A sala de reuniões era austera: pedra cinza polida, uma mesa de obsidiana no centro e, como único adorno, duas grandes tocheiras que projetavam sombras dançantes. Lyra, vestida com uma capa de viagem de lã preta que ocultava sua forma e sua armadura leve, já estava lá. Fenrir estava parado na sombra de um pilar, seu bastão de osso brilhando debilmente. Sua presença era silenciosa, mas tão densa quanto fumaça.
- Lembre-se das regras, Tempestade - sussurrou Fenrir.
- Não falarei de preço até que o Alfa Supremo tenha expressado sua necessidade - respondeu Lyra, sua voz baixa, perfeitamente controlada, despojada de qualquer emoção. Era a voz da Tempestade: fria, poderosa, e sem a doçura da Lyra ômega.
A porta de madeira maciça se abriu com um estrondo surdo.
Kael Blackwood entrou primeiro. Sua aura de Alfa Supremo estava contida pelas barreiras mágicas da cidade, mas, ainda assim, seu porte era o de um monarca furioso. Atrás dele, Darian e três guardas de sombra tensos completavam a comitiva.
Lyra sentiu o golpe familiar e inelutável da presença de Kael. Foi como se um raio a tivesse atingido no peito, uma lembrança do laço que existiu ali. Seu corpo, instintivamente, quis tremer, mas Lyra havia treinado anos para isso. A dor e a raiva que Fenrir havia forjado se manifestaram como uma muralha de gelo invisível ao redor de seu coração. O brilho prateado acendeu fugazmente em seus olhos, mas foi tão rápido que apenas Fenrir notou.
Kael parou no meio do caminho. Lyra manteve seu rosto oculto na sombra do capuz. Ofereceu apenas uma saudação glacial.
- Alfa Supremo Blackwood. Beta Darian. Obrigada por honrar as leis da neutralidade.
A voz. Lyra havia trabalhado nela até a perfeição. Mais grave, mais autoritária, com um sotaque deliberadamente neutro que não pertencia a nenhuma alcateia. Kael franziu a testa.
- Você é a Tempestade - disse Kael, seus olhos cinzentos, cansados, mas ainda perigosos, examinando sua figura. Ele não encontrou o aroma de lobo, apenas a fragrância artificial que Fenrir usava para mascarar sua linhagem.
- Sou a única solução para a sua praga - corrigiu Lyra, sem se incomodar em confirmar o apelido.
Kael odiava a falta de respeito. Isso era notável na tensão de sua mandíbula. Estava acostumado a que o mundo se dobrasse à sua vontade.
- Sua mensagem era críptica e arrogante - disparou Kael, dando um passo à frente. Seus guardas se enrijeceram. - O preço da sua insolência será alto se tiver desperdiçado meu tempo.
- Meu tempo, Alfa Supremo, vale mais do que o seu neste momento - Lyra se pôs de pé, um movimento lento e calculado. Sua altura, embora modesta, parecia ameaçadora. Lyra cruzou os braços sobre o peito, uma postura que comunicava total falta de medo. - Sua arrogância lhe custou metade do seu exército. Seu Sangue Negro está perto de devorá-lo por completo. O senhor não está aqui para negociar minha insolência, está aqui para implorar pela sobrevivência da sua linhagem.
A palavra implorar ressoou na sala como um tiro. Os guardas ofegaram, e até Darian, o Beta estoico, se encolheu. O rosto de Kael se contorceu em pura fúria.
- Chega! Quem você pensa que é para falar comigo assim? - Kael deu outro passo, mas parou. Seus olhos notaram algo.
Não era o rosto, mas a maneira como ela se movia, o ângulo de seu queixo. Era uma familiaridade incômoda, um eco muito, muito distante de Lyra, a ômega que o olhava com olhos cheios de adoração.
- Minha identidade é irrelevante - continuou Lyra, sem lhe permitir espaço para a análise. Ela sabia que seu corpo se lembrava do toque dele, do cheiro dele, e que essa lembrança poderia ser traiçoeira. Tinha que ser puro gelo. - Falemos sobre sua praga. A Magia da Luz é inútil, porque o Sangue Negro é um castigo, não uma doença. Ele ataca o laço.
Kael parou completamente.
- Como você sabe disso? Nossos curandeiros levaram meses para chegar a essa conclusão.
- Eu vejo a magia de forma diferente. Eu vejo o núcleo. Sua alcateia está morrendo porque a maldição foi lançada com a energia da Rejeição.
Lyra usou a palavra com precisão cirúrgica, observando o efeito em Kael. Era a primeira vez que alguém se atrevia a usar essa palavra em sua presença desde aquele dia fatídico. Kael empalideceu, e a cicatriz em seu pescoço pareceu palpitar.
- Você está mentindo! - rugiu Kael. Sua aura, tentando se manifestar, colidiu contra a barreira mágica com um estalo audível.
- Não. Eu sei como a dor de um laço rompido pode ser usada como arma. Sua magia Alfa é tão potente que sua rejeição criou uma onda de choque. O veneno é a manifestação desse desequilíbrio. Apenas um poder do Crepúsculo, que bebe da Lua sem a aprovação da Deusa, pode combatê-lo. Estou errada, Alfa Supremo?
Kael estava ofegante, não pela fadiga, mas pela humilhação de ser lido como um livro aberto por uma estranha. A mulher à sua frente não apenas conhecia a fraqueza de sua alcateia, mas a de sua alma.
Darian interveio, sentindo o perigo da confrontação. - Tempestade. Meu Alfa Supremo está aqui pela cura. Fale sobre o preço.
Lyra se inclinou sobre a mesa de obsidiana, aproximando o rosto da luz. Apenas por um momento fugaz, Lyra levantou um pouco o capuz, revelando a sombra de um rosto mais afiado e olhos no tom inquietante que Kael tinha visto pouco antes de ela fugir.
- Meu preço não é ouro, Beta. Meu preço é orgulho.
Kael não conseguia respirar. Por um instante, ele jurou ter visto Lyra naquela sombra. A visão se desvaneceu, deixando apenas a guerreira fria e desconhecida. Mas o pânico o atingiu. E se ela fosse...? Não. O laço estava morto. Ele o havia rompido.
- Exija seu preço - rosnou Kael, forçando as palavras a sair, engolindo sua humilhação.
- Minha cura é uma bênção do Crepúsculo. Deve ser administrada diretamente por mim, no Forte Lunar, sob minha proteção. E isto é crucial, Alfa Supremo: sua alcateia estará sob meu comando enquanto eu trabalhar.
- Impossível! - Kael golpeou a mesa, fazendo uma tocheira tremer.
- O senhor aceitará - Lyra se manteve firme. - Segundo: Eu preciso de um laço de sangue para estabilizar a cura. O laço deve ser o de um Alfa Supremo. Durante o processo, o laço do seu poder ficará ancorado em mim. Isso significa que o senhor se tornará tão vulnerável quanto um ômega. Estará à minha mercê.
Kael fechou os olhos, o cúmulo da agonia. Ser vulnerável era ser assassinado. Ser um ômega, a coisa que ele mais desprezava, diante de uma desconhecida com magia proibida.
- E, por último - disse Lyra, em um tom tão baixo que Kael teve que se esforçar para ouvi-la -, no momento em que eu entrar em seu território, o senhor deve jurar, perante mim e perante a Deusa Lunar, que obedecerá a todas as minhas ordens, sem exceção, até que a praga tenha desaparecido.
Kael ficou sem ar. Um Alfa Supremo nunca fazia um juramento de obediência a ninguém. Seria a rendição total de seu poder.
Lyra esperou, desfrutando da humilhação prolongada. Era a vingança perfeita. Não a morte, mas a escravidão.
- Aceito - a palavra de Kael era um sussurro partido, mal audível.
- Eu não terminei, Alfa Supremo. Para selar o pacto, o senhor terá que se ajoelhar diante de mim agora mesmo, neste chão neutro, como prova de sua rendição.
O silêncio foi mais alto do que qualquer rugido. Ajoelhar-se. O Alfa Supremo.
Kael ficou imóvel, debatendo-se entre sua vida, sua alcateia e seu orgulho. A lembrança do vazio deixado pela rejeição de Lyra, o medo do Sangue Negro, o empurraram.
Lentamente, milímetro por milímetro, Kael Blackwood se deixou cair sobre um joelho. Seus olhos cinzentos, fixos na figura sombria de Lyra, brilharam com uma promessa de morte que só se tornaria real se ele sobrevivesse.
Lyra sorriu sob a sombra de seu capuz. Era um sorriso frio, vitorioso, que ninguém podia ver.
- Levante-se, Alfa Supremo. O Pacto está selado. O senhor me pertence.
A Tempestade havia reclamado seu preço.