No momento em que ela se foi, o ataque de Heitor cessou. Ele se afastou, seu peito arfando, seus olhos ainda encarando o espaço vazio onde ela estivera. A expressão em seu rosto era de um arrependimento profundo e agonizante. Era o olhar de um homem que acabara de estilhaçar deliberadamente a única coisa que considerava sagrada.
A frieza em minhas veias se transformou em gelo. Eu não era nada. Menos que nada. Eu era um adereço em sua peça trágica e distorcida, um corpo conveniente para ser usado para provocar uma reação de sua verdadeira audiência de uma pessoa só.
"Uma prostituta", sussurrei, a palavra com gosto de bile na minha boca. "Você me usa como uma prostituta qualquer."
Minha mão se moveu antes que meu cérebro pudesse processar o comando. Eu o esbofeteei, com força, o som ecoando como um tiro no corredor. A força do golpe virou sua cabeça para o lado.
Ele lentamente se virou para me encarar. O olhar selvagem e dolorido em seus olhos se fora, substituído por uma confusão atordoada e vazia, como se estivesse acordando de um transe. Ele olhou para mim, uma estranha em sua própria vida, e o vazio em seu olhar foi o golpe final e mortal.
Afastei-me dele, minhas mãos tremendo enquanto tentava alisar meu vestido, juntar os restos esfarrapados da minha dignidade. Corri, meus saltos batendo um ritmo frenético e desesperado no chão de mármore, para longe dele, para longe da verdade sufocante da minha vida.
Saí correndo do corredor e quase colidi com uma figura pequena e trêmula.
Era Kenia.
"Sra. Dantas", ela disse, sua voz suave, mas seus olhos tudo menos isso. Não havia mais mágoa neles. Apenas um ódio frio e duro que era perturbadoramente familiar. Era o olhar de uma rival.
"Saia da minha frente", eu disse, minha voz rouca. Eu estava cansada demais, quebrada demais, para lidar com ela.
Ela não se moveu. "Você acha que venceu, não é?", ela zombou, a fachada frágil caindo completamente. "Só porque você tem o nome dele? Ele nunca vai te amar. Ele é meu."
"Ele é todo seu", cuspi, tentando passar por ela. "Eu não o quero."
De repente, ela se moveu. Ela pegou uma garrafa de champanhe meio vazia da bandeja de um garçom que passava e a balançou. Vi um flash de vidro verde, um brilho de luz refletida, e então uma explosão de dor na lateral da minha cabeça.
O mundo se dissolveu em uma cacofonia de vidro quebrando e um zumbido agudo e penetrante em meus ouvidos. Pontos pretos dançaram na frente dos meus olhos, e o chão correu para me encontrar.
Acordei com uma dor de cabeça latejante e implacável e o branco estéril de um quarto de hospital. Eu estava sozinha. Por um momento, pensei que tinha imaginado tudo. Então ouvi vozes do corredor. A voz de Heitor, baixa e tensa. E a dela.
"Eu não queria, Heitor", Kenia estava dizendo, sua voz embargada de lágrimas não derramadas. "Eu estava com tanta raiva. Tão ciumenta. Ela é tão bonita, e a família dela é tão poderosa. Eu vi você com ela, e eu simplesmente... entrei em pânico."
Foi uma performance magistral. A garota vulnerável e assustada, levada à violência pelo amor e pelo medo.
Ouvi Heitor suspirar, um som de resignação profunda e exausta. "Eu sei, Kenia. Não é sua culpa."
Meu coração, que eu pensei já ter sido estilhaçado em um milhão de pedaços, de alguma forma encontrou uma nova maneira de quebrar.
"Ela é apenas um contrato, Kenia", ele disse, sua voz baixando para um murmúrio calmante. "É tudo o que ela sempre foi. Um arranjo necessário para te manter segura. Ela não é nada. Você é tudo. Eu vou cuidar disso. Vou fazer isso desaparecer."
Ela não é nada.
As palavras ecoaram na sala silenciosa, nas câmaras silenciosas da minha alma.
Ela. Não. É. Nada.
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