Meu celular vibrou com outra ligação de Stefan, que não parava de ligar desde que Camille foi embora, provavelmente preocupado com a possibilidade de eu mudar de ideia agora que tudo viera à tona.
Ah, pobre e previsível Stefan... Ainda achando que tinha controle sobre alguma coisa.
Tirei meus Louboutins, me joguei no sofá de couro e deixei as lembranças me invadirem como um calor que sobe ao primeiro gole de vinho.
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Logo na primeira vez que vi Camille Lewis, a odiei.
Eu tinha treze anos, havia acabado de sair do orfanato e estava desesperada para agradar meus novos pais. Eles me levaram para uma mansão enorme, com um gramado bem cuidado e pisos de mármore, me prometendo um novo começo e uma família de verdade.
Foi então que aquela magricela de aparelho e cabelos bagunçados desceu as escadas, com um sorriso radiante e olhos inocentes.
"Oi! Sou Camille. Sempre quis ter uma irmã!"
Ela veio correndo e me abraçou ali mesmo, no corredor da entrada, sem nem se importar que minhas roupas eram de segunda mão ou que eu estivesse com cheiro de sabão industrial do orfanato. Tudo o que a garota mostrava era uma alegria pura e genuína por ter uma irmã.
Ao vê-la à minha frente, tive vontade de vomitar. Afinal, ela era desajeitada e esquisita mesmo tendo tudo o que eu havia passado treze anos sonhando - pais que a amavam, um lar que era seu, e um futuro garantido pelo sobrenome Lewis, mas ela nem sequer valorizava isso.
Naquela primeira noite, fiquei a observando durante o jantar, notando como ela se sentava toda torta na cadeira sem saber qual garfo usar para a salada, falava de boca cheia, ria alto e fazia perguntas desnecessárias.
"Rose é tão educada. Talvez você devesse aprender com sua nova irmã, Camille", disse a senhora Lewis - ou melhor, mamãe - sorrindo para mim.
Foi aí que vi a primeira rachadura no mundinho perfeito de Camille - o sutil desbotamento do seu sorriso e a maneira como ela se endireitava na cadeira, se esforçando para ser uma filha honrosa.
Foi lindo de ver...
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Meu celular vibrou novamente, me trazendo de volta à realidade. O rosto de Stefan iluminava a tela em sua quinta ligação em menos de uma hora.
Soltando um suspiro, atendi. "Meu gato, você está tão carente..."
"Rose", ele chamou com uma voz rouca, o que me levou a ponderar se ele estava bebendo. "Ela se foi - ela se foi pra valer. Bloqueou meu número, esvaziou o armário..."
"Não era isso que queríamos?", perguntei, mantendo um tom suave e tranquilizador. O mesmo tom que eu usava todas as vezes que aconselhava Camille sobre seus problemas conjugais, problemas que eu havia orquestrado minuciosamente.
"Eu só... o jeito que ela olhou para mim..."
"Stefan, querido. Ainda inseguro? Depois de tudo o que passamos juntos?", perguntei, deixando um tom afiado transparecer em minha meiguice.
"Não! Claro que não. Eu te amo. Sempre te amei."
"Então pare de me ligar por causa da sua ex-esposa. Isso é patético."
Após dizer isso, encerrei a ligação e joguei o celular no canto do sofá.
Como os homens podiam ser tão previsíveis e fracos? Por que até Stefan, que passei quatro anos moldando antes de empurrá-lo para Camille, ainda precisava de controle constante?
Mesmo assim, felizmente ele cumprira seu propósito, assim como todos os outros no meu joguinho elaborado.
A foto em família sobre a prateleira da lareira chamou minha atenção - era do dia da minha adoção. Obviamente, eu estava no centro, assim como sempre.
Já Camille, estava na ponta, forçando um sorriso em meio às suas inseguranças.
Deus, como foi fácil... fácil até demais!
Bastou um comentário à mesa de jantar sobre o quanto Camille estava instável, algumas conversas preocupadas com minha mãe, explicando o quanto eu estava aflita com o emocional da minha querida irmã, e uma ou outra menção ao meu pai sobre como ela parecia estar sofrendo com as responsabilidades básicas de um adulto.
Foram quatorze anos de uma preparação criteriosa, me posicionando como a filha responsável e idealizada enquanto pouco a pouco destruía a confiança de Camille, seus relacionamentos e sua autoestima.
A rejeição da faculdade foi particularmente instigante, se assim posso dizer.
Tudo o que foi preciso foi uma conversa chorosa com minha mãe sobre ter encontrado o diário "secreto" de Camille, repleto de pensamentos sombrios e planos destrutivos. Tudo que eu mesma havia planejado, é claro, com a caligrafia infantil dela que eu passara meses praticando para falsificar.
Num piscar de olhos, a preciosa filha caçula não estava pronta para a faculdade. Ela precisava de tempo para "se encontrar" e estar sempre perto de casa, onde eles poderiam ficar de olho nela - onde eu poderia ficar de olho nela.
Saboreando outro gole de champanhe, desfrutei o momento, porque era exatamente isso que eu queria o tempo todo.
Eu não queria Stefan, que era apenas uma peça útil no meu tabuleiro, nem a fortuna da família Lewis, embora, com o tempo, ela acabasse caindo em minhas mãos.
O que eu desejava mesmo era ver a perfeita e preciosa Camille se despedaçando e percebendo que tudo o que ela achava que tinha - família, amor, segurança - havia sido construído às custas das minhas mentiras.
Nesse momento, meu celular vibrou com uma mensagem da minha mãe: "Querida, venha para casa. Seu pai e eu precisamos conversar sobre o que aconteceu."
Li a mensagem com um sorriso, já planejando minha atuação. A perplexidade chorosa, a confissão relutante sobre a perseguição de Stefan, a preocupação gentil com o psicológico de Camille...
Quando eu terminasse meu discurso polido, eles me agradeceriam por protegê-los da filha instável todos esses anos.
Com uma determinação renovada, me levantei do sofá, fui até o closet e escolhi a roupa perfeita para minha próxima performance - algo sutil, mas caro, me mostrando como a irmã de luto, e não a vitoriosa em plena comemoração.
O enorme closet fora o presente de casamento de Camille para mim.
"Para que você sempre tenha espaço para seu incrível talento para a moda", ela dissera e me dera um forte abraço.
Mesmo depois de anos me vendo roubar todos os holofotes, oportunidades e aprovação dos pais, ela ainda me amava e confiava em mim.
Que grande idiota...
Ao pegar um suéter de caxemira cor de creme, me lembrei de quando Camille pegava minhas roupas emprestadas no ensino médio. Esperando que ela tivesse algum compromisso importante, como um encontro, uma apresentação ou uma entrevista, de repente eu "me lembrava" de que precisava justamente daquela roupa.
Ela sempre as devolvia sem qualquer contestação, pedindo desculpas pelo inconveniente e se esforçando ao máximo para ser a irmã perfeita.
Meu reflexo no espelho chamou minha atenção e, por um instante, vi algo feio ali - a menina assustada e revoltada do orfanato que havia entrado na casa dos Lewis há tantos anos.
Mas aí pisquei e voltei a ser a Rose perfeita e impecável, a Rose segura de si que só fazia o certo.
Colocando a pulseira Cartier, outro presente da minha querida irmã, terminei de me arrumar para a próxima atuação, ciente de que a reunião familiar em questão precisaria do toque certo de honestidade relutante e traição devastadora.
"Ah, Camille... o que você fez consigo mesma?", sussurrei para meu reflexo, praticando minha expressão preocupada.
Porém, quando me virei para sair, algo me fez parar. O olhar de Camille antes de partir... eu nunca o vira antes - nem em vinte anos a pressionando, testando e destruindo.
Aquele olhar parecia de... compreensão, como se ela finalmente tivesse visto a verdade por baixo da minha máscara.
Balancei a cabeça levemente para afastar o mau pressentimento.
Camille era fraca, assim como eu a havia tornado. Talvez ela fugiria, curaria suas feridas e tentaria recomeçar em outro lugar.
Contudo, uma coisa era certa: ela nunca se livraria de mim, pois eu já havia garantido isso anos atrás.