A Magia do Natal
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Capítulo 5 C.04

Isadora Monteiro

Acordei com o cheiro de café fresco invadindo o quarto e um raio de sol teimando em atravessar a cortina. O coração batia de um jeito que eu já sabia o motivo, mesmo sem querer admitir. Leon. O hóspede misterioso, o músico de voz rouca e sorriso contido. Era engraçado como, em tão pouco tempo, ele já ocupava meus pensamentos - como uma música nova que gruda na cabeça e se recusa a sair.

Joguei o edredom de lado, me espreguicei e respirei fundo.

"Hoje vai ser um bom dia", murmurei para mim mesma, tentando controlar o sorriso bobo que insistia em surgir.

Desci as escadas do hotel com passos leves, como se cada degrau me aproximasse de algo que eu ainda não entendia direito. Na cozinha, o aroma de pão de queijo e bolo de milho tomava o ar - mamãe, claro, já estava a todo vapor.

- Bom dia, dorminhoca - disse Helena, sem nem olhar pra mim, concentrada na frigideira.

- Dorminhoca? Acordei cedo, mãe! - protestei rindo, me apoiando no balcão.

- Cedo pra você. - Ela ergueu uma sobrancelha, divertida. - Leon já desceu faz um tempinho.

O nome dele saiu tão naturalmente da boca dela que eu quase deixei a caneca cair.

- Ele... já desceu?

- Está lá fora, na varanda. Pediu um café preto e ficou olhando a serra como se quisesse decifrar o mundo. Homem estranho, mas educado.

"Estranho, mas educado." Era exatamente isso. Leon tinha um mistério bonito, desses que a gente quer resolver mesmo sabendo que talvez nunca consiga.

Peguei meu café e fui até o saguão. As portas de vidro deixavam entrar a luz suave da manhã, e o som distante da cidade preparando-se para o Natal fazia tudo parecer parte de um sonho. As pessoas decoravam as árvores, penduravam fitas vermelhas, e o riso das crianças misturava-se ao canto dos pássaros.

E lá estava ele. Camisa simples, violão encostado ao lado da cadeira, e um olhar distante que parecia ouvir melodias que só ele podia escutar.

- Bom dia - disse, tentando soar casual, embora meu coração tivesse decidido tocar bateria no peito.

Ele levantou o olhar, e o sorriso discreto que me deu foi suficiente para fazer o tempo parar.

- Bom dia, Isadora. Dormiu bem?

O jeito como ele dizia meu nome... parecia música.

- Dormi, sim. E você?

- Melhor do que nas últimas semanas - respondeu, olhando para o horizonte. - Esse lugar... é silencioso de um jeito bom.

Sorri, me sentando à mesa ao lado dele.

- É o que mais gosto daqui. Parece que o tempo desacelera.

- Eu precisava disso - confessou, apoiando os cotovelos na mesa. - O silêncio. Às vezes, quando o som vira parte da sua vida, você esquece de escutar o resto.

Não entendi completamente, mas percebi a melancolia nas entrelinhas.

- E você é músico, não é?

Ele riu baixo, um som bonito e triste ao mesmo tempo.

- Era. - Pausou. - Ou... talvez ainda seja, só não tenho certeza.

- Como assim? - perguntei, sem conseguir conter a curiosidade.

- A música sumiu - disse, olhando para o violão como se fosse um velho amigo que não reconhecia mais. - Um dia ela estava aqui dentro... - tocou o peito - ...e no outro, desapareceu.

Fiquei em silêncio por um momento, sem saber o que dizer. As palavras dele ecoaram fundo. Eu sabia o que era perder algo que fazia parte de quem você era.

- Talvez ela não tenha sumido - falei, devagar. - Só está esperando você chamá-la de volta.

Ele me olhou com uma expressão curiosa, quase cética, mas com um toque de esperança.

- E como se chama uma música de volta?

Sorri.

- Com o coração.

Por um instante, ele ficou me encarando, e juro que pude sentir uma faísca invisível se acendendo entre nós. O tipo de coisa que não se explica - só se sente.

Helena apareceu com uma bandeja de pães e frutas, e a magia se desfez por um momento.

- Aqui está o café da manhã, meus queridos. - Ela piscou pra mim, disfarçando mal o sorrisinho. - Espero que gostem.

- Obrigado, dona Helena - Leon disse com gentileza. - Está tudo maravilhoso, como sempre.

- "Como sempre"? - perguntei, rindo. - Já virou cliente fixo, é?

- Talvez - respondeu ele, mordendo o pão de queijo. - Ainda não decidi quando vou embora.

- Bom... - encostei o queixo nas mãos. - Enquanto decidir, pode ajudar a enfeitar a praça. É tradição.

Ele arqueou uma sobrancelha.

- Me colocar pra trabalhar é a forma que vocês recebem turistas?

- Só os que parecem precisar de distração - brinquei. - E você parece precisar muito.

Leon soltou uma risada baixa, sincera.

- Então acho que estou no lugar certo.

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Mais tarde, fomos todos para a praça. Clara já estava lá, organizando as crianças com fitas coloridas e caixas de enfeites.

- Até que enfim! - gritou ela, me vendo se aproximar. - A estrela da decoração chegou!

- Não começa - retruquei, rindo. - Trouxe reforço.

Quando Leon apareceu atrás de mim, Clara arregalou os olhos e sussurrou no meu ouvido:

- É ele? O hóspede misterioso?

- Shh! - fiz sinal pra ela se calar, mas era tarde.

- Ah, prazer! - disse ela, estendendo a mão para Leon. - Clara Vasconcelos, amiga de infância, confidente e conselheira não solicitada da Isadora.

Leon riu.

- Leon Vasques. Músico em... férias forçadas, digamos assim.

- Férias forçadas? - Clara cruzou os braços. - Aí tem história.

- Tem, mas é longa - respondeu ele, desviando o olhar.

Clara me lançou aquele olhar de "eu te disse que ele era interessante".

- Pois é, Leon - disse ela, pegando uma caixa de enfeites -, aqui as férias não existem. Todo mundo trabalha no Natal, até os visitantes.

- Já percebi - respondeu ele, sorrindo. - A Isadora me recrutou também.

- Claro! - falei, fingindo inocência. - Tradição é tradição.

Passamos a manhã decorando o coreto. Leon ficou encarregado das luzes - o que, para minha surpresa, ele fez com perfeição. Em certo momento, o fio se enrolou em torno dele e, rindo, ele olhou pra mim.

- Acho que virei parte da decoração.

- É o preço por ajudar - brinquei, tentando não corar demais.

O riso dele se misturou ao som das risadas das crianças e ao sino da igreja marcando o meio-dia. Era como se a cidade toda vibrasse em um ritmo próprio, leve, contagiante.

Quando finalmente terminamos, a praça estava um encanto - cheia de guirlandas, luzes piscando e um enorme presépio de madeira feito pelo seu Osvaldo, o carpinteiro da cidade.

Leon olhou ao redor, impressionado.

- É lindo. Não sabia que um lugar tão pequeno podia ter tanta... alma.

- É o que sempre digo - respondi, sorrindo. - O Natal aqui não é só uma data. É um sentimento.

- E você? - perguntou ele, virando-se para mim. - O que sente no Natal?

Pensei por um momento.

- Que a vida, por mais simples que seja, é cheia de coisas bonitas. A gente só precisa prestar atenção.

Ele me olhou de novo, e o silêncio que se formou entre nós dizia mais do que qualquer música poderia.

---

Mais tarde, de volta ao hotel, Leon ficou no salão, dedilhando o violão, como se tentasse arrancar alguma nota escondida dentro dele. Eu observava de longe, escondida atrás da porta. Os dedos dele se moviam com delicadeza, mas o som saía hesitante, como se a música estivesse presa, resistindo.

Ele suspirou, frustrado, e largou o violão na mesa.

- Não consigo - murmurou.

- Talvez esteja tentando demais - falei, entrando no salão.

Ele ergueu o olhar, surpreso.

- Está me espionando?

- Só um pouquinho - admiti, sorrindo. - É que... gosto de ver quem tenta fazer a música voltar.

Leon passou a mão nos cabelos, rindo de leve.

- Você fala como se fosse simples.

- Não é - disse, sentando à frente dele. - Mas às vezes, quando a gente para de buscar as notas, elas voltam sozinhas.

Ele ficou em silêncio, olhando pra mim, e o ar pareceu mais denso.

- Você sempre fala assim?

- Assim como?

- Como se o mundo fosse mais bonito do que realmente é.

Sorri.

- Talvez seja. A gente é que esquece de olhar.

Leon me observou por um tempo, depois pegou o violão novamente e começou a tocar - devagar, como quem testa o terreno. O som saiu mais firme dessa vez, e uma melodia suave encheu o ar.

Fiquei imóvel, com medo de estragar aquele momento. Quando ele terminou, o silêncio voltou, mas era outro tipo de silêncio. Um silêncio cheio de vida.

- Viu? - disse baixinho. - Ela ainda está aí.

Ele me olhou com um brilho novo nos olhos.

- Talvez você tenha razão, Isadora.

E naquele instante, eu soube. Havia algo crescendo ali, entre nós - algo que nem o Natal, nem a distância, nem o tempo poderiam apagar.

{...}

                         

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