O cheiro de antisséptico e café velho encheu minhas narinas enquanto eu lentamente recuperava a consciência. Minha cabeça latejava, uma dor surda e insistente atrás dos meus olhos. Meu corpo parecia pesado, lento, como se eu tivesse sido arrastada pelo concreto.
"Elisa? Você consegue me ouvir?" Uma voz familiar, quente e carregada de preocupação, cortou a névoa.
Pisquei, tentando focar. Hugo. Seu rosto, geralmente tão composto, estava marcado pela preocupação. Ele estava sentado ao lado da minha cama de hospital, sua mão gentilmente segurando a minha.
"Hugo?" Minha voz era um coaxar, minha garganta seca e áspera. "O que... o que aconteceu?"
Ele apertou minha mão. "Você está no Sírio-Libanês. Você foi encontrada inconsciente na abertura da galeria do Heitor. Alguém ligou para o 192." Seu olhar caiu para o meu braço, depois para o meu abdômen, onde um curativo estava firmemente enrolado. "Você foi... agredida, Elisa. E drogada."
As memórias, fragmentadas e horríveis, começaram a voltar. A galeria. O rosto sorridente de Heitor. Os olhos predatórios de Dália. Os olhares. A humilhação. O empurrão. A faca. A dor lancinante. A vergonha. Os rostos dos homens, suas câmeras piscando. O vazio aterrorizante enquanto eu caía.
Minha respiração engasgou. Meu corpo começou a tremer incontrolavelmente, um tremor profundo e visceral que sacudiu todo o meu corpo. O puro terror daquela noite, a total impotência, me invadiu. Eu queria gritar, mas nenhum som saiu.
O aperto de Hugo se intensificou. "Ei, ei, está tudo bem. Você está segura agora. Você está segura." Ele olhou para mim, seus olhos cheios de uma proteção feroz. "Eles não se safaram, Elisa. Nós os pegamos."
"Quem?", sussurrei, minha voz ainda fraca.
"Dália. E os homens que ela contratou. Temos provas. Seu telefone gravou tudo, Elisa. Cada palavra que ela disse, cada ordem que ela deu àqueles monstros." Sua voz era baixa, firme, inabalável. "Ela foi presa. Todos eles foram."
Uma estranha calma começou a se instalar sobre mim, arrepiante e profunda. Dália. Presa. A mulher que orquestrou minha humilhação pública e agressão horrível. Um pequeno e escuro canto do meu coração sentiu um lampejo de satisfação sombria.
"E o Heitor?", perguntei, o nome um gosto amargo na minha língua. A última memória coerente que eu tinha era dele, parado sobre mim, dissecando verbalmente minha dor, seus olhos frios e distantes.
A mandíbula de Hugo se contraiu. "Ele é... complicado. Ele não esteve envolvido na agressão física, mas estava na sala ao lado com Dália enquanto acontecia. E ele não fez nada para impedir." Sua voz continha uma nota de nojo. "Ele está negando tudo, é claro. Fazendo-se de vítima."
Fechei os olhos, a memória de sua traição, de seu abandono final, perfurando minha frágil determinação. Enquanto eu lutava pela minha vida, sendo drogada e fotografada, ele estava a apenas uma sala de distância, com ela. O pensamento me deixou fisicamente doente.
"As fotos", sussurrei, abrindo os olhos. "Os homens... eles tiraram fotos. Disseram que iam leiloá-las na dark web." A vergonha, quente e avassaladora, ameaçou me consumir.
Hugo apertou minha mão gentilmente. "Nós sabemos. E nós paramos. Ou melhor, ele parou."
"Ele?", perguntei, confusa.
"Heitor. Ele comprou todas. Cada uma. E as destruiu. Substituiu por imagens falsas para o leilão da dark web, apenas para ganhar tempo. Ele me disse que não podia deixar aquelas imagens suas por aí, Elisa." Hugo fez uma pausa, seu olhar suavizando um pouco. "Ele está um caco, Elisa. Um homem completamente quebrado. Ele tem tentado te contatar constantemente. Desculpas, súplicas... ele está implorando por uma chance de explicar."
Meu telefone, deitado na mesa de cabeceira, de repente acendeu. Uma enxurrada de mensagens. Todas de Heitor. Eu quase podia ouvir sua voz frenética, seus apelos desesperados. Mas tudo o que eu via era seu rosto, frio e indiferente, enquanto eu sangrava no chão da galeria. Tudo o que eu ouvia era a risada triunfante de Dália.
*Ele está um caco. Ele está quebrado.* As palavras ecoaram em minha mente, e uma risada amarga e oca escapou dos meus lábios. "Ele está um caco, é? Bom para ele. Eu não me importo." Minha voz era plana, desprovida de emoção. "Ele fez a cama dele. Agora ele que deite nela."
Hugo olhou para mim, sua expressão indecifrável. "Ele tem se autodestruído, Elisa. A carreira dele está em ruínas. A abertura da galeria foi um desastre. Sua imagem pública está estilhaçada sem reparo. Ele perdeu tudo."
"E isso deveria me fazer sentir melhor?" Minha voz estava mais afiada agora, uma frieza entrando nela. "Ele perdeu a carreira. Eu quase perdi minha vida. E minha dignidade." Peguei meu telefone, rolei pelas mensagens frenéticas de Heitor e, então, com uma quietude deliberada, eu o bloqueei. Permanentemente.
"Ele tentou te reconquistar, Elisa", disse Hugo, sua voz hesitante. "Ele realmente tentou. Ele pagou uma fortuna por aquelas fotos. Ele lutou para recuperá-las. Ele até tentou parar o leilão."
"Tarde demais, Hugo", eu disse, meu olhar fixo na tela em branco do meu telefone. "As ações dele naquela noite falaram mais alto do que quaisquer palavras, quaisquer grandes gestos agora. Ele a escolheu. Ele me viu sofrer. Ele me abandonou. Não há como voltar disso."
Uma reportagem de notícias soou de repente da TV comunitária na sala de espera do hospital, um barulho alto e estridente que cortou o silêncio do meu quarto. Uma enfermeira rapidamente a silenciou, mas não antes de eu vislumbrar a manchete: "Abertura da Galeria de Heitor Bastos Termina em Escândalo: Modelo Dália Ferraz Presa, Carreira do Fotógrafo em Queda Livre."
Uma estranha sensação de distanciamento me invadiu enquanto eu assistia às imagens sem som. Âncoras de notícias discutiam a "reviravolta chocante dos eventos", a "queda de um artista celebrado". Eles mostraram fotos borradas de Dália sendo levada algemada. Então, uma breve e granulada foto de Heitor, seu rosto pálido e abatido, cercado por câmeras piscando. Ele parecia totalmente derrotado.
Eu não senti nada. Nenhuma pena. Nenhuma satisfação. Apenas um espaço vazio onde meu coração costumava se partir por ele. O homem naquela tela era um estranho.
"Ele tem tentado entrar para te ver", disse Hugo, quebrando o silêncio. "Ele está lá fora, na sala de espera. Ele está lá há horas."
Minha mandíbula se contraiu. "Diga a ele para ir embora." Minha voz era fria, inabalável. "Diga a ele que nunca mais quero vê-lo."
Hugo assentiu, sua expressão sombria. "Eu já disse. Ele não vai. Ele diz que precisa te dizer algo, se desculpar."
"Ele teve sua chance", eu disse, fechando os olhos. A imagem dele, parado sobre mim, com Dália ao seu lado, estava gravada em minha memória. "Ele teve sua chance de ser um marido. Ele escolheu ser cúmplice dela."
Abri os olhos, uma nova determinação endurecendo meu olhar. Eu sobrevivi. Eu me curaria. E eu reconstruiria minha vida, sem Heitor Bastos, sem suas mentiras, sem suas sombras tóxicas.
"E a Dália?", perguntei, minha voz plana. "O que vai acontecer com ela?"
Hugo se inclinou para frente, sua voz firme. "Nós a pegamos em várias acusações, Elisa. Agressão, conspiração, tentativa de chantagem. Dada a premeditação, a drogadição e a intenção de distribuir as fotos ilícitas, ela está enfrentando um tempo significativo na prisão. A carreira dela acabou. Sua reputação, irrevogavelmente manchada."
"Ótimo", eu disse, a palavra um sussurro. "Ela merece cada pedaço disso."
Meu olhar se desviou para a janela, as luzes da cidade piscando à distância. Um novo amanhecer. Uma nova vida. Não seria fácil. As cicatrizes permaneceriam. Mas eu estava viva. Eu estava livre. E eu estava finalmente, de verdade, no controle da minha própria história.
Olhei para Hugo, meu amigo fiel. "Hugo", eu disse, um leve sorriso tocando meus lábios. "Obrigada. Por tudo."
Ele sorriu de volta, um sorriso genuíno e caloroso que alcançou seus olhos. "Sempre, Elisa. Sempre." Ele se levantou, dando um último aperto na minha mão. "Agora, vamos te dar alta. Você tem uma nova vida para começar."
Eu assenti, uma sensação de determinação silenciosa se instalando no meu peito. A luta ainda não tinha acabado, não totalmente. Mas a primeira batalha havia sido vencida. E eu estava pronta para a próxima. Eu estava pronta para qualquer coisa. E Heitor Bastos, o homem que me amou e me traiu, logo perceberia que a mulher que ele pensava possuir estava agora completa, irrevogavelmente, fora de seu alcance.