Era evidente no sorriso exagerado, por fingir pudor, ao puxar devagar a barra do vestido ultrajusto para cobrir - obviamente sem sucesso - as coxas grossas e no modo como se inclinava por qualquer motivo, oferecendo uma bela visão dos seios fartos.
Cerrou os olhos por um instante, irritado com a oitava vez que ela cruzava e descruzava vagarosamente as pernas desde o começo da entrevista. Presumia que assistiu Instinto Selvagem demais.
Não era a primeira entrevistada a se insinuar descaradamente. Em outra situação, Simon até aceitaria o convite. No entanto, por bom senso, não contrataria uma mulher para fazer hora extra em sua cama. Jamais teria sexo casual com alguém que possuísse acesso total a sua casa e, num acesso de raiva, colocasse fogo em tudo.
No momento, só queria alguém para manter o apartamento em ordem, as roupas limpas e organizadas no armário, e garantir que, ao voltar do trabalho ou da balada, houvesse algo para comer. Um desejo simples, mas, aparentemente, impossível.
- O senhor pode ter certeza que realizarei todas as suas fantasias - ela insinuou, passando a língua pelos lábios.
Certo! Instinto Selvagem era sofisticado demais para ela. Devia copiar aqueles gestos de algum pornô barato.
- Senhorita Moraes, procuro uma governanta, não uma... - freou a vontade de dizer transa e se levantou. - Agradeço sua presença. Se for a escolhida, ligarei esta semana. - "O que nunca vai ocorrer", completou mentalmente ao seguir até a porta do apartamento e a escancarar. - Tenha um bom dia!
- Pode chamar de Nanda - ela pediu se aproximando. - Aguardarei ansiosa sua ligação, Simon.
Perguntou-se quando deu intimidade para que ela ronronasse seu nome e o beijasse no rosto - e isso porque desviou o rosto.
- Nova namorada, filho? - A distinta voz feminina às suas costas o fez estremecer até os fios de cabelo.
Virou-se e observou sua mãe, Mirela Salvatore, elegante em um conjunto branco de saia lápis, camisa de manga longa e scarpin, aproximando-se. Um anjo perverso de perspicazes olhos negros fitando ele e a jovem ao seu lado com escancarado interesse.
- Não, mãe - respondeu temendo a interpretação errônea. - Acabei de entrevistá-la para a vaga de governanta.
- Mesmo? - Mirela olhou a mulher de cima a baixo, sorriu e comentou sarcástica: - Na minha época, governantas usavam mais roupa e não deixavam marcas de batom no rosto do futuro patrão. - Ignorando o palavrão de Simon, proferido após passar a mão na bochecha e ver os dedos tingidos de vermelho, completou mordaz: - Novo tempo, novas atitudes. Qual seu nome, minha jovem?
- Fernanda Moraes.
- Fernanda. Belo nome.
Mirela supôs que deixou evidente seu desagrado, pois a mulher se despediu rapidamente deixando-a sozinha com seu filho metido a conquistador. Assim que Simon fechou a porta, perguntou:
- Vai contratá-la? Não me intrometo na sua vida... Digamos, intensa. Mas contratar uma mulher que deseja ser mais que uma funcionária é um perigo - avisou seguindo-o pela sala. - Logo ela vai querer um anel de diamantes e um polpudo acordo de divórcio.
- Não se preocupe. Não pretendo contratá-la, nem me casar com quem quer que seja - apressou-se a acrescentar.
Mirela franziu o cenho.
- Que bom que ainda tem bom senso. Mas espero que mude de ideia quanto a casar.
- Hum... - Simon massageou a têmpora com mais força. Quando Mirela enveredava pelo assunto casamento a conversa não tinha fim.
- Logo terá trinta anos. Precisa pensar em casamento, filhos, um lar - repetiu o desagradável mantra aos ouvido do filho, completando taxativa: - Preciso de netos.
- Faltam três aniversários para meus trinta anos - resmungou. - E o Alessandro te deu dois netos.
- Simon Salvatore, só porque seu irmão tem filhos não significa que não espero que também os tenha - ela retrucou sentando no sofá macio. Arrumou as roupas e o cabelo liso, perfeitamente tingido de preto, antes de cravar o olhar reprovador no filho caçula. - Precisa de uma boa moça para constituir algo mais duradouro que relações relâmpagos.
Simon revirou os olhos, cansado de ser retratado como o filho irresponsável que morreria sem deixar herdeiros. Por um lado entendia sua mãe. Orfã aos dez anos, Mirela passou longos anos em um orfanato, sem o calor de uma família. Sempre que falava desse tempo era com a tristeza da perda dos laços familiares e das sucessivas rejeições devido à idade. A alegria só retornava ao recordar como conheceu o marido e juntos formaram a família de seus sonhos.
Ela prezava a família. Prático, Simon prezava a si próprio.
- Sabe o que realmente preciso? - questionou, jogando-se no sofá, de frente para sua mãe. - Preciso de uma governanta discreta, organizada, confiável, que more no meu apartamento sem me atacar durante a noite - enumerou, deslizando a mão pela face esgotada devido o fracasso com às dezenas de mulheres entrevistadas. - Mas parece que essa pessoa não existe.
- Conheço a mulher perfeita, querido - ouviu da matriarca.
Ignorando o enorme sorriso na face de Mirela, o que normalmente representava uma ideia carregada de segundas intenções, Simon respondeu sem pensar:
- Contrate-a.
Era tudo o que Mirela necessitava para entrar em ação. Levantou-se e marchou até a porta.
- Aonde vai?
- Falar para Carlos preparar o contrato da sua nova governanta. À noite virei apresentá-la, querido - comunicou alegremente antes de sumir porta afora.
Alarmado ao ouvir o nome do advogado da família, Simon correu atrás dela. Mas não deu tempo. A porta do elevador se fechou, com Mirela acenando em despedida.
De repente foi tomado por uma inquietação e se perguntou se tomou a decisão certa.