Ponto de Vista: Sofia
Passei a noite no jardim, encolhida em um banco de pedra, observando a lua traçar seu caminho prateado pelo céu.
Quando o amanhecer rompeu, pintando o horizonte em tons de cinza e rosa pálido, voltei para dentro. Dante ainda estava no sofá, ainda murmurando o nome de Isabella em seu sono.
Eu não sentia amor. Nem ódio. Apenas uma calma profunda e arrepiante.
Peguei meu caderno e anotei as deduções finais. Minha mão nem tremeu.
Então comecei a fazer as malas.
Eu fui metódica. Limpei meu lado do closet, deixando um vasto espaço vazio. Embalei cada joia, cada vestido, cada par de sapatos que ele já me deu. Não eram meus. Eram parte do uniforme - o uniforme de Sofia Rossi.
Dante acordou por volta do meio-dia, com os olhos vermelhos. Ele me viu fechando uma caixa com fita adesiva e franziu a testa. "Você está fazendo faxina?"
Seu telefone tocou antes que eu pudesse responder. Isabella. Sua expressão se suavizou, as linhas duras do subchefe se derretendo. "Estou a caminho", ele prometeu ao telefone, sua voz um murmúrio baixo e íntimo. Ele pegou as chaves e saiu correndo, a porta da frente batendo atrás dele.
Eu sussurrei para a sala vazia: "Não, você não vai."
Ele ficou fora por dias. As redes sociais de Isabella pintavam um quadro doentio e perfeito. Ele a levou a um vinhedo em Bento Gonçalves. Comprou para ela um filhote de golden retriever. Levou-a para Paris no fim de semana.
Eu usei o tempo. Contratei uma empresa de mudanças para levar minhas caixas para um depósito em Florianópolis. Fechei minhas contas bancárias. Liguei para a Bruna e disse que a Fênix Arquitetura estava de pé. Metodicamente, apaguei todos os vestígios de Sofia Rossi daquela casa.
No terceiro aniversário da morte da minha mãe, enquanto eu me preparava para sair pela porta pela última vez, ele voltou. Parecia cansado, mas estranhamente em paz.
"Eu te levo", ele ofereceu, vendo o único buquê de rosas brancas em minha mão.
No cemitério, ajoelhei-me junto ao mármore frio de sua lápide. Contei tudo a ela, minha voz uma confissão sussurrada. Sobre o divórcio. Sobre o novo escritório em Florianópolis. Sobre minha nova vida.
Quando estávamos saindo, o céu desabou. A chuva caía em lençóis grossos e pesados. No carro, o silêncio foi quebrado pelo toque frenético do telefone de Dante.
Isabella.
"Eu sofri um acidente", ela soluçou pelo viva-voz. "Meu carro... rodou na pista. Acho que quebrei o pulso."
O rosto de Dante ficou pálido. Ele pisou no freio com força, o carro derrapando até parar na beira da estrada deserta. Ele se virou para mim, seus olhos um vazio frio e duro, completamente desprovidos de qualquer emoção por mim.
"Saia", ele ordenou, a voz seca. "Eu tenho que ir até ela."
Eu não discuti. Não disse uma palavra. Simplesmente abri a porta do carro e saí para a chuva torrencial.
Observei as luzes traseiras do carro dele se dissolverem na escuridão molhada pela chuva, me deixando completamente sozinha, encharcada, na beira de uma rodovia sem ninguém por quilômetros.
Meu celular estava sem bateria. Nenhum táxi viria até aqui. Comecei a andar, a chuva fria se infiltrando em meus ossos.
Ouvi o guincho de pneus antes de ver os faróis. Um caminhão, perdendo o controle no asfalto escorregadio, aquaplanando diretamente em minha direção.
Não houve tempo para gritar.