Mais cedo, Dante tentou me guiar para dentro, sua mão pressionando a base das minhas costas, representando o papel de marido dedicado para o benefício da equipe da casa.
Eu recuei de seu toque como se ele fosse radioativo.
A ofensa irradiou dele instantaneamente.
Seu ego era tão grande que tinha sua própria força gravitacional; ele não conseguia entender por que eu não queria dividir a cama com o homem que acabara de me humilhar no banco de trás de um SUV.
Terminei de enfaixar meu tornozelo com uma bandagem elástica, apertando-a bem.
A dor era real. Era concreta.
Ao contrário do "amor" que Dante afirmava ter por mim.
Uma batida hesitante soou na porta.
Eu não respondi.
A porta se abriu de qualquer maneira.
Não era Dante.
Era Martha, a chefe de Recursos Humanos das operações legítimas da Família.
Ela parecia pálida, seus olhos dardejando nervosamente pelo quarto.
Ela segurava um tablet contra o peito como um escudo.
"Sra. Moretti", disse ela, sua voz fina. "Eu... eu preciso da sua assinatura."
"Para quê, Martha?"
"As ordens de transferência."
Franzi a testa, me ajeitando na cama. "Que transferência?"
Ela se aproximou com passos hesitantes e me entregou o tablet.
Olhei para a tela, a luz azul forte no quarto escuro.
*Transferência de Liderança de Projeto: Revitalização do Porto de Santos.*
*De: Helena Vitti-Moretti.*
*Para: Sofia Ricci.*
O ar saiu dos meus pulmões de uma vez.
"Ele fez isso", sussurrei, a traição com gosto de cinzas.
"O Sr. Moretti ordenou há uma hora", disse Martha, sua voz tremendo. "Ele disse... ele disse que você estava se afastando por motivos de saúde. Estresse."
Levantei-me, ignorando o grito de protesto do meu tornozelo ferido.
"Ele está dando uma operação de lavagem de dinheiro multimilionária para uma mulher cuja única qualificação é dormir com ele?"
Martha olhou para seus sapatos sensatos, incapaz de encontrar meu olhar.
"Ele disse que ela tem uma visão."
Joguei o tablet na cama. Ele quicou inofensivamente no edredom.
Isso não era apenas infidelidade.
Isso era um golpe.
O Porto era meu bebê.
Eu subornei os funcionários da prefeitura. Eu projetei os compartimentos ocultos nos contêineres.
Eu criei o labirinto de empresas de fachada que tornava o dinheiro irrastreável.
Era o meu território.
E ele o estava entregando a uma estranha.
"Estou indo para a Sede", anunciei.
"Sra. Moretti, por favor", implorou Martha, dando um passo para trás. "Ele está em uma reunião. Ele deu ordens estritas-"
"Eu não me importo com as ordens dele."
Não me preocupei em trocar de roupa.
Saí mancando do quarto, forçando-me a descer a grande escadaria e sair pela porta da frente.
Ignorei o motorista e peguei meu próprio carro.
Dirigi até a Sede da Família, na Faria Lima.
Toda vez que eu pisava no freio, agulhas incandescentes subiam pela minha perna, mas eu acolhia a agonia.
Isso me mantinha focada.
Os guardas na recepção pareceram nervosos quando me viram entrar, mancando, mas furiosa.
"Sra. Moretti, não estávamos esperando você-"
Passei por eles até o elevador sem dizer uma palavra.
Fui direto para o último andar.
O escritório de Dante.
Através das paredes de vidro que eu mesma projetei, eu os vi.
Dante estava sentado em sua mesa.
Sofia estava sentada na beirada dela, com as pernas cruzadas.
Ela segurava um rolo de projetos. Meus projetos.
Ela estava usando uma caneta vermelha para desenhar sobre minhas linhas.
Ela estava rindo.
Empurrei a pesada porta de vidro.
Ambos olharam para cima.
"Helena", disse Dante. Ele parecia cansado, não arrependido. "Vá para casa."
"Você deu a ela o meu projeto", eu disse, minha voz mortalmente calma.
"Eu o reatribuí", ele corrigiu. "Você está muito emotiva agora. Precisa descansar."
"Ela não sabe como estruturar as contas", eu disse, apontando um dedo trêmulo para Sofia. "Ela vai nos levar todos para a cadeia em um mês."
Sofia pulou da mesa.
Ela caminhou até mim, vestindo o paletó de Dante sobre o vestido.
Era uma afirmação. Uma disputa territorial.
"Eu tenho um diploma em design de interiores", disse ela com arrogância, jogando o cabelo. "Acho que consigo lidar com alguns armazéns."
"Design de interiores?", eu ri. Foi um som áspero e quebrado que arranhou minha garganta.
"Não estamos escolhendo cortinas, sua idiota. Estamos lavando dinheiro sujo."
Dante bateu a mão na mesa.
"Chega!", ele rugiu.
Ele se levantou e caminhou até nós.
Ele se colocou entre mim e Sofia.
Protegendo-a.
"Sofia é a líder do Porto", disse ele, seu tom final. "Está feito. Você está dispensada de suas funções, Helena. Volte para a mansão e planeje o cardápio da Gala. É nisso que você é boa."
Ele estava me rebaixando.
Ele estava me reduzindo a uma dona de casa.
Olhei para ele, realmente olhei para ele.
Não vi um Capo.
Vi um tolo.
"Você acha que pode pegar meu trabalho e dar a ela?", perguntei suavemente.
"Eu posso fazer o que eu quiser", disse ele, pairando sobre mim. "Porque eu sou seu marido."
"Tudo bem", eu disse.
Eu me virei.
"Onde você vai?", ele perguntou.
"Planejar a Gala", menti.
Eu saí.
Não fui para a mansão.
Fui para o meu escritório no final do corredor.
Embalei uma única caixa.
Não com itens pessoais.
Mas com as chaves de criptografia das empresas de fachada.
Se ele queria o projeto, podia ficar com o concreto e o aço.
Mas o dinheiro?
O dinheiro ia comigo.