"Sim, minha filha", afirmei, meu tom não deixando espaço para discussão. "E sua esposa está esperando, Sr. Rossi. Sugiro que dê atenção a ela." Meu olhar se voltou para Clara, cujo rosto havia se endurecido em uma máscara de fúria educada.
Cristiano, meu Cristiano, saiu da cozinha, secando as mãos em uma toalha. Ele viu Dante, viu a tensão, e seu sorriso fácil desapareceu. Ele se moveu para o meu lado, uma presença silenciosa e reconfortante.
"Tudo bem, Alice?", ele perguntou, sua voz baixa e firme. Seus olhos, quentes e tranquilizadores, encontraram os meus, depois se voltaram para Dante com um aviso.
Os olhos de Dante se estreitaram para Cristiano.
"Quem é você?", ele exigiu, sua voz de repente dura.
"Cristiano Bernardes", respondeu Cristiano, estendendo uma mão que Dante ignorou. "Coproprietário do O Refúgio. Algum problema, senhor?"
A acusação no tom de Cristiano era clara. Dante hesitou, seu olhar varrendo nós dois, o círculo protetor que formamos ao redor de Ema. Ele viu minha aliança, uma simples faixa de prata que Cristiano me dera no ano passado, e seus olhos escureceram. Raiva, fria e possessiva, brilhou neles.
"Nenhum problema", murmurou Dante, finalmente se virando para Clara. "Vamos. Temos uma reserva."
Ele passou por mim, mas seus olhos demoraram em Ema por uma fração de segundo a mais. Um arrepio percorreu minha espinha. O fantasma do nosso passado não apenas retornara, mas trouxera sua família à minha porta.
Mais tarde naquela noite, muito depois de Dante e sua comitiva terem se instalado em suas suítes, me peguei traçando a cicatriz fraca em meu pulso. Era um lembrete, um testamento físico da vida que eu quase perdi e da vida pela qual lutei para construir.
Dante Rossi. O nome tinha gosto de cinzas na minha boca. Ele era o garoto de ouro, o titã da tecnologia que se fez sozinho, a história de superação que a mídia adorava. Mas sua "superação" era uma narrativa cuidadosamente elaborada, tecida com fios de pena e manipulação. Minha pena. Os recursos da minha família.
Lembro-me do dia em que o vi pela primeira vez. Um jovem bruto e raivoso, mal com dezoito anos, pego em uma briga de rua perto do canteiro de obras do meu pai em uma parte mais barra-pesada de São Paulo. Eu, uma socialite ingênua brincando de fazer caridade, havia tropeçado na cena. Ele estava em desvantagem numérica, sangrando.
Eu intervi, tolamente, e ganhei um corte feio no braço no processo. Ele olhou para mim então, seus olhos queimando com uma mistura de fúria e algo mais que eu não conseguia decifrar. Vergonha, talvez. Ou cálculo.
Levei-o a uma clínica próxima, paguei por seus pontos. Ele me disse que seu nome era Dante. Era órfão, disse ele, se virando como podia, brilhante, mas preso. Sua história, contada com uma intensidade silenciosa, tocou algo profundo dentro de mim. Ele falou de uma mãe falecida, uma mulher de traços marcantes, que sempre acreditou nele. Ele me mostrou uma foto gasta dela. Ela era linda, com maçãs do rosto altas e olhos intensos.
Eu o limpei, o alimentei. Vi além da sujeira e da raiva a inteligência feroz em seus olhos, a fome de provar seu valor. Vi um projeto, uma alma para salvar. Meu pai, um magnata do mercado imobiliário com um fraco pelo meu idealismo, ouviu pacientemente enquanto eu contava a história de Dante.
"Ele tem potencial, pai", eu implorei. "Ele só precisa de uma chance."
Meu pai, um homem que construiu seu império do nada, viu um reflexo de sua própria juventude na ambição de Dante. Ele ofereceu a Dante uma bolsa de estudos na FGV, uma chance de escapar de seu passado. Dante, com uma intensidade crua que me emocionava e me assustava, aceitou.
Ele se destacou. Notas máximas, projetos de programação que impressionavam seus professores, uma determinação implacável que fazia todos ao seu redor parecerem lentos. Meu pai, impressionado, acolheu Dante sob sua asa após a formatura, ensinando-lhe os segredos dos negócios, apresentando-o à sua rede de contatos. Dante era como uma esponja, absorvendo tudo, sempre forçando, sempre aprendendo. Ele estava em todos os lugares, em nossas vidas, em nossa casa, tornando-se quase um filho substituto para meu pai.
Eu o admirei, depois me apaixonei por ele. Não foi um fogo lento. Foi uma avalanche súbita e avassaladora. Sua ambição, sua inteligência, a maneira como ele me olhava como se eu fosse a única pessoa que realmente o entendia. Eu me convenci de que era amor. Um amor profundo, nascido da luta compartilhada, de eu acreditar nele quando ninguém mais acreditava.
Então, a tragédia aconteceu. Minha mãe, lutando contra uma longa doença, piorou de repente. Meu pai, desesperado, tentou realizar seu último desejo – um tipo específico de orquídea rara que ela amava. Ele dirigiu para outro estado, desesperado para encontrá-la. No caminho de volta, recebeu a ligação de que minha mãe havia partido.
Em sua dor e pressa, ele perdeu o controle do carro. Morreu na hora, uma orquídea vibrante esmagada sob os destroços, encharcada com seu sangue.
Em um único dia devastador, perdi meus dois pais. Meu mundo implodiu.
Dante estava lá. Ele se tornou minha rocha, minha âncora na tempestade. Ele cuidou de tudo – os arranjos do funeral, as questões legais, me protegendo dos abutres que circulavam o império subitamente vulnerável do meu pai. Ele era forte, firme, inabalável.
Uma noite, depois que o último convidado do velório foi embora, Dante se ajoelhou diante de mim, seus olhos cheios de um amor cru e desesperado.
"Alina", ele disse, sua voz embargada de emoção, "deixe-me cuidar de você. Deixe-me ser sua família. Seu pai me deu tudo. Eu juro, vou passar minha vida garantindo que você nunca se sinta sozinha, que nunca lhe falte nada." Ele tirou uma pequena caixa de veludo. Dentro, um anel de diamante, simples, mas elegante. "Case-se comigo. Deixe-me proteger você."
Eu estava perdida, de coração partido, agarrando-me à única estabilidade que me restava. Eu disse sim. Ele me prometeu um novo começo, uma vida inteira de devoção. Eu acreditei nele. Eu queria acreditar nele. Eu precisava.
Olhando para trás, a cicatriz em meu pulso latejava. A dor era mais do que física. Era a dor de um coração ingênuo, confundindo gratidão com amor, desespero com destino. Eu era tão jovem, tão vulnerável. Ele tinha sido tão convincente.
Eu lhe dei tudo. Meu amor, minha confiança, o legado da minha família. Ele pegou tudo. E então ele tentou levar minha própria alma.
O eco doloroso daquele passado parecia perigoso agora. Dante estava aqui. E seu olhar em Ema, minha Ema, era uma ameaça para a qual eu não estava preparada.