Ela corria. Não em sua forma de loba; a fera interior estava mutilada demais pela dor da rejeição para se manifestar. Lyra corria em sua forma humana, sem fôlego e com o coração transformado em uma massa pulsante de gelo e fogo. Cada passo para fora do Forte Lunar era uma facada. O laço rompido gritava através de seus nervos como um arame farpado invisível que se retirava lentamente.
A floresta, que sempre fora seu refúgio, agora era um labirinto hostil. As árvores pareciam se inclinar, julgando-a. Ela sentia a presença dos lobos da Alcateia da Sombra, rastreadores silenciosos que não ousavam se aproximar por causa do poder residual que ainda a cercava, mas que observavam a mancha ômega fugir. Não a perseguiam para matá-la; perseguiam-na para garantir que ela cumprisse a ordem: ir embora e não voltar.
Lyra caiu. O joelho raspou contra uma rocha, mas ela não sentiu a dor do ferimento superficial, apenas a tortura em seu interior. Teve que se arrastar. Arrastou-se para debaixo de um carvalho centenário que marcava, ela sabia, o limite ocidental da Alcateia da Sombra. Se cruzasse aquela fronteira, a magia de Kael não conseguiria rastreá-la tão facilmente.
- Não. Não vou parar - sibilou Lyra, falando pela primeira vez desde que proferiu aquele fatídico "Aceito". A voz estava rouca, quase irreconhecível.
A rejeição vinha com uma maldição implícita: a perda total da força vital do rejeitado. Sem o laço, a magia interna de um lobo se deteriorava até a morte. Mas Kael não havia contado com a força da fúria de Lyra. A lágrima de fogo que ela havia sentido não era uma metáfora; era a ativação de um poder ancestral, selvagem e não regulado, que agora estava em guerra com o veneno da rejeição.
Ela deslizou para além do carvalho. Caiu no chão, tremendo incontrolavelmente. O ar parecia denso e o cheiro de pinho dava lugar a um aroma salgado e metálico, de sangue velho e terra úmida. Ela sentia que estava morrendo, e a parte mais racional de sua mente gritava para que ela se rendesse ao sono eterno.
Então, ela notou que a terra debaixo dela não era como a da Alcateia. Estava fria, mais fria do que o normal, e vibrava com uma energia distinta, uma que não era o calor da Deusa Lunar, mas algo mais primordial, mais antigo.
Lyra tentou se levantar, mas seu corpo a traiu. Caiu em uma poça de terra, e apenas a luz prateada de seus olhos, que acendia e apagava a cada batida errática de seu coração, demonstrava que ainda havia vida.
Foi então que ela o viu.
Não era um lobo, nem um humano.
Uma silhueta alta se destacava contra a pouca luz das estrelas. Não caminhava, mas parecia fluir sobre o chão. Não tinha o aroma de pinho da Alcateia; seu cheiro era de pedra molhada, ferro forjado e algo indefinidamente antigo, como o interior de uma caverna. Ele usava uma capa de peles escuras e um bastão nodoso, mais parecido com um galho de osso.
- Uma Luna Quebrada - a voz do estranho era um sussurro gutural, como o estalo da neve sob as botas. Não demonstrava surpresa, apenas uma profunda e sombria satisfação.
Lyra tentou uivar, tentou se transformar, tentou qualquer coisa, mas apenas conseguiu um arquejo.
O estranho se aproximou, sem medo da aura instável de Lyra. Seus olhos não eram os de um lobo; eram de uma profunda cor âmbar, antigos e penetrantes, com um conhecimento que parecia abranger séculos.
- A rejeição de um Alfa Supremo é um veneno lento. Vai te matar em menos de três dias.
- Quem... quem é você? - Lyra conseguiu arrastar.
O homem se inclinou, seu rosto sombrio e enrugado revelando cicatrizes geométricas. Ele tocou a testa de Lyra e ela sentiu a dor se intensificar, concentrando-se como ácido fervente. Lyra gritou, mas o som foi absorvido pela floresta.
- Eu me chamo Fenrir. Sou uma ponte entre os mundos, aquele que recolhe os que caem do laço e os que se rebelam contra a Deusa. E você, menina, você não é uma queda. Você é uma rebelião.
Fenrir retirou a mão e olhou para ela, avaliando-a.
- A fúria pela rejeição despertou seu sangue, um poder que a Deusa não esperava. É por isso que você ainda vive. Mas esse poder é uma arma de dois gumes. Vai te consumir se não for forjado. Você tem um dom que Kael Blackwood teme, mas lhe falta a vontade para usá-lo.
- Ele... ele me humilhou - disse Lyra, e a raiva tornou mais fácil falar do que a dor.
- O orgulho de um Alfa é a maior fraqueza. E Kael é o mais orgulhoso de todos. Ele te considerou inferior. Ele a despojou do seu destino. O que você fará a respeito? Vai morrer miseravelmente aqui, na poeira? Ou usará a cinza do seu laço rompido para incendiar o reino dele?
Lyra tossia, mas as palavras de Fenrir eram um salva-vidas, embora fosse feito de arame farpado. Morrer era fácil. Sobreviver e ver o arrependimento nos olhos de Kael... isso era vingança.
- Eu vou sobreviver - prometeu Lyra.
Fenrir sorriu, um gesto que não alcançava seus olhos.
- Sobreviver é para os ômegas. Você não vai sobreviver, Lyra. Você será forjada. Você será o fio da minha vingança, a tempestade que Kael conjurou sem saber. Eu te ofereço o caminho, a agonia para te converter no que o destino não te permitiu ser.
- O que... o que eu tenho que fazer?
- Esqueça a lua, a alcateia, a misericórdia - disse Fenrir. Sua voz ficou mais forte, quase um comando ritualístico. - Você renunciará a tudo o que você foi. Usaremos o veneno da rejeição como o combustível da sua nova magia. Mas será um tormento que fará a dor de Kael parecer o arranhão de um filhote. Se você falhar, se você se render à dor, você morrerá e sua alma será consumida pela própria alcateia. Você aceita o preço?
Lyra pensou em Kael, na frieza em seus olhos cinzentos, na humilhação diante do Conselho. A dor interna era uma promessa: se ela voltasse a ver aquele homem sem poder, morreria na hora.
- Eu aceito o tormento.
Fenrir assentiu com uma satisfação quase macabra. Ergueu seu bastão de osso e o cravou na terra ao lado de Lyra.
- Então, Luna Quebrada. Que comece a forja.
Fenrir começou a cantar. Não era uma melodia, mas uma série de estalidos, assobios e rosnados em uma língua que Lyra nunca tinha ouvido. O ar esfriou drasticamente. O cheiro de ferro tornou-se esmagador.
Da terra, onde o bastão havia sido cravado, brotaram raízes negras e retorcidas, envoltas em uma geada violenta. Essas raízes rastejaram, buscando o corpo de Lyra. Fenrir não a ajudou; apenas observou com os olhos âmbar fixos.
As raízes se enrolaram ao redor dos pulsos e tornozelos de Lyra, e depois ao redor de seu torso. Não a seguraram com força bruta, mas com uma magia de confinamento. Seu corpo se levantou levemente do chão.
- O veneno deve ser extraído - explicou Fenrir sem parar de cantar. - Sua alma está contaminada com a maldição do Alfa. Mas sua nova magia é forte, Lyra. Nós a usaremos para queimar essa maldição.
Uma das raízes, mais fina e afiada, deslizou em direção ao seu peito. Lyra sentiu um terror instintivo.
- Isso vai doer mais do que a rejeição - prometeu Fenrir.
A raiz se cravou bem onde o laço de companheirismo havia sido arrancado, em seu coração.
Um grito silencioso de agonia escapou de Lyra. Ela não conseguiu emitir som; a dor era tão absoluta que engoliu o ar e a voz. O frio prateado de sua própria magia se acendeu, e ela se viu lutando não só contra a dor, mas contra a força primordial das raízes de Fenrir.
Fenrir sorriu novamente, enquanto a luz prateada e a escuridão das raízes se confrontavam sobre o corpo de Lyra, em uma batalha por sua alma.
- É assim que a fraqueza se transforma em força. Lembre-se desta dor, Luna Quebrada. Faça-a sua. Converta a rejeição no fogo que consumirá o mundo de Kael. Se você sobreviver a esta noite, você será a Tempestade que ele não viu chegar.
A noite se fechou sobre Lyra, afogada no tormento e no primeiro juramento de vingança que fez o chão tremer sob a Alcateia da Sombra, a quilômetros de distância. Lyra já não era a ômega rejeitada. Era a forja.
A Luna Quebrada havia encontrado seu ferreiro.