- Como pode colocá-lo em uma posição tão honorável? Alguém como ele não merece tal confiança - declarou outro, seu tom de voz transbordando desdém.
A sala, pequena em tamanho mas grande em poder, abrigava cinco anciãos inconformados. Suas vozes ecoavam pelo espaço, uma cacofonia de críticas e censuras. Enumeravam razões intermináveis para desqualificar a decisão de Azrael que, até então, mantinha uma calma estoica. No entanto, a menção de sua filha alterou seu semblante.
- Tudo isso porque sua filha exigiu? Quem tem o poder aqui, você ou sua filha mimada? Precisa ser mais rígido - um dos anciãos falou, o desprezo evidente em suas palavras.
- Não ousem tocar no nome da minha filha - retrucou Azrael, a raiva lampejando em seus olhos como chamas. - A decisão está tomada. Ele está sob a vigilância de Apolo e, além disso, temos uma guarda poderosa que o subjugaria em segundos.
- Ainda assim, é um risco desnecessário - resmungou outro ancião, sua voz um sussurro de discordância.
- Se algo acontecer, eu assumirei total responsabilidade - afirmou Azrael, a firmeza em sua voz inabalável. - Às vezes me pergunto por que carrego o título de governador se, em qualquer movimento, sou julgado por vocês. Se acham que sabem tudo, tomem meu lugar e governem vocês mesmos.
O governador levantou-se com uma rapidez e elegância surpreendentes, seus movimentos fluindo como os de um guerreiro experiente, ainda que sua vontade fosse atirá-los pela janela. Ele jamais perderia sua compostura, mesmo em meio à ira que fervia sob sua pele. Saindo da sala, deixou os anciãos em um silêncio desconfortável.
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Tayler dirigiu-se ao escritório do governador conforme as instruções de Apolo. Ao chegar, bateu na porta e aguardou a permissão para entrar.
- Entre - a voz, embora controlada, traía a raiva ainda latente da reunião anterior.
- Apolo disse que queria me ver, senhor - disse, inclinando-se em uma reverência respeitosa.
- Sim... sim... Ele deve ter adiantado o assunto, correto? - Azrael agora o encarava com um olhar penetrante.
- Sim, senhor. Ele mencionou que eu deveria mudar para o quarto ao lado da senhorita Harper, mas não acho que seja uma boa ideia - Tayler respondeu, erguendo-se da reverência para encarar o governador.
- Eu também penso o mesmo, mas Amy se sentirá mais segura assim - Azrael suspirou profundamente, o peso de sua preocupação evidente. - Sabe, Tayler , ela sofreu um atentado há três meses. Isso quase custou sua vida. Tenho muitos inimigos e farei o que for preciso para que ela se sinta segura, mesmo que isso signifique deixar um homem de 1,80 no quarto ao lado.
Tayler ficou surpreso. Ninguém havia mencionado um atentado. Colocou seus pensamentos de lado, reconhecendo que poderia ser um segredo de Estado, e se ninguém o contou, era porque não tinham permissão para fazê-lo.
- Eu garanto que a protegerei com minha vida, senhor.
- Eu sei disso - Azrael respondeu, sua voz carregada de uma confiança inabalável. - Vá logo. Hoje ela irá passear pelo lago. Ela não tem saído de casa e, mesmo assim, não gosta de ficar sozinha. Seja o mais discreto possível nas palavras. Estou confiando ela a você.
Tayler fez uma reverência profunda antes de sair em direção ao salão principal. Imaginava que Amy já deveria estar esperando por ele. Não perdeu tempo, apressando-se o máximo possível.
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Como imaginava, Amy o esperava ansiosa, caminhando de um lado para o outro, perdida em pensamentos que apenas ela conhecia. Ele se aproximou silenciosamente, tentando não assustá-la, e fez uma reverência respeitosa.
- Olá, senhorita Harper
- Ah, oi, Tayler - respondeu ela, com timidez evidente, o rosto corado como uma pétala de cerejeira.
- Para onde iremos hoje? - perguntou ele, esforçando-se para esconder o quanto aquela visão da pequena e corada Amy o deixava desajeitado.
- Vamos passear pelo lago.
Amy se virou, e juntos seguiram em direção ao lago. O passeio foi envolto em um silêncio tranquilo, quebrado apenas pelo suave sussurro do vento e o canto melodioso dos pássaros. Amy parecia mergulhada em seus pensamentos, seus olhos perdidos na distância. Tayler sentia a crescente vontade de puxar conversa, de animá-la de alguma forma. No entanto, lembrava-se de sua promessa ao governador: manter a formalidade e não se aproximar demais de sua filha.
Assim, permaneceu firme em seu papel de guarda-costas, seguindo-a como uma sombra atenta. A cada passo, ele estava alerta, os sentidos aguçados como os de uma águia, pronto para protegê-la de qualquer perigo. Sentia a tensão em seu próprio corpo, uma mistura de responsabilidade e uma estranha ternura que crescia em seu coração ao ver Amy tão vulnerável.
O lago surgiu à vista, suas águas refletindo o céu azul em um brilho sereno. Amy parou à beira, olhando para a superfície como se buscasse respostas nas ondulações suaves. Tayler ficou um passo atrás, respeitando seu espaço, mas atento a cada movimento ao redor.
- É bonito aqui - disse ele finalmente, incapaz de conter a necessidade de quebrar o silêncio.
- Sim, muito bonito - Amy respondeu, sua voz suave como um murmúrio.
Tayler observou-a com uma nova compreensão, percebendo que, assim como ele, ela carregava um fardo de expectativas e responsabilidades.
Durante todo o passeio, um silêncio pesado os envolvia, criando uma atmosfera densa e cheia de emoções não expressas. Amy estava imersa em seus pensamentos, os olhos distantes, refletindo um mar de inquietações internas. Tayler, por sua vez, estava completamente focado em sua missão. Sua atenção era como a de um predador vigilante, atento a cada folha que caía, a cada som sutil que o cercava.
A garota, de tempos em tempos, lançava-lhe olhares furtivos, como se procurasse nele respostas para perguntas que apenas ela conhecia. Seus olhos, cheios de incerteza e esperança, buscavam um sinal, uma faísca de conexão. Ele sentia esses olhares, cada um deles como um toque suave mas insistente. No entanto, ele os ignorava deliberadamente, mantendo-se firme em sua resolução. Talvez ela desejasse um amigo, alguém com quem pudesse compartilhar seus medos e dúvidas, mas sabia que ele não poderia ser essa pessoa.
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De volta à imponente mansão dos Harper, Amy caminhava silenciosamente pelos corredores, acompanhada por Tayler. Cada passo que davam ecoava pelo piso de mármore, e o silêncio reverberava como um presságio. Quando chegaram à porta do quarto dela, os olhares se cruzaram brevemente.
Com uma leve referência, Tayler seguiu sozinho até o seu novo quarto. Ao adentrar, ele parou na entrada, deixando que seus olhos percorressem o ambiente com uma calma inquieta. O quarto era simples, espartano até, com um pequeno guarda-roupa encostado na parede, uma cama de solteiro coberta com um lençol neutro e um criado-mudo, sobre o qual repousava uma única lâmpada.
Ele soltou um riso seco e amargo, que ecoou pela pequena sala. Ele já antecipara que mesmo morando na mansão ele seria tratado como um criado comum, mas não esperava que fossem tão longe a ponto de despir o quarto de qualquer luxo, a ponto de arrancar até mesmo as cortinas, deixando a janela nua e o vidro frio como os corações daqueles que ali viviam.
Sem dizer uma palavra, ele se dirigiu ao pequeno banheiro anexado ao quarto. Ao abrir a porta, notou com certo sarcasmo que, apesar de toda a frugalidade do espaço, os sabonetes caros ainda permaneciam, reluzentes na prateleira. Era quase uma ironia cruel.
O frio daquele dia parecia ter entrado em seus ossos, mas Tayler não se importou. Resolveu tomar um banho morno, na esperança de que a água pudesse, ao menos, aquecer um pouco a alma que agora parecia envolta em um manto gélido. À medida que a água escorria pelo seu corpo, ele fechou os olhos, permitindo-se por um breve momento sentir a melancolia do ambiente e, quem sabe, deixar que o calor da água levasse embora o peso de um mundo que o oprimia.
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Tayler repousava sobre a cama, o olhar perdido no teto, os pensamentos vagando entre o passado e o presente. A serenidade do ambiente era interrompida por leves batidas na porta, fazendo-o despertar de seu torpor. Levantou-se rapidamente, sentindo uma leve urgência em seus movimentos, imaginando que poderia se tratar de algo importante. Ao abrir a porta, seu olhar encontrou-se com o de Amy, a herdeira dos Harper, que estava acompanhada por sua criada, Suzy.
Amy, com um sorriso suave, quase tímido, anunciou:
- O jantar será servido em breve.
O rapaz hesitou por um instante, a simplicidade do gesto contrastando com a complexidade de seus sentimentos.
- Ah... não precisava me avisar... eu sou apenas um guarda-costas - respondeu, tentando manter a formalidade que sua posição exigia.
Mas Amy, com a mesma calma de sempre, insistiu:
- Mas você precisa se alimentar bem para me proteger. É importante que se mantenha forte.
Surpreso pela preocupação genuína que ela demonstrava, desviou o olhar por um momento, sentindo-se ligeiramente desconfortável com a atenção.
- Eu já ia descer até a cozinha para fazer minha refeição - afirmou, tentando encerrar o assunto.
- Oh, não. Você se sentará à mesa comigo.
A proposta inesperada fez Tayler recuar um passo, a incredulidade estampada em seu rosto.
- Eu? - murmurou, quase incapaz de acreditar na oferta.
Foi então que Suzy, sempre atenta às tradições e ao protocolo, interferiu com uma voz respeitosa, mas firme:
- Minha senhora, temo que seu pai não se agradaria de tal situação, especialmente sem que fosse informado primeiro.
Porém, determinada a conseguir o que queria, Amy girou nos calcanhares, pronta para ir falar com seu pai e resolver a questão de uma vez por todas.
- Bom, eu posso falar com ele agora - disse, já se virando.
Antes que ela pudesse dar mais um passo, Tayler se adiantou, com uma reverência respeitosa, tentando encerrar a situação sem causar mais incômodos:
- Não precisa, senhorita Harper. Eu prefiro me alimentar na cozinha. Sinto muito, mas vou recusar o convite.
Ao ouvir as palavras de Tayler o, o sorriso de Amy desapareceu, dando lugar a uma expressão desapontada. Ela desejava se aproximar dele, criar um laço mais profundo, mas percebia que não podia forçá-lo. Sem responder, virou-se lentamente e começou a se afastar, cada passo ecoando como uma despedida silenciosa.
Tayler, ao erguer a cabeça, viu Amy se afastando e sentiu uma pontada de culpa. Não queria magoá-la, mas parecia inevitável.
- Não se preocupe. Ela só não está acostumada a ouvir um 'não' - cochichou Suzy ao passar por ele, antes de seguir a sua senhora.
Após um longo suspiro, o rapaz desceu até a cozinha. A refeição foi rápida e logo retornou ao seu quarto, sentindo o peso da solidão em cada passo. Quando finalmente se deitou, o sono o envolveu, mas mesmo no descanso, ele mantinha-se alerta, preparado para qualquer eventualidade, como se o perigo pudesse surgir a qualquer momento.