Tinha péssimas lembranças da época em que moravam na mansão e das vezes que visitou seu pai. Praticamente pisava em ovos, temendo encontrá-lo pelos corredores, ver o sorriso cínico e ouvir um comentário desagradável.
Não era uma pessoa de arranjar briga, sequer levantava a voz, por isso, em todas as vezes que Simon fez um comentário idiota sobre ela e o namorado, somente respirou bem fundo, abaixou a cabeça - mais por vergonha do que por raiva - e se limitou a ouvir em silêncio. Mas uma coisa era aguentar a implicância de vez em quando, outra é tolerar todo dia.
- A senhorita só precisa ler e assinar nesses locais em ambas as vias - informou Carlos, folheando o contrato para apontar as linhas pontilhadas.
Pegou a folha e deslizou os olhos pelas palavras, às vezes tendo de voltar ao princípio. A angústia estava em um nível que não processava nenhuma palavra.
Tamanha hesitação para ler e assinar algumas linhas fez Mirela preocupar-se:
- Lina, se sente mal? Está tremendo.
- É que... - engoliu em seco. - Dona Mirela, teve certeza de que Simon me aceita como governanta?
- Claro, meu amor - garantiu. - Concordou na hora quando disse que conhecia a pessoa perfeita para o cargo. E essa pessoa é você.
- Concordou?!
- Sim. Jamais contrataria alguém sem antes perguntar se ele aceita.
Do outro lado da mesa, Carlos evitou que um sorriso adornasse seus lábios.
No momento em que a Salvatore pediu para redigir aquele contrato imaginou que havia uma intenção oculta. Primeiro por conhecer a antipatia entre Simon e Paulina. Impossível não notar, visto que o caçula Salvatore fazia questão de dizer para todos que não entendia a mania de santa dela, entre outros comentários que fizeram a Perez corar e desviar os olhos para um ponto entre os próprios pés. Segundo, Mirela nunca deu um passo sem imaginar como lucrar com isso.
Observando a jovem assinar apressadamente todas as folhas, deixou o sorriso se libertar. Era questão de tempo para saber se o plano da matriarca Salvatore era o que suspeitava.
~*~
Com o celular contra a orelha, Simon sentiu a nova onda de dor de cabeça se aproximar. Telefonou para a mansão e foi informado que Mirela não se encontrava. Desesperado, passou as últimas quatro horas ligando para o celular dela e nada.
- Senhor Salvatore, há uma ligação na linha três... - iniciou Cherry ao entrar na sala do presidente, sendo interrompida pelo ansioso chefe.
- Da minha mãe?
Cherry encarou-o tensa, ciente do estado de nervos dele por não conseguir contato com Mirela.
- É do senhor Nathaniel Muller, da Essenz Cosmetics - respondeu devagar, colocando um pé para trás para facilitar a fuga caso o chefe tivesse um acesso de raiva. - Solicitou falar diretamente com o senhor.
- Sobre o quê? - perguntou. A raiva relampejou em seu rosto e aumentou o medo da funcionária.
- Ele não disse...
- Por qual motivo passou uma ligação sem saber o que querem?
- Eu perguntei, mas...
- Esquece, pode sair que atendo a porcaria dessa ligação.
- Sim, senhor! - Praticamente correu porta afora.
Simon voltou a atenção para o telefone sobre a escrivaninha, observando o número três piscar. Depois da sessão de sedução barata, de esquecer que sua mãe nunca teve ideias inocentes e de não conseguir saber o nome da nova espiã de Mirela, agora tinha de ouvir a voz insuportável do sedutor de empregadas alheias.
Pegou o fone e apertou com força o botão três.
- Simon Salvatore, com quem falo?
- Oi, Simon, sou eu, o Nathaniel. Há quanto tempo não nos falamos?
"Não o suficiente", respondeu em pensamento.
- Desde o Natal - informou, afundando na poltrona. Por ironia do destino, apesar de evitar ficar no mesmo ambiente que o Muller, seu irmão casou-se com a viúva do primo de Nathaniel, unindo as famílias. Em todo evento que sua mãe desejava a família reunida - incluindo agregados -, acabava obrigado a suportar a presença odiosa do ex-amigo. - Não ligou para isso, correto? - Se fosse Paulina podia se considerar viúva antes de casar. Se é que pretendia casar com aquela mula em forma humana.
- Não! - respondeu o Muller, transbordando alegria pela voz, o que só fez aumentar a irritação do Salvatore. - A Essenz Cosmetics lançará uma nova linha de perfumes e maquiagem, então pensei... - "Mula pensa?", Simon perguntou-se, sorrindo com cinismo enquanto o ouviu sem o menor interesse. -... em contratar os serviços da Oryun.
- Hum, estamos com a agenda cheia para este mês, não sei se podemos conciliar. - Em parte era verdade, a agenda da empresa estava lotada, mas recusava simplesmente porque não querer trabalhar para aquele idiota.
- Será lançada em dois ou três meses, até lá...
- Não sei, tenho que falar com meu sócio - interrompeu-o para evitar estender-se no assunto. Não aceitaria, ponto final.
- Posso falar com o Gabriel e...
- Não se preocupe, avaliarei pessoalmente a possibilidade, não precisa incomodar o Gabriel - mentiu, para evitar que Nathaniel falasse com o sócio, que certamente aceitaria.
- Ótimo! - Simon achou impressionante o quanto é fácil enganar o Muller. - Seremos como nos velhos tempos, três amigos trabalhando juntos...
- Nunca trabalhamos juntos, só estudamos, é bem diferente - Simon recordou, querendo acrescentar que não eram amigos.
- Foram ótimos tempos, lembra?
Não, não lembrava.
- Foi graças a você que conheci a Lina, o meu anjinho. - Nathaniel riu com felicidade, enquanto Simon sentiu uma vontade enorme de perguntar quando o imbecil pararia de dizer baboseiras e encerraria a ligação. - Sabe, agora que me estabilizei na empresa, a pedirei em casamento e quero que seja meu padrinho...
- Estou ocupado no momento - cortou-o -, conversaremos sobre isso outra hora. - "De preferência nunca, que é quando aceitarei suas propostas imbecis".
- Sim, claro. E quando poderemos falar do contrato?
- Ligo assim que resolver com o Gabriel - respondeu, encerrando ele mesmo a ligação. Apostava que Nathaniel ficaria pendurado na linha durante horas se deixasse. - Só mesmo a virtuosa Paulina para aturar essa anta - disse com desdém, virando a poltrona para fixar os olhos negros em um ponto qualquer da vista da janela. - Se merecem.
- Quem merece o quê?
Virou a poltrona para o lugar e observou o sócio se aproximar.
- Ninguém em especial.
- Acabei de falar com Cherry. O que Nathaniel queria?
- Relembrar os velhos tempos - respondeu, desejando que a secretária tivesse mantido a língua grande dentro da boca. - Veio aqui só por isso?
- Não. - Gabriel teve vontade de perguntar mais sobre a ligação, mas, conhecendo o estranho ódio que o Salvatore adquiriu pelo Muller, resolveu abordar o assunto que o trouxe até ali. - Vim te entregar o convite da festa de lançamento do CD da Aisha. Será na boate Hibisco. - Estendeu o convite.
- Sinceramente, não tenho cabeça para nada enquanto não souber quem minha mãe contratou. - Pegou o convite por educação e o guardou no bolso do paletó.
- Ainda não conseguiu arrancar a informação?
- Quando Mirela quer, ninguém consegue falar com ela - resmungou, olhando de esguelha para o celular sobre a escrivaninha. - Daqui irei direto para casa esperar minha mãe aparecer com a bendita governanta.