"Me solta, seu psicopata!", gritei, tentando fincar os calcanhares. "Você não tem direito!"
"Eu tenho todo o direito", ele rosnou, me empurrando em direção à saída. "Você não tem permissão para ficar com outros homens."
A hipocrisia daquilo era tão espantosa que me fez rir, um som áspero e sem humor. "E quem é você para me dizer isso? Meu marido? O homem que me joga para fora do carro por sua amante? O homem que bebe até ter um choque anafilático pela honra dela? Esse marido?"
As palavras atingiram o alvo. Eu o vi se encolher. Ele não respondeu, apenas apertou seu aperto e me forçou a entrar no banco de trás de seu carro, batendo a porta atrás de mim.
Enquanto o carro acelerava, lancei-me para a maçaneta da porta. "Prefiro pular de um carro em movimento a passar mais um segundo com você", cuspi.
Ele me agarrou, me prendendo contra o assento, seu corpo um peso pesado e sufocante. "Alice, pare com isso", ele disse, sua voz de repente cansada, a raiva se esvaindo dele, deixando apenas uma exaustão oca. "Não faça isso."
Virei a cabeça, olhando para as luzes borradas da cidade, meu coração um peso frio e morto no peito. Ele não falou mais. O silêncio no carro era denso e pesado, quebrado apenas pelo som de sua respiração irregular.
Depois de alguns minutos, sua respiração se acalmou. Sua cabeça pendeu para o lado, repousando em meu ombro. Ele havia adormecido.
O motorista, um homem mais velho chamado Artur que estava com Heitor há anos, pigarreou. "Senhora", ele disse, sua voz suave. "Ele está trabalhando há três dias seguidos. Ele não dormiu."
Eu não respondi.
"Ele estava preocupado com você", Artur continuou, seus olhos encontrando os meus no retrovisor. "Depois do... incidente na casa da sua família. Ele fez ligações. Ele estava com medo de que eles te culpassem pelo divórcio, que eles... te machucassem."
Uma risada amarga borbulhou em minha garganta. Claro. Era tudo parte do ato. Proteger o escudo. Manter o ativo intacto.
E então, Heitor murmurou em seu sono. Uma única palavra, suave e de partir o coração.
"Kenia..."
Foi um sussurro, um sopro de um nome, mas me cortou com a precisão de um bisturi de cirurgião. Mesmo em seu sono, em sua exaustão, seu coração e sua mente estavam com ela. Cada dúvida, cada pequeno e tolo lampejo de esperança que eu pudesse ter abrigado, foi extinto naquele momento único e condenatório.
Eu o empurrei para longe de mim, meu toque como se eu tivesse sido queimada. Ele caiu contra a janela, sem se mexer.
Chegamos de volta à cobertura, nosso "lar". O lugar parecia estranho, contaminado. Fui direto para o meu quarto escuro, o único lugar que parecia meu. Eu precisava me perder no meu trabalho, no cheiro de produtos químicos e na magia de uma imagem emergindo do nada.
Ele me seguiu. Ele ficou na porta, me observando, e então se aproximou e fechou meu laptop.
"É tarde", ele disse. "Você precisa descansar."
Ele me pegou nos braços. Eu estava cansada demais para lutar, emocionalmente esgotada demais para protestar. Deixei que ele me levasse para o quarto, meu corpo mole e sem resposta. Eu estava farta. Farta de lutar, farta de me importar.
Na manhã seguinte, acordei sozinha. Rolei as notícias no meu celular, meu polegar se movendo mecanicamente. E então eu vi. Uma manchete que fez meu sangue congelar.
"Estrela em Ascensão Kenia Dutra Revela Nova e Deslumbrante Exposição de Fotografia."
Cliquei no link. As fotos eram de tirar o fôlego. Cruas, emocionantes, cheias de uma beleza selvagem e indomável. Elas também eram minhas.
Cada uma delas. Minha viagem ao Deserto do Atacama. Os retratos dos gaúchos na Patagônia. Uma série em que eu vinha trabalhando há anos, meu trabalho mais pessoal e precioso.
E então me lembrei. Algumas semanas atrás, Heitor entrou no meu quarto escuro. Ele disse que estava interessado no meu trabalho, que queria ver meus projetos mais recentes. Eu, como uma tola, fiquei lisonjeada. Dei a ele o pen drive contendo todo o meu portfólio. Ele o "pegou emprestado" para "mostrar a um amigo curador".
O curador, ao que parecia, era Kenia Dutra.
Ele não tinha apenas usado meu coração. Ele havia roubado minha alma.
A dormência se estilhaçou, e uma raiva pura e branca-quente irrompeu em seu lugar. Saí voando da cama, minha mente singular em seu propósito. Eu ia encontrá-la, e ia arrancar meu trabalho, minha alma, das paredes de sua galeria com minhas próprias mãos.
Saí correndo do quarto e dei de cara com Heitor. Ele estava no corredor, vestido para o trabalho, parecendo tão calmo e controlado como sempre.
Ele segurou meus braços, seu aperto firme. "Alice, onde você vai?"
"Me solta!", gritei, lutando contra ele. "Você sabia? Você deu a ela o meu trabalho?"
Ele não respondeu, mas seu silêncio foi uma confissão.
"Você sabia", sussurrei, o horror daquilo se aprofundando. "Você a deixou roubar meu trabalho. Você a ajudou."
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