ancestral pedindo mais, sempre mais. A Sombra sussurrou, um roçar de língua no osso:

Dá-me mais um pouco, e eu te darei todos.

- Some daqui - falei, firme, para o vazio. - Eu não sou teu.

Não sei se falei alto ou só por dentro. Sei que Liam me olhava como quem assiste um raio cair perto demais.

- Você... está piorando, não é?

- Vai ficar tudo bem - menti com treino antigo. Empurrei-o de pé. - Selene vai te costurar e te humilhar em igual medida. Anda.

Conduzi-o até a saída lateral, onde o beco encontra a rua. Selene nos esperava sob um guarda-chuva preto, impecável como quem aprendeu a não se molhar por dentro. O olhar dela varreu o sangue de Liam, subiu para mim, estacionou na gola aberta da minha camisa, onde uma veia escura traía o sigilo.

- O Conselho já está fervendo - ela disse. - Querem você lá. Querem respostas.

- O Conselho sempre quer alguma coisa - respondi. - E quase nunca quer a verdade.

- A verdade é que a Trégua Velada foi violada duas vezes esta semana - ela retrucou, sem erguer a voz. - E a cidade está cochichando alto demais. - Os olhos desceram outra vez para minha clavícula. - Você consegue esconder isso de quem, exatamente?

Puxei a gola. O toque do tecido no símbolo queimou como sal em ferida. Eu aguentei. A gente aguenta. É o que o cargo pede.

- Da nossa ruína - falei.

Selene inclinou a cabeça, meio sorriso que não era bonito nem cruel, só honesto. Pegou Liam pelo braço com eficiência de general.

- Eu cuido dele. Você cuida da tempestade - disse, e me deixou com a rua, a chuva e o silêncio.

Fiquei. Escutei a cidade, como se as telhas, as árvores, as sarjetas tivessem garganta. É um truque antigo: procurar onde a noite respira mais fundo. Achei. No centro antigo, três quadras dali, alguém chorava sem som. E mais fundo que isso, algo batia na mesma frequência do meu sigilo, como se duas mãos separadas batessem palmas no escuro.

Segui o pulso invisível. A chuva afinou. Passei pela fachada da Clínica Forense, luzes acesas num andar térreo. Uma sombra moveu-se atrás de um vidro fosco. No ar, o cheiro mudou: álcool, látex, café queimado... e um fio de jasmim esmagado - memória de jardim no asfalto.

A Sombra sorriu por dentro de mim. Eu senti. Não era voz; era intenção. Ela. O Legado sabe antes do homem. O homem sempre chega atrasado ao próprio destino.

Parei diante da porta de metal com uma plaquinha: Necrotério. Dei dois passos para trás, não por medo, mas por respeito. Eu lidero uma alcateia, não invado o sono dos mortos. Ainda assim, alguma coisa no esterno puxou, exigente, como se uma corrente me atravessasse e a outra ponta estivesse ali dentro, amarrada a um coração desconhecido.

O telefone vibrou. Selene.

- Eles querem você em quinze minutos - ela disse, sem boa noite. - E trouxe um presente: o detetive Arthur jurando de pé junto que todos os corpos são de "grande canídeo". Se a imprensa morde isso, o Conselho vai te mastigar com garfo e faca.

- Eu chego - disse. - Me dá vinte.

- Quinze - ela cortou, e desligou.

Olhei outra vez para o vidro. Uma mulher de avental e cabelos presos caminhou na direção oposta, perfil rápido, prático, o tipo de quem não perde tempo tentando ser mais leve do que pesa. Quando ela passou sob a luz, vi os olhos: castanhos com um brilho de quem pergunta sem pedir licença. Não sei explicar por que o sigilo ardeu como se tivesse sido tocado. Ela não me viu. Ou viu e fingiu não ver. O mundo dos humanos é pródigo em fingimentos elegantes.

Eu deveria ter ido embora. Conselho, trégua, relatórios, a liturgia do poder. Em vez disso, encostei as costas no muro, fechei os olhos e contei três respirações longas. Quando abri, a noite estava mais nítida. Ou eu, mais bruto.

- Foco - falei para mim. A palavra fez o ar vibrar.

Saí dali pelas ruas menores, onde a história da cidade se empilha em sacadas de ferro e paredes úmidas. Dois andares acima, alguém tocava jazz errado - tão errado que virou certo. O Legado começou como canção, contam os velhos. Música que chamou a lua pela primeira vez. Nunca acreditei em contos para acalmar filhote. Hoje em dia, aceito qualquer coisa que me dê um nome para este fogo.

Passei pela praça, e foi então que senti: não o chamado do símbolo, mas o chamado de outro coração. Um batimento firme, determinado, estranhamente sincronizado ao meu. Por um instante, tudo no corpo obedecia a esse compasso novo - como se minha coluna, meus ombros, minhas mãos lembrassem um passo que eu nunca dancei.

A Sombra, ciosa, roçou o osso: Se é dela, eu quero. Se te completa, me enfraquece.

Sorri de canto, sem humor.

- Então enfraquece - sussurrei, e caminhei na direção do som.

A última esquina antes da Rua Bienville me mostrou o estrago que eu vinha evitando: um corpo coberto por lona plástica ao lado de uma ambulância, luzes virando a chuva em facas de cor. Dois paramédicos discutiam baixo. Um policial usava mais medo que capa. O cheiro de prata fria bateu no meu nariz como insulto. Caçadores. Aqui.

O batimento que me guiava acelerou, respondeu ao meu. Dentro da clínica, a mulher de olhos castanhos se aproximou do vidro, segurou a borda com os dedos e, por um segundo breve, como faísca, olhou direto para mim. Não havia lógica na distância, no ângulo, na sombra entre nós - mas eu soube que ela viu. E soube que eu era o motivo do brilho que ascendeu no olhar dela, aquele instante terrível em que uma vida reconhece outra.

Meu telefone vibrou de novo. Três mensagens. A primeira, Selene: Agora. A segunda, do Conselho: Sessão extraordinária. A terceira, sem identificador - texto curto, seco, como lâmina:

"Se você não a afastar, eu tomo você."

O sigilo no peito brilhou como um carvão acordando. E, como toda resposta que importa, a minha veio sem pensar:

- Tenta.

            
            

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