Paz Depois da Dor: Meu Projeto Não Escrito
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Capítulo 4

Ponto de Vista: Helena Mattos

O quarto do hospital cheirava a antisséptico e às lágrimas de Arthur. Ele não saiu do meu lado, sua mão segurando a minha com tanta força que meus nós dos dedos ficaram brancos.

- Eu quase te perdi - ele sussurrou no meu cabelo, seu corpo tremendo. - Helena, eu juro, vou passar o resto da minha vida te compensando por isso. Eu nunca, nunca vou te deixar ir.

Ele teve pesadelos por semanas, acordando gritando meu nome, o rosto coberto de suor. Ele me abraçava, dizendo que a ideia de um mundo sem mim era um buraco negro que ele não suportava olhar.

Aquele homem, aquele que me olhava como se eu fosse seu mundo inteiro, parecia um fantasma agora. Um espectro que eu havia inventado.

A antiga lesão no meu quadril latejava, um metrônomo brutal contando os segundos da minha vida que eu havia desperdiçado. A dor física era um eco surdo da agonia emocional que me rasgava por dentro. Encolhi-me na cama, o vasto espaço vazio ao meu lado um lembrete frio de sua ausência. Os soluços vieram então, tremores violentos e silenciosos que sacudiram todo o meu corpo.

A contagem regressiva de Dalila continuou, um ataque implacável.

*Contagem Regressiva para o Casamento: 3 Dias.* Era um print de suas mensagens com Arthur.

*Ele: Dispensando ela agora. Me encontre no lugar de sempre.*

*Ela: Meu herói. Estarei esperando.*

A legenda era enjoativamente doce: *Às vezes, ser a outra mulher significa que você é a única mulher.*

Os comentários eram uma mistura de admiração e especulação.

*MEU DEUS, para onde ele está te levando?!*

*Um jatinho particular? Uma ilha secreta? Isso é melhor que um filme!*

*Não acredito no quanto ele te ama. Ele está arriscando tudo.*

Um comentário particularmente bajulador foi fixado no topo: *Ele é um homem dividido entre o dever e o desejo. Seu coração escolheu. Você é o norte verdadeiro dele.*

Naquele momento, meu celular tocou. Era Arthur.

- Oi, meu amor - ele disse, a voz ofegante.

- Onde você está? - perguntei, minha própria voz um monótono.

- Acabei de pousar - ele disse. - Tive que voar para o Rio para uma reunião de última hora com um cliente. Me sinto péssimo por te deixar com todas as coisas do casamento.

Ele estava ofegando um pouco. Eu podia ouvir o vento assobiando ao fundo.

- A reunião é tão importante assim? - perguntei calmamente. - Mais importante que o nosso ensaio do casamento amanhã?

Houve uma pausa, e então um estranho grunhido abafado do lado dele. - Eu... uh... sim. É. Sinto muito, Helena. Vou te compensar, prometo.

Outro som, como uma inspiração aguda. Então a linha ficou muda.

Não precisei esperar muito. Dez minutos depois, sonhos_de_lírio atualizou.

Era uma foto de Dalila, o cabelo esvoaçante, em uma varanda com vista para o mar. Não era o Rio. Era Búzios.

A legenda: *Ele ligou para ela enquanto eu beijava seu pescoço. Ele tem que interpretar o papel, mas continua sussurrando que sou a única que ele ouve. Espero que ele se lembre deste momento, deste sentimento, para sempre.*

Os comentários explodiram.

*Esta é a coisa mais tragicamente linda que eu já li.*

*Meu coração dói por vocês dois.*

Nos dois dias seguintes, a "última farra" deles se desenrolou na tela do meu celular. Eles estavam em Búzios, hospedados em um hotel boutique que eu reconheci. Postaram fotos de champanhe na praia, chamando um ao outro de "Meu Rei" e "Minha Rainha". Documentaram seus últimos dias de paixão roubada antes que ele fosse "acorrentado" a mim.

Eu assisti a tudo, meu coração uma coisa congelada e morta no peito. E salvei tudo.

Finalmente, peguei o telefone e liguei para meus pais.

- Pai - eu disse, minha voz falhando pela primeira vez. - Preciso de você.

Contei tudo a eles. A conta. O vestido. Os três anos de mentiras. O comentário sobre minha perna.

Houve um longo silêncio do outro lado da linha. Então meu pai, Glen Barnett, falou, sua voz um rugido baixo e perigoso.

- Apenas me diga o que você precisa, querida. Apenas me diga, e será feito.

- Eu tenho um plano - eu disse. - Só preciso que confiem em mim. E preciso que garantam que os telões de apresentação no salão do Copacabana Palace estejam funcionando perfeitamente.

O dia do casamento chegou, um sábado de outubro perfeito e fresco. Enquanto cabeleireiros e maquiadores se preparavam na suíte nupcial que eu nunca usaria, eu estava no Galeão, embarcando em um voo para Paris. "Para umas férias muito necessárias", eu disse aos meus pais. Eles simplesmente assentiram, a mão do meu pai apertando meu ombro.

De volta ao Copacabana Palace, o Salão Nobre era um mar da elite carioca. As famílias Ellis e Mattos, titãs das finanças e do mercado imobiliário, estavam finalmente se unindo.

Arthur chegou, parecendo impossivelmente bonito em seu smoking Tom Ford. Ele foi seguido minutos depois por Dalila, uma visão em seu vestido de madrinha rosa blush. Ela parecia radiante, mas minha mãe, que não perde nada, me contou mais tarde que viu uma leve mancha de batom vermelho no canto da boca de Arthur que combinava perfeitamente com o de Dalila.

Sua mãe, Eleonora Ellis, uma mulher para quem as aparências eram tudo, desceu sobre ele como um falcão. - Arthur, onde você esteve? E, pelo amor de Deus, limpe a boca. Você parece um palhaço.

Arthur, atrapalhado, esfregou os lábios. Uma súbita e fria inquietação o invadiu. Ele percebeu que não tinha visto Helena. Não falava com ela há dois dias. Ele presumiu que ela estava ocupada, brava, emburrada. Ele presumiu que ela estaria aqui. Esperando por ele.

Ele me procurou na multidão, seu coração começando a bater um pouco mais rápido. Ele disse a si mesmo que eram apenas nervos do dia do casamento.

O quarteto de cordas começou a tocar. Os convidados tomaram seus lugares. O celebrante tomou seu lugar. As enormes portas no fundo do salão se abriram.

O mestre de cerimônias, um homem polido com uma voz retumbante, anunciou: - Senhoras e senhores, por favor, levantem-se para a noiva.

Arthur estava no altar, um sorriso perfeito estampado no rosto. Ele sentiu uma pontada de inquietação. Olhou para Dalila, que estava em seu lugar, toda certinha. Ela lhe deu um pequeno sorriso conspiratório. Um segredo compartilhado entre eles.

Ele viu meus pais, Glen e Maria Mattos, sentados na primeira fila. Seus rostos estavam sérios, mas eles estavam aqui. Isso tinha que significar alguma coisa. Ele sentiu uma onda de alívio. Tudo estava bem. Helena estava apenas sendo dramática, fazendo uma entrada triunfal.

- E agora - o mestre de cerimônias bradou novamente, sua voz ecoando levemente no vasto salão - nossa linda noiva, Helena Mattos!

As portas permaneceram vazias. Um murmúrio nervoso percorreu a multidão. O mestre de cerimônias pigarreou, olhando para a cerimonialista, que apenas deu de ombros, o rosto pálido.

- Helena Mattos? - o mestre de cerimônias chamou novamente, sua voz agora tingida de incerteza.

E então, o salão mergulhou na escuridão.

Gritos de surpresa ecoaram pela sala. O coração de Arthur saltou para a garganta.

Os dois telões enormes de cada lado do altar, aqueles destinados a exibir uma apresentação romântica de nossa vida juntos, piscaram e ganharam vida.

Mas não eram nossos rostos que apareceram.

Era a página de perfil de uma conta privada do Instagram: sonhos_de_lírio.

Uma inspiração coletiva varreu a sala.

Então, a primeira imagem preencheu a tela. Dalila, sorrindo beatificamente, usando meu vestido de noiva, meu véu. A legenda queimava em letras brancas contra o fundo preto: *Uma cerimônia secreta para um amor secreto. O para sempre começa agora.*

A apresentação começou a tocar. Uma apresentação de slides curada de todo o caso sórdido deles. A foto da mão de Arthur segurando a pérola do meu véu. A bolonhesa que ele cozinhou para ela. A viagem a Búzios. As mensagens de texto. Cada post, cada segredo, cada mentira, transmitida em alta definição para toda a sociedade carioca ver.

O slide final era um print da seção de comentários. A sugestão vil de que alguém deveria "acidentalmente" quebrar minha perna.

E logo abaixo, destacado em um círculo vermelho condenatório, estava a única e crucial "curtida" do dono da conta.

De sonhos_de_lírio.

            
            

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