- Não - eu disse, minha própria voz a de uma estranha. Olhei para além dele, para o quarto elegante, para o papel de parede estampado com pássaros e flores que agora estava gravado em minha memória. - Não estou brava.
Virei a cabeça e olhei para a capa do vestido pendurada na porta do guarda-roupa. - É que... um vestido de noiva, sem o véu... parece incompleto. Quebrado. Dá azar, não acha?
- Não está quebrado! - ele disse, a voz afiada em defesa. Ele imediatamente a suavizou, seu tom se tornando gentil, apaziguador. Aquele que ele usava quando eu estava sendo "emocional demais". - Helena, meu amor, vamos lá. É só por um dia. Você o terá de volta para o casamento. Não deixe isso estragar as coisas. Em três dias, você será a Sra. Arthur Ellis. Nada mais importa.
Estendi a mão e toquei a seda da capa do vestido, meus dedos traçando o logotipo bordado. Não disse nada.
Em minha mente, uma decisão se formou, tão nítida e clara quanto uma linha de código arquitetônico. Este vestido, esta coisa linda e profanada, nunca tocaria minha pele. Eu não caminharia até o altar em uma peça que foi um figurino em sua pequena peça sórdida. Estava manchado. Assim como eles.
Nos dias que se seguiram, a conta secreta de Dalila no Instagram se tornou um teatro de crueldade, e eu era sua única e cativa espectadora. Ela era meticulosa, postando uma contagem regressiva para o dia do meu casamento, cada post uma nova e primorosamente dolorosa reviravolta.
*Contagem Regressiva para o Casamento: 5 Dias.* Uma foto de uma refeição caseira. Macarrão, um molho à bolonhesa rico, uma garrafa de vinho tinto. A legenda: *Ele disse que nunca cozinhou para ela. Nenhuma vez. Mas ele fez isso para mim. Porque ele disse que eu merecia ser cuidada. #primeirarefeição*
Meu estômago se contraiu. Era verdade. Arthur não sabia cozinhar. Em nossos dez anos juntos, ele nunca havia feito uma refeição para mim. Ele sempre dizia que era inútil na cozinha.
*Contagem Regressiva para o Casamento: 4 Dias.* Uma foto em close. A mão de Arthur, aquela com o anel de sinete da família, segurando a mão de Dalila. Ele estava beijando a simples aliança de ouro que ela usava no dedo anelar direito. *Minha única e verdadeira. Ele me deu este anel há um ano e disse que era o de verdade. O que importava. Não a pedra que ele teve que dar a ela.*
Os comentários eram uma enxurrada de pena por Dalila e veneno para mim.
*Ela tem que desistir dele em quatro dias. Isso é de partir o coração.*
*Pobre garota. A noiva precisa deixá-lo ir. Se você ama alguém, liberte-o.*
Eu sabia que Dalila estava lendo. Sabia que ela estava absorvendo tudo, essa validação de estranhos alimentando sua narrativa. Da minha conta fake, postei um comentário.
*Não consigo imaginar machucar minha melhor amiga assim. Nenhum homem vale isso.*
Algumas pessoas curtiram. Mas então, um novo comentário apareceu, e meu sangue gelou.
*Talvez a noiva precise de mais do que um pouco de dor. Talvez ela precise que um pequeno acidente aconteça com aquela perna ruim dela para que ela não consiga andar até o altar.*
Era um comentário doentio e cruel. Mas a parte verdadeiramente arrepiante? Poucos segundos depois de ser postado, foi "curtido" por uma pessoa.
*sonhos_de_lírio.*
Dalila. Dalila havia curtido um comentário sugerindo que alguém deveria me incapacitar permanentemente.
Um abismo se abriu em meu peito, um vazio tão vasto e frio que parecia que eu estava caindo em um buraco negro. Isso não era apenas uma traição nascida da paixão ou do ciúme. Isso era malícia. Era um ódio profundo e purulento que eu nunca soube que existia.
Se eles se amavam, de verdade, loucamente, profundamente... por que não apenas me contar? Por que não partir meu coração com a verdade? Por que essa tortura elaborada e pública? Por que as mentiras, a manipulação, o lento e deliberado girar da faca?
Eles escolheram este caminho. Eles escolheram o caminho mais cruel e humilhante possível.
Um novo tipo de calma me invadiu. A calma de um cirurgião antes de uma operação complexa. A calma de um arquiteto finalizando os projetos para uma demolição.
Passei a hora seguinte tirando prints meticulosamente de tudo. Cada post. Cada foto. Cada comentário malicioso. Cada resposta bajuladora. Salvei cada recibo digital de sua traição, organizando-os em um arquivo limpo e cronológico.
Comecei a cavar mais fundo, rolando para trás no Instagram público de Dalila, vendo-o agora com olhos novos e terrivelmente claros. Uma foto de um ano atrás, uma viagem de garotas para Miami. Ela estava rindo em uma varanda, uma bebida na mão. No reflexo da porta de vidro deslizante atrás dela, a silhueta de um homem era mal visível. Um homem com os ombros largos e distintos de Arthur.
Uma postagem de seis meses atrás, com a legenda *Desejando liberdade, não uma gaiola.* Na época, pensei que ela estava falando de um emprego que odiava. Agora percebi que ela estava falando de mim. Sobre nosso noivado ser a gaiola da qual ela queria que ele escapasse.
Três anos. Rolei e rolei, as peças se encaixando. Pistas sutis que eu havia descartado como nada. Uma piada interna compartilhada. Um olhar demorado. Uma desculpa que não batia muito bem. Eles estavam fazendo isso há pelo menos três anos. Eu fui uma tola por mil dias.
Uma risada amarga escapou dos meus lábios. Eu tive sorte. Muita, muita sorte. Se não fosse por um algoritmo de mídia social direcionado, eu teria caminhado até aquele altar. Teria me casado com um homem que me desprezava e prometido minha vida a uma mentira, com minha inimiga mortal sorrindo ao meu lado.
*Contagem Regressiva para o Casamento: 3 Dias.*
Eu estava no Copacabana Palace com a cerimonialista, finalizando os mapas de assentos. Arthur deveria estar lá. Ele entrou, beijou minha bochecha, e então seu celular vibrou. Ele olhou para ele, e um sorriso lento e perverso se espalhou por seu rosto. O tipo de sorriso que eu não via há anos.
- Desculpa, meu amor - ele disse, os olhos ainda grudados no celular. - Tenho que voltar para o escritório. Emergência.
- Outra? - perguntei, minha voz leve.
Ele já estava se movendo, seus passos leves e ansiosos. - Esta é grande. Não posso perder.
- Arthur - chamei, minha voz o parando na porta.
Ele se virou, sua expressão impaciente. - O que foi, Helena?
- O mapa de assentos - eu disse, segurando-o. - É importante que façamos isso juntos.
Ele me deu aquele sorriso charmoso e ensaiado. - Você dá conta. Você é melhor nessas coisas do que eu de qualquer maneira. - Ele fez um sinal de positivo. - Vai, time!
E então ele se foi.
Quando a porta se fechou atrás dele, a dor no meu quadril se intensificou com uma vingança. Era uma dor profunda e latejante que me levou de volta a uma noite chuvosa na Avenida Atlântica, o som de pneus cantando, os faróis ofuscantes.
Lembrei-me da agonia lancinante quando meu corpo atingiu o asfalto, o peso esmagador do para-choque do táxi contra minha perna. Lembrei-me do rosto de Arthur, pálido de terror, enquanto ele se ajoelhava sobre mim. Eu o havia empurrado para fora do caminho. Meu corpo pelo dele.
A dor era excruciante, um universo dela contido em meu quadril estilhaçado. Mas a única coisa que eu via era o terror em seus olhos. A única coisa que pensei foi: *Pelo menos ele está seguro.*