Ela estava escondendo algo.
E isso me irrita profundamente.
Não tolero mentiras.
Não tolero segredos.
E definitivamente, não tolero que alguém mexa com quem está sob minha responsabilidade.
E ela está.
Mesmo que ainda não tenha entendido isso.
Assim que cheguei à sala, observei pela pequena câmera embutida no canto do teto - a mesma que quase ninguém sabe que existe.
Eu não deveria observar.
Seria invasivo. Impróprio.
Mas eu sou dono desse império.
Eu vejo tudo.
E o que vi fez meu sangue gelar.
E ferver.
Ela encontrou outro bilhete.
Dobrado com uma precisão assustadora.
Colocado exatamente no mesmo lugar do primeiro.
Enquanto ela abria, pude ver suas mãos tremendo.
Depois, seu rosto caiu.
Medo.
Medo real.
Meu maxilar travou.
Quem teve coragem?
Quem ousou colocar medo na mulher que, mesmo sem perceber, está sob o meu teto, sob o meu nome, sob o meu domínio?
Arregacei as mangas e comecei a analisar a imagem quadro a quadro.
Mas o autor do bilhete era esperto.
Muito esperto.
A câmera mostrou apenas uma sombra antes que o bilhete surgisse.
Sombra rápida.
Mão encoberta.
Rosto impossível de ver.
Mas eu reconheço padrões.
E reconheço intenções.
E aquele gesto não era de brincadeira.
Não era uma piada.
Não era uma provocação casual.
Era marcado.
Deliberado.
Pessoal.
Alguém marcou ela.
E eu juro que se esse alguém quiser guerra, vai receber.
Quando Hellen trouxe meu café, achei que ia conseguir me conter.
Achei que ia conseguir ser só o CEO frio que sempre fui.
Mas ela entrou naquele escritório com o medo ainda na pele... e algo dentro de mim se rompeu.
Me aproximei demais.
Observei demais.
Falei demais.
E quando seus dedos tocaram nos meus - mesmo por um segundo - senti algo que não deveria sentir.
Desejo.
E os instintos que passei anos enterrando acordaram de uma vez.
O desejo veio primeiro.
Depois a possessividade.
Depois a fúria.
Porque ela estava com medo.
E eu não sei de quem.
E isso é uma ofensa direta à minha posição.
- Não minta para mim - eu disse, porque não suporto que ela esconda medo de mim quando deveria se esconder atrás de mim.
Mas ela mentiu.
E isso só aumentou algo que não sei nomear.
Algo perigoso.
Algo que, se eu não cuidar, vai destruir qualquer fronteira de controle que ainda tenho.
Ela saiu tremendo.
Eu respirei fundo, tentando sufocar o impulso de segui-la.
Quando Lucas apareceu na mesa dela... eu perdi a compostura.
Não suporto a ideia de outro homem se aproximando dela.
Ele pode ser diretor financeiro, pode ser competente, pode ser alguém com quem trabalho há anos... mas naquele instante ele se tornou um problema.
Um problema que eu estava mais que disposto a eliminar.
Quando o confrontei, ele recuou - como deveria.
Mas e a forma como Hellen me olhou?
Assustada.
Confusa.
E... atiçada?
Perigoso.
Muito perigoso para nós dois.
Mas não consegui evitar.
As palavras saíram antes de pensar:
- Não gosto que toquem no que é meu.
Eu vi a respiração dela falhar.
Vi os olhos tremerem.
Vi o corpo reagir ao som da minha voz.
Por um segundo, desejei encostá-la naquela mesa, puxá-la pelo quadril e mostrar exatamente o que queria dizer com aquilo.
Mas me contive.
Eu sempre me contenho.
Até o dia em que não vou mais me conter.
Depois que voltei à minha sala e fechei a porta, tentei me concentrar no trabalho.
Fracasso completo.
Meu pensamento estava nela.
No medo dela.
Na mentira dela.
Nos bilhetes.
Peguei o celular e liguei para meu segurança particular fora da empresa.
- Preciso que faça uma varredura completa no vigésimo quinto andar - ordenei. - Câmeras, sensores, movimentação. Quero cada registro, cada arquivo, cada funcionário monitorado desde o último mês.
- Alguém invadiu o sistema? - ele perguntou.
- Não ainda. Mas alguém entrou em território proibido. E está deixando rastros.
Rastros sobre a mesa da minha secretária.
Ele ficou em silêncio alguns segundos.
- Que tipo de rastros?
- Ameaças - respondi. - Indiretas. Inteligentes. Planejadas.
- Contra o senhor?
- Não. - Meu tom ficou mais grave. - Contra ela.
O silêncio do outro lado da linha pesou.
- Entendido. Vou descobrir quem é.
- Se descobrir... - minha voz caiu, gelada - você me avisa primeiro. Não faça nada sem minha ordem.
- Sim, senhor.
Desliguei.
Mas a raiva não desligou junto.
Voltei à câmera.
Observei Hellen trabalhar.
Ela tentava agir normalmente.
Digitava rápido.
Atendia ligações.
Organizava a agenda.
Mas eu via pelos ombros dela.
Pela rigidez do pescoço.
Pela forma como olhava para o corredor de tempos em tempos.
Ela estava em alerta.
E isso era culpa de alguém.
E quando eu descobrir quem - e por que - esse prédio vai tremer.
Porque ninguém marca o que é meu.
E ninguém toca no que está sob meu nome.
Perto do meio-dia, Camila bateu na porta.
- Senhor Vasconcellos, o senhor pediu a lista de acessos ao 25º andar.
Peguei a pasta.
Havia algo errado.
Eu sabia.
E agora tinha certeza.
Entre os nomes autorizados, um em particular chamou minha atenção.
BENJAMIN COOPER.
Funcionário antigo.
Departamento jurídico.
Histórico limpo - pelo menos oficialmente.
Mas havia algo ali...
Um comentário antigo no arquivo digital.
Uma notificação de advertência arquivada.
E, mais importante...
Um relatório informal de Lucas, feito quase dois anos atrás:
"Funcionário emocionalmente instável.
Obsessivo com determinados colegas.
Recomendada transferência."
Franzi o cenho.
Uma transferência nunca aconteceu.
Por quê?
Quem bloqueou isso?
E, mais importante:
Com quais colegas ele tinha comportamento obsessivo?
Precisava descobrir.
E rápido.
Saí da sala sem avisar ninguém.
Caminhei até a mesa de Hellen.
Ela levantou os olhos devagar.
E ali estava de novo.
Aquele brilho tenso.
Assustado.
Desafiador.
- Preciso falar com você - disse, baixo.
Ela assentiu e se levantou.
Caminhamos até a pequena sala de reuniões ao lado da minha.
Fechei a porta atrás de nós.
Ela ficou no meio da sala, braços cruzados, tentando se proteger.
Eu me aproximei.
Devagar.
Como um animal que escolhe o momento certo de atacar.
- Você está me escondendo alguma coisa - falei, a voz sem paciência. - E eu não vou aceitar isso.
Ela desviou o olhar.
- Eu não quero causar problemas...
- Você já causou - respondi, sério. - Entrar aqui já foi suficiente. Existe gente neste andar que não quer você aqui.
Os olhos dela tremeram.
Peguei uma cadeira e a coloquei atrás dela.
- Sente-se.
Ela sentou.
Eu fiquei de pé, à sua frente, braços cruzados, dominando o espaço.
- Vou perguntar uma vez - minha voz ficou mais baixa, mais grave, mais perigosa - e você vai responder a verdade.
Ela engoliu seco.
- Hellen... - dei um passo para a frente, minha sombra cobrindo a dela - alguém ameaçou você?
Ela hesitou.
Hesitar era a resposta.
Meu sangue ferveu.
- Mostre. - ordenei. - Agora.
Ela pegou a bolsa devagar, mãos tremendo, e tirou o bilhete dobrado.
Colocou sobre a mesa.
Eu o abri.
E senti a fúria subir como um incêndio.
VOCÊ ESTÁ MARCADA.
Fechei a mão.
Respirei fundo.
E, pela primeira vez desde que conheci essa mulher, falei exatamente o que não deveria falar:
- Hellen...
- A partir de hoje...
- você não anda mais sozinha neste prédio.
Ela ficou imóvel.
- E se alguém encostar em você... - inclinei-me até ficar perto o suficiente para sentir sua respiração - essa pessoa não trabalha mais para mim. Nem para ninguém.
Ela engoliu seco.
- Gustavo... - sussurrou, quase sem voz.
Esse foi o momento em que percebi:
O que quer que esteja acontecendo...
o que quer que esteja rondando ela...
não é mais só um assunto da empresa.
É meu.
E vou lidar com isso como sempre lido:
Com força.
Com controle.
Com guerra, se precisar.
Porque ela entrou no meu império.
E agora está marcada.
Mas não pelo inimigo.
Por mim.