- A rejeição de Kael - sibilava Fenrir certa noite, enquanto Lyra se contorcia, atada pelas raízes negras - não foi apenas um rompimento do laço. Foi uma tentativa do seu Alfa de sufocar sua verdadeira forma. Ele sentiu a antiguidade no seu sangue.
- Antiguidade? - Lyra ofegou. Toda vez que tentava falar, a dor a consumia.
- O sangue Blackwood, o de Kael, é poderoso, mas sua linhagem se diluiu com o dever e a política. Seu sangue, Luna Quebrada, é diferente. É a semente dos Lobos do Crepúsculo, aqueles que canalizavam a energia lunar sem a bênção da Deusa. Um poder que não morre, mas se transforma. A rejeição o despertou, mas está te matando porque você não sabe como contê-lo.
Fenrir se movia como uma sombra. Nunca a tocava, exceto para infligir mais dor mágica. Seu bastão era a ferramenta de seu ofício, golpeando a terra para convocar as raízes ou canalizando o ar gelado da caverna.
- O fogo da sua raiva deve se tornar gelo. O caos deve ser estrutura. Lyra, concentre-se. Não na dor, mas na crueldade daquele homem. Você vê o desprezo nos olhos dele? Você sente o vazio no seu peito? Converta isso em uma barreira.
Lyra se concentrou. Visualizou o Grande Salão, o eco da palavra "rejeição", a frieza na voz de Kael. A dor era uma faca. Lyra a tomou.
O grito de agonia que havia sido absorvido no Capítulo 2, agora se convertia em uma ressonância interna. O suor frio encharcava seu corpo. As raízes apertavam.
- Falhe! E a maldição vai te consumir! - rugiu Fenrir.
Lyra sentiu sua forma interna de lobo, que estava latente, se revolver. Não era mais um lobo. Era uma criatura feita de estilhaços de gelo, furiosa e letal. O frio que Lyra havia convocado se manifestou no exterior, fazendo com que a geada prateada de sua magia congelasse em cristais afiados ao redor das raízes.
Fenrir interrompeu seu canto. Seus olhos âmbar se abriram pela primeira vez com um assombro genuíno.
- Você conseguiu - sussurrou, com um tom quase reverente.
Lyra caiu no chão, liberta das raízes. Sua pele ardia, mas seu peito, onde o laço havia sido arrancado, se sentia estranhamente vazio e... forte. A geada prateada desapareceu.
- Este é o início da sua nova força. Nós a chamaremos de Marca da Tempestade. É a prova de que o laço se foi, substituído pela sua própria vontade. Agora você tem magia, Lyra, mas é apenas uma novata. Você tem que aprender a usá-la sem que ela te mate.
Os anos que se seguiram foram uma espiral ascendente de dor física, mental e mágica.
Fenrir a treinou como uma assassina. Lyra aprendeu a se transformar em um lobo silencioso, completamente negro, com a pelagem tão densa que absorvia a luz, mas com olhos que brilhavam com aquele prateado gelado. Seu lobo não era grande, mas era rápido, preciso e se movia com uma graça que desafiava os Alfas maiores.
Ela aprendeu combate corpo a corpo, não apenas com lobos, mas com caçadores, bruxas errantes e outras bestas míticas que Fenrir trazia ou que encontravam em suas viagens. Lyra não tinha força bruta; tinha eficiência. Cada golpe, cada chute, cada mordida era dirigida a um ponto vital, sem desperdiçar energia.
- Um lobo que luta com a força se cansa. Um lobo que luta com a raiva se torna previsível - ensinou Fenrir, golpeando-a com o bastão por qualquer erro. - Uma Tempestade luta com o frio. Congela o medo do inimigo e, depois, o destrói.
Mas o mais importante foi o treinamento mental. Lyra aprendeu a proteger sua mente da intrusão de outros lobos, a construir uma muralha de gelo tão perfeita que nem mesmo Kael, com sua autoridade de Alfa Supremo, conseguiria penetrá-la.
- A dor é sua arma, Lyra. A humilhação é seu escudo. Se Kael te olhar novamente e vir qualquer rastro da ômega que ele rejeitou, teremos falhado - Fenrir a lembrava constantemente.
Um Salto Temporal: Três Anos Depois
Três anos de inferno haviam deixado suas cicatrizes. Lyra era agora uma mulher esguia, com músculos tensos e definidos. Seu cabelo escuro caía sobre suas costas, e seus olhos, em seu estado normal, já não eram suaves e castanhos, mas um inquietante tom verde-acinzentado, sempre alertas.
Eles estavam na beira do Território do Norte, observando a cidade humana de Vesperia. Lyra vestia armadura de couro escuro e uma capa com capuz que ocultava quase todo o seu rosto. Seu aroma não era mais detectável como lobo; Fenrir a havia ensinado a mascará-lo com essências naturais. Ela era uma sombra.
- Chegou o momento - disse Fenrir, sua voz ecoando no ar da noite.
- A Legião do Norte? - perguntou Lyra. Sua voz era baixa e forte, sem rastro da ômega trêmula de três anos atrás.
- A Legião é um problema, mas não é a crise. A crise é o Sangue Negro. Uma praga que drena a vitalidade e a força dos lobos. Nos últimos seis meses, ela atingiu o Coração Negro. Os lobos de Kael estão adoecendo. O Forte Lunar está de joelhos.
Lyra sentiu uma pontada, uma satisfação fria. Não era prazer, mas a calma da vingança planejada.
- E o que isso tem a ver com Kael?
Fenrir se aproximou de Lyra, seus olhos âmbar brilhando com malícia.
- O Sangue Negro é imune à magia Alfa. É um veneno que ataca o laço da alcateia. Kael perdeu quase metade do seu exército. Sua aura de Alfa Supremo está se esvaindo. Ele está desesperado. Enviou emissários por todo o continente. Está buscando o único tipo de poder que pode curar o que ele desprezou.
- A magia dos Lobos do Crepúsculo - concluiu Lyra, sua voz um sussurro de gelo.
- Exato. A magia do Crepúsculo, que você forjou com a rejeição. É a cura, Lyra. Mas tem um preço. Kael terá que se humilhar perante você. Terá que implorar por sua ajuda.
Lyra apertou a mandíbula. A lembrança de sua humilhação pública era um combustível perfeito.
- Ele não vai implorar. Não é o estilo dele.
- Ele o fará, ou seu império cairá. Eu já lhe enviei uma mensagem anônima, Lyra. Dei-lhe a localização. Eu disse que a única pessoa que pode curar sua alcateia é uma guerreira misteriosa conhecida como Tempestade, e que ela só negocia em um terreno neutro, sem laços nem lealdades.
Lyra se virou para Fenrir, com uma pergunta que guardara por três anos.
- Por que você me ajuda? Qual é o seu interesse na queda de Kael?
Fenrir encolheu os ombros, sua expressão sombria e antiga.
- Os Alfas Supremos são uma praga. Mataram minha linhagem séculos atrás, Lyra. Kael é apenas o último de uma longa linha de arrogantes. Ao humilhá-lo, ao fazer com que a Tempestade o desmantele peça por peça, equilibramos a balança. Além disso... - Fenrir lhe deu um sorriso fugaz e cruel -... seu poder é lindo de se observar.
- E se ele me reconhecer?
- Ele não o fará. A ômega Lyra está morta, consumida pelo veneno da rejeição. Só resta a Tempestade. Quando ele te vir, só verá a salvação dele. E o que é mais importante, ele sentirá que o laço desapareceu. Era isso que ele queria, não era?
Lyra assentiu. Fenrir havia usado a própria magia da rejeição para ocultar completamente o Laço de Companheiros. Para Kael, Lyra não significaria nada; seria apenas uma poderosa desconhecida.
- Iremos para a Cidade dos Pactos. Um lugar onde a magia neutra prevalece e nenhum Alfa pode invocar seu direito de território. Kael virá. E você colocará as regras - disse Fenrir.
Lyra olhou para o sul, para onde ficava o Forte Lunar, envolto na escuridão do seu desespero. Três anos de dor se condensaram em uma frieza glacial.
- Então, que ele se prepare. A Tempestade voltou para casa.
Lyra colocou o capuz. O plano estava em curso. Ela não ia destruir o império de Kael com espadas, mas com a humilhação, a mesma arma que ele havia usado contra ela. Iria obrigá-lo a se arrepender de ter rompido o laço da única maneira que um Alfa Supremo podia entender: destruindo seu orgulho.
O jogo da Tempestade havia começado.