Mas o golpe final foi ver que minha melhor amiga, Dalila, tinha "curtido" um comentário desejando que eu sofresse um "acidente" e quebrasse minha perna de novo.
Eu salvei a vida dele. Minha família salvou a dela da ruína. Por que essa crueldade elaborada e pública?
No dia do meu casamento, eu não apareci.
Em vez disso, enquanto a elite da sociedade paulistana assistia, os telões do salão de festas se acenderam com uma apresentação que eu preparei, expondo cada foto, cada mensagem, cada mentira.
Capítulo 1
Ponto de Vista: Helena Mattos
O algoritmo sabia que meu noivo estava me traindo antes de mim. Ele me levou, cinco dias antes do meu casamento, a uma conta secreta no Instagram onde minha madrinha de casamento estava usando meu vestido de noiva, um modelo exclusivo.
O e-mail do ateliê da Wanda Borges tinha chegado naquela manhã. Uma notificação educada e formal de que a vaporização final e a entrega do meu vestido seriam adiadas em um dia. Um pequeno contratempo logístico, nada mais. Eu era arquiteta; minha vida inteira foi construída gerenciando prazos e complicações imprevistas. Apenas fiz uma anotação para ajustar a programação.
Abri as fotos do design final no meu tablet, aquelas que eu havia aprovado meses atrás. Não era apenas um vestido. Era uma estrutura, uma peça de arquitetura para o corpo. O crepe de seda caía como uma cachoeira, o corpete era uma maravilha da engenharia minimalista, e o véu, cravejado com centenas de pequenas pérolas cintilantes, foi feito para capturar a luz no Salão Nobre do Copacabana Palace como uma constelação aprisionada. A minha constelação.
Meu celular vibrou. Era uma mensagem de Dalila McKinney, minha melhor amiga, minha madrinha de casamento.
*Não vou conseguir ir na degustação, Lena. Estou péssima. Acho que é intoxicação alimentar. Você e o Arthur podem ir. Vou viver a experiência através das suas descrições extasiadas dos mini quiches! Te amo!*
Uma pontada de decepção, aguda e rápida. Digitei de volta: *Melhoras! A gente guarda um pouco de tudo pra você.*
Eu estava prestes a ligar para Arthur Ellis, meu noivo, para avisar que seríamos só nós dois, quando a ligação dele entrou.
- Lena, meu amor - a voz dele estava apressada, um som familiar quando ele estava fechando um negócio. - Surgiu uma coisa no escritório. Um cliente gigante apareceu do nada. Me desculpa, não consigo sair para a degustação.
- Ah. Tudo bem. - As palavras pareceram pequenas na minha garganta.
- Eu sei, sou o pior. Te compenso hoje à noite, prometo. E vai ser em grande estilo.
Dois cancelamentos em dez minutos. Parecia... estranho. Como uma engrenagem deslizando em uma máquina perfeitamente calibrada. Balancei a cabeça, afastando a sensação. Eu estava sendo paranoica. Era a semana do casamento. Tudo parecia amplificado, supercarregado de significado. Arthur era ambicioso, e Dalila sempre teve um estômago delicado. Era apenas uma coincidência.
Para me distrair, rolei o feed do celular, parando em um popular blog de fofocas de São Paulo. Escondida na seção de comentários de um artigo sobre o "casamento do ano" - o nosso - havia uma frase que prendeu minha atenção.
*Esqueçam a noiva. Todo mundo sabe que a verdadeira história de amor é com a madrinha. Trágico, na verdade.*
Meu polegar pairou sobre a tela. Era apenas conversa anônima da internet. Trolls. Pessoas com muito tempo livre.
Mas outro comentário respondeu ao primeiro. *Verdade. Ele só está com a herdeira por obrigação. A madrinha é a alma gêmea dele. Eu sigo o perfil fake dela, e a angústia é REAL. São amantes desafortunados.*
Perfil fake. Um Instagram falso. Meu coração deu um baque estranho e pesado. Qual era o nome da conta? Eu precisava saber. Meus dedos voaram pela tela, digitando uma resposta pela qual mais tarde eu seria grata.
*Qual é a conta? Adoro um bom romance trágico.*
Assim que apertei enviar, a porta da frente do meu apartamento nos Jardins se abriu. Arthur e Dalila entraram, embolados em uma crise de riso.
Eles estavam discutindo, uma performance familiar.
- Estou te dizendo, a culpa de estarmos atrasados foi sua! - disse Dalila, batendo de leve no braço de Arthur. Seu rosto estava corado, seus olhos brilhando. Ela não parecia alguém sofrendo de intoxicação alimentar.
- Minha culpa? Foi você quem insistiu em parar para tomar sorvete - retrucou Arthur, sua mão demorando um segundo a mais na cintura dela.
- Porque você me prometeu sorvete depois daquela reunião brutal! - ela rebateu.
Reunião? Sorvete? Não era intoxicação alimentar. Não era um cliente gigante.
Minha voz saiu baixa, cortando o riso deles. - Pensei que você estivesse com intoxicação alimentar, Dalila.
- E Arthur, pensei que você tivesse um cliente.
Eu os observei. Observei como o riso deles morreu. Observei como seus olhos se cruzaram antes de pousarem em mim. Um lampejo de algo - um segredo compartilhado, uma comunicação silenciosa - passou entre eles. Foi tão rápido que, se eu tivesse piscado, teria perdido.
*Eles se acham tão espertos*, uma vozinha fria sussurrou no fundo da minha mente. Uma parte de mim, a parte que os amou por duas décadas, tentou gritar mais alto. *É uma surpresa. Eles estavam planejando uma surpresa para você. É tudo um mal-entendido engraçado.*
- E estávamos! - Dalila disse animadamente, recuperando-se primeiro. Ela correu até mim, envolvendo-me em seus braços. Seu perfume, uma tuberosa inebriante, encheu o ar. - O Arthur estava me ajudando a escolher um presente de casamento surpresa para você, e perdemos totalmente a noção do tempo. Íamos fingir que estávamos doentes para você não desconfiar!
Arthur veio por trás dela, colocando as mãos em seus ombros. Ele sorriu para mim, seu sorriso bonito e ensaiado. - É, meu amor. Estragamos a surpresa. Você é esperta demais para nós.
Eles trocaram outro olhar por cima do meu ombro. Um sorriso rápido e compartilhado. Senti como um soco no estômago. Meu interior ficou frio e pesado. Um peso de chumbo se instalando na minha barriga.
- O vestido atrasou - eu disse, com a voz neutra. Eu precisava dizer algo normal. - A equipe da Wanda ligou. Só chega amanhã.
- Ah, não! - Dalila ofegou, a mão voando para o peito em falso horror.
Arthur deu um passo à frente, sua expressão suavizando para uma de preocupação. - Ei, tudo bem. Um dia não é nada. A gente resolve. - Ele estendeu a mão, colocando uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. - Deixa a gente te compensar. Vamos te levar para jantar hoje à noite. Onde você quiser.
- Por minha conta - insistiu Dalila, cutucando-o. - Para me desculpar pela minha péssima atuação.
- De jeito nenhum, é por minha conta - Arthur argumentou, cutucando-a de volta. Seus dedos roçaram na lateral dela, um gesto casual e íntimo.
Eu vi. Eu vi como a respiração dela falhou, como um leve rubor subiu por seu pescoço.
- Tem certeza de que está se sentindo bem, Dalila? - perguntei, minha voz tingida com uma doçura que parecia veneno na minha língua. - Você parece um pouco corada.
- Ótima! Estou ótima! - ela disse, um pouco rápido demais. Ela se afastou de Arthur. - Só com fome. Vamos, estou morrendo de fome! - Ela pegou a bolsa, seus movimentos bruscos e repentinos.
No restaurante, eles se sentaram à minha frente, uma frente unida. Seus joelhos continuavam se esbarrando sob a mesa. Quando Arthur estendeu a mão para colocar um pedaço de atum selado no meu prato, sua mão parou por uma fração de segundo sobre a de Dalila, um momento de reconhecimento silencioso. E eu vi o olhar no rosto dela - um lampejo de puro e absoluto triunfo.
Depois de duas garrafas de vinho, Dalila estava se apoiando pesadamente no ombro de Arthur.
- Acho que vou dormir na sua casa hoje, Lena - ela arrastou as palavras, seus olhos vidrados. - Noite das garotas antes do grande dia.
Arthur imediatamente pareceu preocupado. - Dalila, você está bêbada. Não pode ficar com a Helena. Só vai mantê-la acordada a noite toda. Eu te levo para casa.
- Tudo bem, querido - eu disse, minha voz estranhamente calma. Sorri para os dois. - Dirijam com cuidado.
De volta ao meu apartamento silencioso, o silêncio era ensurdecedor. Tomei um banho, a água quente não fazendo nada para aquecer o gelo que se formou em minhas veias. Enrolei-me em um roupão e peguei meu celular.
Meu comentário no blog de fofocas tinha uma resposta.
*@sonhos_de_lírio. Você não vai se decepcionar. É melhor que novela.*
Meus dedos tremeram enquanto eu digitava o nome de usuário na barra de pesquisa do Instagram. A conta era privada, mas a foto do perfil era a silhueta de uma mulher contra um pôr do sol. A bio era uma única linha de um poema.
*Duas almas com um só pensamento, dois corações que batem como um.*
Meu coração martelava contra minhas costelas. Enviei uma solicitação para seguir. Um minuto depois, meu celular apitou.
*sonhos_de_lírio aceitou sua solicitação para seguir.*
Abri a conta. A primeira foto fez o ar sumir dos meus pulmões.
Era Dalila. Ela estava em um quarto de hotel, banhada pela luz quente do entardecer. Ela estava usando meu vestido de noiva. Meu véu de constelação estava sobre seu cabelo, as pequenas pérolas brilhando. Seus olhos estavam fechados, um sorriso de felicidade no rosto.
A legenda dizia: *Uma cerimônia secreta para um amor secreto. O para sempre começa agora. #almasgêmeas #amorverdadeiro #amordesafortunado*
A postagem era de duas horas atrás. Enquanto eu estava jantando com eles.
Rolei para baixo. E então eu vi. A segunda foto no carrossel.
Era um close de uma mão. A mão de um homem, com o anel de sinete de Arthur no dedo mindinho, segurando delicadamente uma única e perfeita pérola entre o polegar e o indicador. Uma pérola que havia sido cortada do meu véu.
Meu celular apitou com uma nova notificação. Uma resposta ao meu próprio comentário no blog de fofocas, de um usuário anônimo diferente.
*Querida, você não tem ideia. Eles não tiveram apenas uma 'cerimônia secreta'. Eles tiveram a noite de núpcias. Com o vestido. Ele a chama de sua noiva de verdade.*
Anexada ao comentário havia uma foto. Uma foto borrada e granulada tirada através de uma porta.
Era Dalila, ainda com meu vestido, sendo pressionada contra uma parede. As mãos de Arthur estavam emaranhadas na seda, seu rosto enterrado no pescoço dela. O ângulo era inconfundível. A paixão era crua, inegável.
E eu reconheci o papel de parede. Era o chinoiserie personalizado da suíte nupcial do Copacabana Palace. A suíte que havia sido reservada em meu nome para a minha noite de núpcias.