Acordei, ou melhor, abri os olhos... Mas não me movi.
A noite tinha passado. Mas ele ainda estava ali. Nos meus pensamentos. No meu corpo.
Eu não dormi, mas não foi por causa da cama. Nem por medo do lugar. Mas por causa dele.
Dante Vitale.
O homem que me comprou. O homem que se deitou sobre mim na cama como se fosse natural. Como se eu fosse dele. E por alguns segundos... meu corpo acreditou que era.
A lembrança me invadiu em ondas sujas:
Sua mão subindo pelas minhas coxas. Seu corpo sobre o meu. O membro rijo pressionando entre minhas pernas. O calor da respiração dele no meu pescoço. O sussurro rouco no meu ouvido.
"Porque eu estou."
Ele disse aquilo com a certeza de quem sabe que vai ter o que quer. E o pior? Meu corpo respondeu. Arrepios. Calor. O gemido que escapou, mesmo que eu tenha tentado segurar.
Foi meu corpo quem reagiu. Não eu.
Eu o odeio. Odeio o que ele representa. Odeio estar aqui.
Mas... ainda assim, meu corpo lembrou dele a noite toda. E isso me destrói.
A porta se abriu devagar. Sentei na cama, ajeitando o vestido. Teresa entrou carregando uma bandeja.
- Bom dia, senhorita Rojas - disse, com a mesma expressão neutra de ontem.
Assenti com a cabeça. Não tinha forças para responder mais do que isso. Ela pousou a bandeja sobre a mesa e, então, estendeu um cabide com o que parecia ser um novo vestido.
Ele era curto, justo e vermelho. Minha garganta se apertou.
- Isso é para mim? - perguntei, encarando o tecido como se fosse uma nova sentença.
- Ordem do senhor Vitale. Para hoje.
- Claro... - murmurei, tentando manter o tom calmo. - Porque é isso que eu sou agora, não é? Uma boneca para vestir como ele quiser, usar perfume de prostituta, quem sabe até no final do dia eu faça um striptease.
Teresa não respondeu. Não era culpa dela. Mas mesmo assim... Doía.
- Você quer comer na cama ou na mesa? - ela perguntou, educada.
- Aqui mesmo. Obrigada.
Ela assentiu e me observou por alguns segundos. E caminhou até a cama para entregar a bandeja.
- Eu sei que não parece agora, mas... às vezes, é melhor obedecer do que sofrer.
Ergui os olhos para ela.
- Obedecer nunca salvou ninguém, Teresa. Apenas adia o sofrimento.
- Então é melhor adiá-lo. Vou tentar trazer outro perfume e ver a possibilidade de roupas menos ousadas.
Ela colocou a bandeja em meu colo.
- O senhor Vitale limitou seus recursos, e achei que esses produtos eram melhor que nada.
- Um don cheio da grana e mão de vaca. - eu disse com deboche.
- Coma, senhorita Rojas, e fique pronta, que logo voltarei para buscá-la.
- Me buscar? - perguntei confusa.
- Sim, essas foram as ordens dele. Café, roupas e depois... Ele.
Por um momento esqueci de respirar, o que será que Vitale quis dizer com isso?
"depois ele".
Tentei sorrir para a Teresa. Não podia demonstrar fraqueza a ninguém.
- Obrigado, Teresa. E por favor, me chame de Valentina.
- Como quiser, Valentina. - Ela me disse com um sorriso acolhedor.
Antes de sair, ela ajeitou o vestido, me deixou o café e o gosto amargo da humilhação.
Olhei para a comida. Meu estômago roncava, mas minha garganta ainda estava fechada.
Eu não sabia mais se estava com fome... ou com nojo de mim mesma.
Minha mente me levou até Giovanni. A confiança quebrada. O amor perdido. E a promessa de um "para sempre" que nunca vai existir. Eu só queria esquecer tudo isso, que um dia ele existiu na minha vida. Queria poder desaparecer.
Mas não podia. Estava presa. E pior... presa a um homem que meu corpo começa a reconhecer e a... a desejar. Mas ele não vai me possuir facilmente. Não enquanto ainda restar algo de mim.
Terminei o café sem fome. Só por obediência. Só para que ninguém dissesse que eu estava fraca. Me levantei e fui até o vestido. Toquei o tecido como quem toca uma algema de seda.
Ele não era nada parecido com o que costumo usar. Esse aqui, foi feito para agradar olhos masculinos... não para vestir dignidade.
Me troquei em silêncio, com movimentos lentos. Não queria encarar o reflexo no espelho, mas acabei olhando. Quem é essa mulher cuja imagem refletia neste momento?
Com o corpo exposto, a alma rasgada... E ainda assim, o olhar queimando em desafio.
Respirei fundo. Eu ainda estava aqui. Ainda era eu mesma. Mesmo que ninguém acreditasse nisso. Teresa voltou minutos depois.
Olhou para mim com um olhar que dizia que não estava fácil para ela também.
- Está pronta? - Assenti.
Caminhamos em silêncio pelos corredores longos da mansão. Tudo ali exalava poder, mas não calor. Nenhuma parte da casa parecia viva.
- Estamos indo para o quarto dele? - perguntei, tentando manter o tom casual.
Teresa soltou um leve sorriso. Mas era um sorriso sem humor.
- Ninguém entra no quarto do senhor Vitale. Nem mesmo as mulheres de uma noite.
Meu peito apertou. Então era isso? Ele me comprou. Me exigiu. Quer me marcar. Mas nem mesmo vai me dar o desgosto... de ser usada em sua cama?
O incômodo queimou minha garganta. Parte vergonha. Parte raiva.
Eu era menos que uma mulher de uma noite? Ou pior... igual a todas elas?
Paramos diante de uma porta. O coração acelerou no peito, mas eu mantive a postura.
- Ele está esperando - disse Teresa. Assenti e entrei.
Dante estava lá.
De pé, ao lado de uma mesa com dois copos de uísque. Sem paletó, com uma camisa preta novamente, mangas dobradas, os dois primeiros botões abertos. Como se o poder fosse um segundo tecido sobre a pele dele.
Ele me olhou. Não com surpresa. Não com desejo. Com domínio.
- Uísque às oito da manhã? - perguntei com deboche.
- Clareia as ideias. - respondeu firme. - Gostou do vestido? - perguntou com um sorriso, cretino!
- Não. - retruquei firme.
- Então por que o colocou? - disse ele, erguendo o copo.
- Só porque me mandaram.
- Bom, está aprendendo. Já é um começo. - Ele respondeu e me aproximei, sem medo.
- Por que não me levou ao seu quarto? - Ele me encarou, a sombra de um sorriso frio nos lábios.
- Porque aquele é o meu quarto. Ele é intocável. E nenhuma mulher se provou merecedora de estar nele.
Ardi por dentro.
- Então estou sendo comparada às outras?
- Não. As outras, ao menos, sabiam o lugar delas. - Me aproximei mais.
- E qual é o meu lugar, senhor Vitale? - Ele deixou o copo sobre a mesa. Deu dois passos até mim.
- Seu lugar é onde eu quiser. Quando eu quiser. E da forma como eu quiser.
- E se eu não aceitar? - perguntei, erguendo uma das sobrancelhas. Ele chegou ainda mais perto.
- Vai aceitar.
- Tem certeza? - perguntei em desafio.
- Tenho.
E antes que eu respondesse, ele puxou minha cintura com firmeza e colou os lábios nos meus. Seu beijo era forte. Impositivo. Um ataque camuflado de prazer.
Meus punhos se fecharam. Meu corpo gritou. Mas não me afastei.
Porque, naquele instante...
o beijo me queimou mais do que o ódio.