"O homem que eu amava me deu flores. Depois, me deu como pagamento."
A sensação era de estar presa num pesadelo do qual não se acorda. O carro seguia por uma estrada escura, e tudo o que eu via pela janela era o reflexo de mim mesma. Uma garota de vinte e dois anos, com olhos secos, mas alma em ruínas.
Eu amava Giovanni. Acreditava em cada promessa. Em cada beijo. Ele dizia não se importar com a minha origem. Dizia que os Moretti me amariam assim como ele. Acreditei quando prometeu me proteger. Quando disse que eu era dele.
Mas ele se aproveitou da minha confiança. Da minha ingenuidade. Sabia que ninguém viria atrás de mim.
Pois eu... não tenho ninguém.
Meus pais se foram em um acidente quando eu tinha três anos. E meu querido tio, que me amou e me acolheu, morreu quando eu tinha dezesseis.
E hoje... hoje Giovanni me entregou para a máfia.
"Ela é virgem. É perfeita para o acordo."
Essas foram as palavras dele. Como se minha pureza fosse moeda de troca. Como se meu corpo fosse apenas um bem valioso.
Eu não resisti. Nem implorei.
Sabia que estava sozinha. Ninguém me defenderia. Eu não tinha chances.
Também não chorei.
A dor era funda demais para escapar pelos olhos. E o ódio... ele ainda estava sendo construído.
O carro parou diante de um portão alto de ferro. Câmeras. Guardas. Metralhadoras. Era como entrar num covil. Ou melhor... ser jogada aos lobos.
Um dos homens abriu a porta e me puxou para fora.
- Não tente nada estúpido, garota. Ele odeia rebeldes.
"Ele."
O homem que me comprou.
Dante Vitale.
Don da máfia italiana. Temido por políticos. Respeitado por criminosos. Conhecido por matar com as próprias mãos quando necessário.
E agora... dono do meu destino.
A mansão era enorme, escura, silenciosa. Tinha mais ares de prisão de luxo do que de lar. Cada passo meu ecoava no chão de mármore com um peso que não era só físico, era moral.
Eu estava sendo levada como um objeto. Mas mesmo com medo, levantei o queixo. Se era isso que restava de mim, então pelo menos... eu cairia de pé.
E foi então que o vi.
De costas, no centro do saguão. Alto. Imponente. Os ombros largos cobertos por um paletó negro impecável. A luz do lustre refletia no relógio prateado em seu pulso e nos cabelos perfeitamente penteados.
Ele se virou.
Meu coração congelou.
Cabelos escuros. Barba marcada. Um olhar cinzento que parecia atravessar tudo o que eu era. Dante Vitale tinha o tipo de beleza que não devia existir em homens perigosos.
Mas ali estava ele. Lindo...
- É isso? - ele perguntou, sem emoção. - Foi isso que me mandaram?
Eu não respondi.
Ele caminhou até mim. Devagar. Como quem analisa uma mercadoria nova.
O olhar percorreu meu rosto, depois meu corpo... e voltou para os meus olhos.
- Seu nome.
- Valentina. - Minha voz saiu firme, mesmo com a garganta seca. - Valentina Rojas.
Ele não reagiu. Apenas inclinou levemente a cabeça, como quem grava a informação para usar depois.
- Quantos anos?
- Vinte e dois.
- Virgem? - perguntou com deboche. Engoli seco. Eu sabia por que ele queria saber. Foi por isso que me comprou.
- Sim.
Ele assentiu. Um gesto frio. Negócio fechado. Como se fosse só isso. Uma ficha preenchida.
- Boa.
- Boa pra quê? - disparei, o veneno escorrendo pelas palavras.
Ele sorriu. Frio. Letal.
- Você sabe exatamente pra quê.
- Sei, sim. Que um pervertido como você gosta de comprar virgens.
- Acha que te comprei pela sua pureza? - ele rebateu, frio.
- Não foi por isso? - perguntei confusa.
- Sua pureza não me interessa. Mas não posso negar... foi um bônus.
- Então por quê?
- Eu quero um herdeiro, e você vai me dar um.
Minha respiração falhou.
- Herdeiro? Eu não concordei com isso.
- Acredito que você não está em posição de decidir, senhorita Rojas.
- Por que precisa sequestrar alguém para isso? Já ouviu falar em adoção? Ou talvez, inseminação artificial?
- Primeiro que não sequestrei, paguei. E muito bem pela senhorita. - dei um passo para trás por reflexo, ao me lembrar do que Giovanni fez comigo. - E segundo, sabe quem eu sou? Não vou correr riscos indo a essas clínicas e acabar sendo enganado, e quero um herdeiro legítimo, sangue do meu sangue!
- Eu não aceito, não vou ter um filho seu.
- Já disse, não está nas suas mãos essa decisão.
Cruzei os braços, mesmo tremendo por dentro. Eu não ia dar a ele o gosto de ver meu medo.
- E o que me impede de fugir?
Dante chegou mais perto. Perto o bastante para eu sentir o perfume caro que usava. Um cheiro amadeirado. Envolvente. Mas cruel.
Ficou perto o bastante para que meu corpo me traísse... mesmo sabendo quem ele era.
Ele abaixou a cabeça e murmurou:
- Nada impede. Mas você vai descobrir... que ninguém foge de mim. Nem o passado. - Dante segurou meu queixo com firmeza. - Nem o futuro.
Ele me soltou e então se virou para falar com o guarda:
- Levem-na para o quarto da ala leste.
- Qual deles, senhor?
Ele olhou por cima do ombro. O olhar era de aço puro.
- O mais próximo do meu. - Essas foram suas últimas palavras antes de me dar as costas novamente.
O guarda me conduzia em silêncio. Segurava meu braço com firmeza, mas não me olhava nos olhos.
Parou diante de uma porta, a abriu com força e me empurrou para dentro.
Não tive chance de questionar. A porta se fechou atrás de mim com um tranco seco. O som do trinco ecoou alto. Definitivo.
O quarto era grande, mas gelado. Uma cama de casal enorme. Lençóis brancos impecáveis. Uma bandeja com comida que eu não pedi. E não havia nada ali que me fizesse lembrar que eu ainda era livre.
Não havia janelas. Só uma porta. E um silêncio que gritava.
Sentei na beira da cama, tentando processar tudo. Minha vida mudou por causa de um bilhete.
"Ela é virgem. É perfeita para o acordo."
Fechei os olhos. Eu ia sobreviver. Mesmo que, no final, não restasse nada de mim além de uma cicatriz.
A porta se abriu. E por instinto, me levantei.
Uma mulher entrou com uma caixa nas mãos.
- Sou Teresa. Você vai se lavar e vestir isso. O senhor Vitale quer vê-la depois do jantar.
- E se eu não quiser? - perguntei.
Ela não respondeu. Apenas deixou a caixa sobre a poltrona. Antes de sair, murmurou com frieza:
- Ele quer um herdeiro. E você foi comprada pra isso. Pelo seu bem... só obedeça.
Então ela saiu.
A humilhação gritou dentro de mim. Todos sabiam o meu propósito ali.
Um objeto. Uma barriga. Um nada. Uma ninguém.
Fui até o banheiro. Tirei a roupa. Entrei no banho. A água quente caiu sobre meu corpo... mas não limpou nada.
Não limpava a sujeira de ser vendida. De ser traída por quem prometeu me amar. De ser entregue como uma peça reprodutiva a um homem que nem sabia meu segundo nome.
Mas eu me vesti.
Era um vestido justo, preto, com decote indecente e tecido macio demais. Claramente escolhido por um homem que queria ver sua posse vestida de provocação.
Me olhei no espelho. O reflexo era de uma mulher que não se reconhecia mais.
Mas ainda havia fogo no olhar.
Se ele queria submissão, escolheu a garota errada.
A porta se abriu sem aviso.
Dante Vitale entrou.
Sem paletó, com a camisa preta aberta nos dois primeiros botões, revelando parte de um peitoral esculpido e tatuado. Dominante. Perigoso. Inaceitavelmente bonito. Que merda, por que ele tinha que ser lindo?
- Bonita. - disse, como se fosse um dado. - Mas não comprei você pela beleza.
"Não comprei você."
As palavras dele ecoaram novamente como uma sentença.
Ele se aproximou. Lento. Como quem estuda a próxima jogada. Seus olhos percorreram meu corpo.
Depois pousaram no meu rosto.
E então... ele disse:
- Não vai demorar, Valentina. Você vai entender seu lugar aqui. - ele estendeu a mão como se fosse tocar meu rosto, mas recuou.
- E qual é esse lugar? - desafiei, sem pensar.
Ele curvou os lábios num sorriso torto. Sombrio. Chegou tão perto que senti sua respiração quente roçar a minha pele.
- Em cima da minha cama. Com essas pernas abertas... comigo dentro de você. - ele se afastou, antes de concluir. - Só até deixar aí dentro o herdeiro que eu comprei.
E então ele saiu.
Me deixando tremendo. De raiva. De medo.
E de algo mais... que eu nem queria nomear.