"Claire", disse ele, sua voz calorosa. "Sei que você recusou, mas a vaga ainda está aberta. Ficamos tão impressionados com seu portfólio que a guardamos para você. Tem certeza de que não vai reconsiderar?"
Lembrei-me por que disse não. Elliot - o homem que eu pensava ser Elliot - estava planejando uma viagem surpresa para uma celebração de aniversário de um mês. Eu não suportaria ficar longe dele. A ironia era uma pílula amarga.
O mundo havia mudado de eixo. São Paulo era um cemitério de memórias. Londres... Londres era uma página em branco.
"Eu aceito", disse eu, minha voz firme. "Quando começo?"
David pareceu surpreso, depois encantado.
"Essa é uma notícia fantástica! O programa começa em uma semana. Esta será uma oportunidade incrível, Claire. Embora eu imagine que seu marido não ficará feliz por você ficar fora por um ano."
Meu marido. As palavras não se aplicavam mais a mim.
"Ele vai ficar bem", disse eu, uma risada oca escapando dos meus lábios. "Não sou mais a Sra. Mendonça." Eu era apenas Claire Costa agora. E Claire Costa estava se mudando para Londres.
Desliguei e tentei chamar um táxi, mas antes que pudesse, um Bentley preto reluzente parou na calçada. Kian saiu. Ele estava vestido com um terno escuro, fingindo o estilo sofisticado de Elliot, mas a selvageria em seus olhos era inconfundível.
Ele alcançou minha mão queimada, seu toque surpreendentemente gentil.
"Ainda dói?", ele perguntou, sua voz um murmúrio baixo, tentando imitar o tom suave de seu irmão.
Eu estava tão cansada da performance. Puxei minha mão de volta.
"Está tudo bem."
Ele fez uma careta, um lampejo de dor genuína em seus olhos antes de mascará-lo novamente.
"Vamos", disse ele, tentando um sorriso brincalhão. "Sei que você está chateada. Deixe-me compensar. Há uma nova exposição no MASP. Sei o quanto você ama Monet."
Ele sabia. Porque por três anos, ele fora aquele com quem eu compartilhava minhas paixões. Ele fora quem ouvia, quem se lembrava, quem se importava. Ou assim eu pensava.
Eu estava exausta demais para lutar. Deixei que ele me conduzisse ao carro, afundando no assento de couro macio e fechando os olhos, bloqueando-o.
No museu, ele foi o cavalheiro perfeito, o marido perfeito. Ele segurou minha mão, apontou detalhes nas pinturas que sabia que eu apreciaria e me comprou um café do meu café favorito nas proximidades. Um de seus amigos, um herdeiro insípido de alguma fortuna de tecnologia, deu um tapa em seu ombro.
"Mendonça, você é um homem de sorte", disse o amigo, piscando para mim. "Sua esposa é tão bonita quanto a arte."
Kian sorriu, apertando minha mão. Ofereci um sorriso de lábios apertados e não disse nada.
Enquanto ele conversava com seu amigo, me vi atraída por uma série de fotografias que retratavam uma performance de cuspir fogo. A energia crua e caótica das chamas era cativante. Peguei meu celular, tirando algumas fotos, uma ideia para uma nova série surgindo em minha mente.
Quando levantei o olhar, Kian e seu amigo haviam sumido. Eu estava sozinha. Uma sensação de inquietação me invadiu. Levantei-me para sair.
Naquele exato momento, no palco no centro do salão de exposições, a peça de arte performática ao vivo começou. Um homem girava um bastão de fogo. Uma pluma de chama irrompeu para fora, muito mais longe do que o pretendido, direto em minha direção.
Gritei, levantando os braços para proteger o rosto. Uma dor lancinante atravessou as costas da minha mão, a mesma que Cássia havia queimado. Tropecei para trás, meus olhos lacrimejando com a fumaça e a dor, instintivamente passando a mão sob a água fria de uma fonte decorativa próxima.
Antes que eu pudesse processar o que havia acontecido, um grupo de homens de aparência rude se materializou da multidão. Eles me encurralaram contra uma parede.
"Bem, bem, olhe o que temos aqui", seu líder zombou, seus olhos me percorrendo. "Perdida, cordeirinha?"
Meu coração batia forte no peito. Isso não era aleatório. Isso foi planejado.
"Me deixem em paz", disse eu, tentando passar por eles.
Um deles agarrou meu braço, seu aperto machucando.
"Não tão rápido, gracinha. Nosso chefe quer ter uma palavrinha com você."
Eu lutei, chutando e arranhando, mas eles eram muito fortes. O desespero arranhava minha garganta. Eu estava presa.
Assim que um deles levantou a mão para me atingir, um borrão de movimento explodiu do lado.
Era Kian.
Mas este não era o homem gentil e sofisticado que ele fingia ser. Este era o verdadeiro Kian. Seu rosto era uma máscara de fúria fria, seus olhos ardendo com uma luz aterrorizante e assassina. Ele se movia com uma eficiência brutal, um turbilhão de violência. Um soco aqui, um chute ali. Os homens, que pareciam tão ameaçadores momentos antes, estavam no chão, gemendo de dor, em segundos.
Os bandidos restantes fugiram, aterrorizados.
Kian se virou para mim, seu peito arfando, a fúria em seus olhos instantaneamente substituída por um medo cru e nu. Ele agarrou meus ombros, suas mãos tremendo.
"Claire? Você está ferida? Eles te tocaram?"
Ele parecia tão genuinamente aterrorizado, tão aliviado, que por uma fração de segundo, um lampejo de algo além de ódio se agitou dentro de mim.
Então, seu amigo, o herdeiro da tecnologia, veio correndo, sem fôlego.
"Caramba, Kian, eu te disse que o plano do Elliot de apenas assustá-la era estúpido! Não acredito que ele realmente contrataria gente para ser violenta! E se algo realmente tivesse acontecido com ela?"
O mundo parou.
O plano de Elliot.
As palavras ecoaram no silêncio repentino. O rosto de Kian ficou pálido. A preocupação, o medo - tudo era mais uma atuação. Tudo isso era obra deles. O castigo frio e calculado de Elliot pela minha desobediência.
A dor, o medo, a traição - tudo se fundiu em um único peso esmagador. Minha visão nadou, as bordas ficando pretas.
A última coisa que vi antes que a escuridão me consumisse foi o rosto horrorizado de Kian, sua boca formando meu nome.