Desde que me lembro, sonho com a liberdade. Durante toda minha vida, cresci sob o olhar atento do meu pai, o temido Yeong-gi, um homem frio e incapaz de demonstrar qualquer sentimento para com outro semelhante, até mesmo com a esposa e a própria filha. Meu único alento era minha mãe, que mesmo oprimida dentro da própria casa, fazia de tudo para eu me sentir bem e amada. Uma mulher de coração nobre e linda assim como o significado do seu nome: Areum.
Meus estudos eram feitos através de tutores que vinham até nossa residência, pois segundo meu pai, sendo eu, filha de quem era, seria muito perigoso me expor, eu sabia a que ele se referia, desde muito jovem entendia que ele tinha negócios escusos, ligados a organizações criminosas de nosso país de origem, a movimentação de pessoas que faziam parte de seus negócios era grande na casa e na maioria das vezes, eu tinha que ficar trancada no quarto, em outras, eu me fazia invisível e acabava escutando algumas coisas. Sempre que eu fazia perguntas a minha mãe, ela dizia que era melhor eu não saber de certas coisas, mas eu sabia e Hyun também me contava.
A mim era proibido sair e viver uma vida normal como qualquer pessoa. Por esse motivo não tinha amigos e muito menos convívio com outras pessoas que não fizessem parte do círculo familiar ou que frequentassem a casa.
Talvez tenha sido por isso, que me apeguei tanto ao Hyun, meu único amigo, ele é filho do conselheiro de papai, e vem bastante em nossa casa. Sempre nos encontrávamos para conversar em algum lugar longe dos olhares curiosos, que fatalmente diriam ao meu pai sobre nossa amizade. Eu tinha medo de que papai fizesse algum mal a ele ou que nos afastasse de vez.
Desde muito jovem fui criada para ser a esposa perfeita, submissa e atender todos os desejos do marido. Assim como minha mãe.
Os casamentos no meio em que vivo, são para algum fim vantajoso para as famílias e deve durar a vida toda ou até que um dos dois morra. O que geralmente acontece com as esposas, que de um dia para o outro, somem misteriosamente. Percebi isso quando elas deixavam de comparecer aos jantares que eram oferecidos e outras apareciam em seus lugares. Uma vez cheguei a perguntar a minha mãe e ela respondeu que para o meu bem, eu não deveria perguntar sobre essas coisas.
Quando atingi certa idade, meu pai me chamou ao seu escritório e disse que a partir daquele momento eu deveria me afastar do Hyun, foi um choque descobrir que ele sabia de nossa amizade todo o tempo. Ele disse que eu deveria focar nas aulas que teria, pois dentro de alguns anos me casaria.
De nada adiantou me rebelar contra aquele destino, chorei, gritei e implorei para que ele não me obrigasse a casar com um estranho. Pensei muitas vezes em fugir, mas sei que papai me caçaria como a um animal e seria muito pior, além de quê, eu não tinha com quem contar para tal feito, qualquer um que me ajudasse, sofreria com a ira de papai, o jeito foi deixar os anos se passarem e aceitar o que estava reservado para mim.
Dever e obediência faziam parte da minha vida, nada mudaria – eu tentava me convencer.
Em nossa casa o Natal nunca foi algo importante, era apenas um almoço diferenciado. Os únicos presentes que ganhava era de Hyun, que sempre me trazia algo escondido de papai. Eu preferia que tivesse continuado assim, mas no último Natal, papai me deu o meu pior presente, o acordo do meu casamento. Naquele dia, fui comunicada de que o casamento seria na semana seguinte ao meu aniversário, em fevereiro.
Casar-me com um homem que jamais encontrei pessoalmente.
Estremeço involuntariamente só em pensar nisso.
O tempo passou rápido demais para o meu gosto. Ainda falta um mês para meu fatídico casamento, mas ontem papai falou que amanhã teremos um jantar de noivado, onde vou ver meu noivo pela primeira vez. Desde que recebi essa notícia, estou trancada em meu quarto, não consigo parar de chorar. Tenho certeza de que sairei de uma gaiola de ouro para outra, sem falar que ele pode ser tão rude quanto papai, e o pior de tudo, é que poderei não viver o meu sonho de ir para uma universidade, me graduar e isso não vou suportar. Ser um enfeite jamais fez parte dos meus planos.
Deixo os pensamentos de lado e enxugo o rosto ao ouvir uma batida na porta de vidro da varanda do meu quarto, quando olho, vejo meu querido amigo acenando para mim. Corro para abrir e me jogo em seus braços, o choro se intensificando, sei que posso nunca mais vê-lo depois de casada.
― Ei, não chore. Vim assim que soube... ― fazia duas semanas que Hyun tinha viajado para outro país, ele foi resolver alguns assuntos relacionados ao seu pai, o senhor Lee.
― Conseguiu descobrir alguma coisa? ― pergunto quando me afasto.
― Infelizmente, nada ainda, mas estou tentando.
― Não tenho mais tempo...
Saio de seu abraço, resignada, e deixo os ombros caírem, minha tristeza é infinita. Hyun ficou de me ajudar a descobrir quem era o meu noivo, porque papai não diz nada, nem ao menos o nome dele eu sei. Faz meses que estamos tentando descobrir alguma coisa, morro de medo de que seja um velho rabugento que tem idade de ser meu pai, ou até mesmo um homem de fama terrível.
― Eu tive uma ideia. Vamos fugir...
― Fugir? Está louco ― digo me aproximando e olhando através da porta para todos os lados. ― Se papai o ouvir falando isso, é capaz de matá-lo e nem seu pai poderá salvá-lo.
― Não me importo comigo, só quero tirá-la desse tormento.
― Eu sei, meu amigo, mas eu me importo com você. Não quero que nenhum mal lhe aconteça ― seguro sua mão e levo ao meu rosto. Meus olhos recaem na tatuagem em seu braço, o desenho de um puma negro muito bonito. Quando ele me contou a história dela, fiquei fascinada.
― Mi-Suk, me ouça. Nada vai acontecer, tenho um plano, venha aqui.
Sentamo-nos na beirada da minha cama, vou escutar o que ele tem a dizer, mas não creio que dará certo.
― Amanhã, durante todo o dia a casa vai estar cheia de pessoas para lá e para cá com a organização da festa de noivado. Você vai agir normalmente como se tivesse aceitado tudo. Logo mais à tarde, quando o pessoal dos serviços estiverem se preparando para ir embora, você, vestida com uniforme de funcionária, entra em um dos carros...
Ele ia contando como faríamos e uma euforia estava se apoderando de mim. Finalmente eu seria livre. Sim, poderia dar certo, eu acreditava, porém, ainda existia uma pequena parte que morria de medo.
― E se eles descobrirem, Hyun? Não posso perder você.
― Não vai. Tenho tudo esquematizado. Até documentos falsos, consegui para nós dois. Vamos ter uma vida nova longe de tudo isso ― ele toca meu rosto com a ponta dos dedos.
― Como assim, nós dois?
― Vou com você...