Meus dedos pareciam objetos estranhos enquanto eu digitava um comentário da minha conta fake, a que usei para segui-la.
*Mas e a noiva dele? Eles estão juntos desde crianças. Ela é a melhor amiga dele.*
A resposta foi rápida. *"Melhor amiga" não é esposa. Às vezes, o amor não é suficiente quando há obrigação.*
E então, de outro usuário: *Sinto pena da noiva, ela parece legal. Mas não se pode ficar no caminho de um amor como este.*
Minha mente voltou para uma tarde quente de verão quando tínhamos nove anos. Estávamos correndo pelos esguichos de água nos jardins da casa de veraneio da minha família em Angra. Arthur, com seus joelhos ralados e sorriso convencido, pegou minha mão e a de Dalila.
- Vou me casar com as duas - ele declarou, como se fosse um rei concedendo uma grande honra.
Eu ri, mas o rosto de Dalila se contorceu. Lágrimas brotaram em seus olhos grandes e expressivos. - Você só pode se casar com uma pessoa, Arthur. Quem você ama mais?
Arthur, sempre o pequeno político, olhou do rosto dela, manchado de lágrimas, para o meu, sorridente. Ele apertou minha mão com mais força. - Eu amo mais a Helena. Mas você pode ser nossa melhor amiga para sempre.
Dalila berrou, uma birra completa de ciúme infantil. Arthur, desesperado para fazê-la parar de chorar, corrigiu sua declaração. - Ok, ok! Vocês duas podem ser minhas noivas! Uma noiva para segunda-feira e uma noiva para terça-feira!
Era uma lembrança boba e infantil. Mas agora, parecia uma profecia. Arthur, ainda tentando ter as duas. E Dalila, ainda chorando por não ser a primeira escolha.
Meu polegar pairou sobre o botão de chamada de vídeo no contato de Arthur. Eu precisava ver o rosto dele. Precisava ouvi-lo mentir para mim mais uma vez. Eu apertei.
Tocou duas vezes, depois a chamada foi encerrada. Ele havia rejeitado.
Um minuto depois, uma mensagem apareceu. *Desculpa, amor, no banho. Te ligo de manhã. Bons sonhos.*
Uma hora se passou. Depois outra. Eu apenas fiquei sentada ali, encarando a tela, as imagens gravadas no meu cérebro. O relógio na minha parede tictaqueava, cada segundo um golpe de martelo contra o silêncio.
Então, a conta sonhos_de_lírio atualizou.
Era uma nova postagem. Uma foto de Dalila, enrolada em lençóis de hotel, o cabelo espalhado pelo travesseiro. O véu estava na mesa de cabeceira ao lado dela.
A legenda: *Ele sussurrou que era assim que sempre imaginou sua noite de núpcias. Não em um salão de festas abafado, mas comigo. Só comigo. Agora tenho que ir interpretar meu papel de madrinha de casamento solidária no circo amanhã. Desejem-me sorte. É tão difícil fingir que estou feliz por ela quando meu coração está se partindo.*
Uma onda de bile subiu pela minha garganta. Tropecei até o banheiro, a mão sobre a boca, e vomitei no vaso sanitário. Nada saiu além de ar ácido e amargo. A manifestação física da traição.
Ajoelhei-me no chão de mármore frio, meu corpo tremendo. Os comentários já estavam chegando.
*Você é tão forte. Eu nunca conseguiria fazer isso.*
*Ela não merece uma amiga como você.*
*Espera, você é a madrinha de casamento? Isso é tortura de outro nível.*
E então a narrativa mudou. A simpatia por Dalila se transformou em raiva contra mim.
*Que tipo de mulher faz o verdadeiro amor do noivo ser sua madrinha de casamento? É cruel.*
*Ela provavelmente sabe e está fazendo isso para torturar a Dalila. Meninas ricas são todas iguais. Frias e possessivas.*
*Helena Mattos é um monstro. Ela o mantém refém com aquele acidente de anos atrás. Todo mundo sabe disso.*
As palavras se embaralharam através das minhas lágrimas. Acidente. Eles estavam usando o dia em que salvei a vida dele como uma arma contra mim. Transformando meu sacrifício em uma corrente que eu supostamente havia enrolado em seu pescoço.
Eu não era mais apenas o obstáculo. Eu era a vilã. A rainha má em sua história distorcida.
Minha mente voltou para outra época. Uma época muito mais sombria. O pai de Dalila, um gestor de fundos de investimento antes respeitado, havia sido condenado por crime de colarinho branco. O nome McKinney estava na lama. Seus bens foram congelados. Eram párias sociais.
Lembrei-me de Dalila chorando no meu quarto, não com as lágrimas performáticas de uma menina de nove anos, mas com os soluços crus e rasgados de uma garota cujo mundo havia sido estilhaçado.
- Todo mundo nos odeia, Helena - ela sussurrou, o rosto enterrado no meu travesseiro. - Vamos perder tudo.
Meu pai, Glen Barnett, um homem cuja bondade era tão formidável quanto sua perspicácia nos negócios, interveio. Ele usou sua influência, fez ligações e tirou a família McKinney da beira da ruína total. Ele me disse que era a coisa certa a fazer, que amizade significava estar presente quando as coisas ficavam difíceis.
Mais tarde, Dalila me abraçou com tanta força que mal conseguia respirar. - Eu nunca, nunca vou esquecer isso, Lena - ela jurou, a voz embargada de emoção. - Devo tudo a você e à sua família. Vou passar o resto da minha vida te compensando.
Dois rostos. A amiga grata e endividada. E a manipuladora mestre no Instagram, pintando-me como um monstro para uma audiência de estranhos. A frieza que se instalara em meu estômago se espalhou por todo o meu corpo, uma geada letal e rastejante.
Levantei-me, minhas pernas instáveis. Não havia mais espaço para lágrimas. Não havia mais espaço para choque. Havia apenas uma câmara oca e ecoante onde meu amor por eles costumava estar.
Na manhã seguinte, fui pessoalmente à boutique da Wanda Borges. Minha perna manca, uma lembrança permanente do acidente de carro onde empurrei Arthur para fora do caminho de um táxi em alta velocidade, parecia mais pronunciada hoje. Uma dor surda irradiava do meu quadril, uma dor fantasma espelhando a do meu peito.
Uma assistente de aparência nervosa me encontrou na porta. - Sra. Mattos, sentimos muito pelo atraso.
Ela me levou a uma sala de provas particular onde a capa do vestido estava pendurada, impecável e branca. Mas algo estava errado. A capa parecia... mais leve. Mais plana.
Abri o zíper. O vestido de crepe de seda estava lá, tão perfeito quanto eu me lembrava. Mas o véu... o véu tinha sumido.
- Onde está o véu? - perguntei, minha voz perigosamente baixa.
A assistente torceu as mãos. - Houve... um pedido. O Sr. Ellis passou por aqui ontem à tarde. Ele disse que a senhora queria que um pedaço fosse removido para um... um projeto sentimental. Ele levou o véu inteiro. Disse que o entregaria pessoalmente.
Meu celular já estava na minha mão. Disquei o número de Arthur. Caiu direto na caixa postal.
Liguei para Dalila. Caixa postal.
Saí da boutique e parei na movimentada calçada da Rua Oscar Freire. Enviei uma única mensagem para Arthur.
*Há um problema com o vestido. Me encontre na suíte nupcial do Copacabana Palace. Agora.*
Trinta minutos depois, ele entrou na suíte, a testa franzida com o que parecia ser preocupação genuína. Quando me viu ali, calma e composta, um lampejo de pânico cruzou seus olhos antes que ele o mascarasse.
- Helena? O que há de errado? Por que você está aqui? Pensei que estivesse cuidando dos arranjos de flores.
Não respondi à sua pergunta. Apenas olhei para ele, meu olhar firme.
- O véu sumiu, Arthur.
Ele relaxou visivelmente, uma pequena risada aliviada escapando de seus lábios. - Ah, isso. É só isso? Você me assustou. - Ele caminhou em minha direção, os braços abertos. - Era para ser uma surpresa, para a Dalila... quer dizer, para um projeto que ela está fazendo para você. - Ele quase disse o nome dela. Ele quase disse.