Eu apenas encarei o teto. Uma cicatriz. Parecia apropriado. Um lembrete permanente e visível desta traição final e devastadora.
"Não importa", eu disse, minha voz monótona. "Não vou mais usar saias curtas."
A enfermeira me deu um olhar confuso. "Mas você é a Sra. Medeiros. Você tem que ir a tantos eventos-"
"Não por muito mais tempo", eu disse, encontrando seu olhar. "Vou me divorciar."
Como se invocado pela própria palavra, Arthur apareceu na porta. Ele deve ter me ouvido de novo. Seu timing era impecável.
A enfermeira, sentindo a queda súbita de temperatura, rapidamente se desculpou e saiu.
Arthur caminhou até minha cama. Pela primeira vez, ele realmente olhou para minha perna, para os curativos novos e os tubos que saíam de debaixo dos lençóis. Sua expressão era indecifrável.
"Ouvi dizer que sua cirurgia foi adiada", disse ele, sua voz mais suave do que eu esperava. "Eu estava com a Clarice. Pensei que você estivesse segura, que as enfermeiras estivessem cuidando de você."
Ele pensou. Ele presumiu. Ele nunca verificou.
"Eu estava", eu disse baixinho. "Por seis horas. No corredor."
Ele teve a decência de se encolher. "Helena, eu-"
"Não", eu disse, cortando-o. "Está tudo bem. Você esteve ausente em todos os momentos importantes da minha vida por seis anos. Por que uma experiência de quase morte seria diferente?"
Ele abriu a boca, depois a fechou. Ele sabia que era verdade. Ele enfiou a mão no paletó e tirou um talão de cheques. Um gesto tão quintessencialmente Arthur que era quase engraçado. Tentando pagar para sair da culpa.
"Vou cobrir todas as despesas médicas", disse ele. "E pela sua dor e sofrimento... diga um preço."
Eu olhei para ele, para seu rosto bonito e sem noção. E uma ideia, fria e afiada, se formou em minha mente. Ele queria pagar? Ótimo. Eu o faria pagar.
"Cem milhões de reais", eu disse sem piscar.
Ele congelou, a mão pairando sobre o talão de cheques. "O quê?"
"Você me ouviu", eu disse, minha voz como aço. "Cem milhões. Considere um acordo de pensão antecipado. Um pacote de demissão por seis anos da minha vida."
Ele me encarou, seus olhos arregalados com um choque que, pela primeira vez, parecia genuíno. Ele finalmente estava vendo que o capacho com quem se casara havia criado dentes.
"A família Bittencourt está com algum tipo de problema financeiro?", ele perguntou, sua mente imediatamente indo para a explicação mais lógica e transacional.
"Não", eu disse. "Isso é pessoal."
Ele me estudou por um longo momento, então, para minha surpresa, ele clicou a caneta e começou a escrever. O som do arranhão encheu o quarto silencioso. Ele destacou o cheque e o colocou na minha mesa de cabeceira.
Então o celular dele vibrou. Clarice, sem dúvida.
"Eu preciso ir", disse ele, já se virando. "Conversamos mais tarde."
Peguei o cheque. Os números eram impressionantes. Era uma fortuna. Mas para mim, não era dinheiro. Era liberdade. Era a primeira parcela do meu acordo de divórcio.
"Arthur", chamei quando ele chegou à porta.
Ele parou, a mão na maçaneta.
"Quando finalizarmos o divórcio", eu disse, minha voz clara e firme, "você e eu estaremos completa e irrevogavelmente acabados. Sem laços. Sem obrigações. Nada."
Ele não respondeu. Apenas saiu, me deixando sozinha com o cheque e o cheiro do perfume de outra mulher.
Quando finalmente recebi alta, voltei para nossa vasta e vazia cobertura. A primeira coisa que fiz foi ir para o lado de Arthur do closet. Aquele "closet de presentes" que ele criara.
Eu o abri. Tudo o que eu já lhe dera estava lá. Os suéteres de caxemira, ainda em suas caixas originais. Os relógios caros, com o plástico protetor ainda nos mostradores. Os livros de primeira edição, com as lombadas intactas. Nada jamais fora tocado. Seis anos do meu amor, catalogados e guardados como provas em um caso arquivado.
Chamei minha assistente. "Doe tudo neste closet para a caridade", eu disse. "E embale o resto dos pertences do Sr. Medeiros. Coloque-os em um depósito."
Naquela noite, Arthur chegou em casa e encontrou um apartamento meio vazio.
"Helena, o que significa isso?", ele exigiu, gesticulando para os espaços vazios nas paredes onde sua arte abstrata e estéril costumava ficar. "Onde estão minhas coisas?"
"Mandei guardá-las", eu disse calmamente, tomando meu chá. "O apartamento parecia bagunçado."
Ele me encarou, uma carranca profunda vincando sua testa. Ele olhou ao redor, como se notasse pela primeira vez que eu havia mudado, que o próprio ar no quarto era diferente. Ele não conseguia identificar, mas a mudança o perturbava.
Então seus olhos se arregalaram em pânico. Ele correu para seu escritório, e eu o segui lentamente. Ele revirou o quarto, tirando livros das prateleiras, abrindo gavetas.
"Onde está?", ele rosnou, sua voz tensa de desespero. "Onde está a caixa de música?"
Eu fingi ignorância. "Que caixa de música?"
Ele pegou o celular e me mostrou uma foto. Era uma caixa de madeira simples, de aparência antiga, primorosamente esculpida. "Isto. Clarice me deu no nosso primeiro aniversário na faculdade. É a coisa mais importante que eu tenho. Onde está?"
A coisa mais importante que ele tinha. Um presente dela. Não nosso álbum de casamento. Não o retrato nosso que costumava ficar no corredor. Uma bugiganga de um amor passado.
"Eu não sei", eu disse sinceramente. "Deve ter sido embalada com o resto das suas coisas."
"Encontre", ele sibilou, seus olhos ardendo com uma intensidade aterrorizante. "Encontre, Helena, ou eu juro por Deus, você vai se arrepender."
Pelas duas horas seguintes, nós procuramos. Até mesmo Arthur, o homem que não tocava em uma maçaneta sem luvas, estava de quatro, rasgando as caixas que os carregadores haviam deixado, seu terno perfeito coberto de poeira.
Eu o observei, um estranho distanciamento se instalando sobre mim. Vi o pânico em seus olhos, as gotas de suor em sua testa. Vi o quanto aquele objeto, aquele pedaço de Clarice, significava para ele. Ele estava mais frenético procurando por aquela caixa do que quando eu estava sangrando na calçada.
E naquele momento, qualquer traço remanescente de amor que eu pudesse ter por ele morreu uma morte final e silenciosa.