Kael Blackwood estava parado no centro exato onde havia pronunciado a sentença de rejeição a Lyra. Estava sozinho, embora as sombras se movessem frequentemente, indicando a presença constante de seus guardas de elite. Já não importava. Sua defesa não era contra uma Legião; era contra um veneno invisível que dissolvia seu próprio império.
A Sangue Negro.
Era uma praga que desafiava toda lógica mágica. Não matava instantaneamente, mas sim erodia o vigor do lobo, fazendo com que a mudança de forma fosse agonizante e, eventualmente, impossível. O pior era seu efeito no laço da alcateia. A energia coletiva que fluía para o Alfa, a fonte de sua força, estava secando. Kael se sentia drenado, mais exausto depois de um dia normal do que depois de uma batalha campal.
- Meu Alfa - A voz de Darian, seu Beta principal e a mão direita de Kael, soou tensa e baixa. Darian parecia pálido; nem ele estava imune à fraqueza. - O relatório da fronteira Leste. Perderam outro pelotão para a Legião do Norte. Os homens não se transformam com rapidez suficiente. O veneno está os enfraquecendo.
Kael não se virou. Limitou-se a apertar o punho, sentindo a dor latejante em seus próprios ossos. O veneno atacava os Alfas mais lentamente, mas era persistente. Sua própria aura, que costumava ser um manto de autoridade, era agora uma camada fina e frágil.
- E os curandeiros? - perguntou Kael, sua voz áspera.
- Tentaram de tudo, Kael. Magia de luz, ervas de sangue, rituais lunares. Nada detém a erosão. O Grande Curandeiro diz que esta praga ataca a própria essência do laço. É como se a própria Deusa estivesse nos castigando.
Kael finalmente se virou. Seu rosto, antes cinzelado e perfeito, estava agora marcado pela fadiga e pela insônia. Seus olhos cinzentos, que haviam infundido medo em Alfas rivais, estavam cheios de uma desesperança fria.
- Não preciso de teorias místicas, Darian. Preciso de uma cura.
- Eu sei, Alfa. Mas nossos exploradores só retornam com histórias de mais doença. A única esperança, a última que resta... é aquela mensagem.
Darian estendeu uma folha de pergaminho, enrolada e selada com uma cera negra sem identificação. Havia chegado há uma semana, entregue por um corvo desconhecido no meio da noite.
Kael pegou o pergaminho. A mensagem era breve e críptica, e cada palavra era uma facada em seu orgulho.
O Sangue Negro é o preço da arrogância.
A cura não reside na luz, mas no Crepúsculo.
Busque a Tempestade na Cidade dos Pactos. Ela negocia. Ela salva. Ela cobra.
- Tempestade - murmurou Kael, o nome soando estranho e amargo em sua boca. - Quem diabos é a Tempestade? Não consta em nenhum registro de magos ou clãs Shifter.
- Ninguém sabe, Alfa. Mas se o que a mensagem diz é verdade sobre a Magia do Crepúsculo... isso é o conhecimento proibido. O que vocês atacaram séculos atrás.
Kael sentiu seu estômago se revirar. O conhecimento da Magia do Crepúsculo, a capacidade de canalizar a energia lunar sem a bênção direta da Deusa, havia sido erradicado por sua linhagem. Era um poder caótico, mas era o único que poderia se opor a um veneno que atacava o laço.
Uma imagem indesejada e dolorosamente vívida abriu caminho em sua mente. Lyra. A ômega ajoelhada neste mesmo lugar. O grito silencioso. O lampejo de energia prateada que havia brotado dela pouco antes de ele a banir.
Ele sentiu a antiguidade no seu sangue.
As palavras de Fenrir, o mentor, que Lyra não havia escutado, ressoaram na consciência de Kael, embora ele não soubesse disso. Kael apenas se lembrava do medo. O medo de que sua Luna destinada fosse fraca e o desonrasse. O medo de que aquele poder estranho que ela manifestou ao ser rejeitada fosse perigoso.
- Uma ômega fraca, a filha da cozinheira. Como poderia esse sangue... - Kael interrompeu o pensamento. Lyra estava morta, consumida pela própria rejeição, ou desterrada. E aquela Tempestade era uma guerreira lendária. Não havia conexão.
Mas a dúvida se plantou como uma farpa em sua mente. Ele havia agido rápido demais? Teria ele rompido a única conexão que poderia tê-lo salvado?
Seu orgulho gritou: Não! Eu sou o Alfa Supremo. Não cometo erros.
Mas a realidade no Forte Lunar era inegável. Havia mais uivos de dor do que uivos de guerra. O Sangue Negro estava vencendo.
- Darian, diga-me a verdade - Kael se aproximou de seu Beta, seus olhos fixos. - Quanto tempo nos resta antes que a Alcateia se dissolva?
Darian engoliu em seco. - Um mês, talvez menos, se a Legião atacar com força. Alfa, as pessoas... elas precisam de esperança. Precisam saber que você está fazendo algo.
Kael fechou os olhos. A humilhação. Ter que ir a um território neutro, sem sua autoridade total, implorar a um mercenário pela cura de sua própria alcateia. Era um ato que demonstraria ao mundo que o Alfa Supremo estava de joelhos.
- Prepare a comitiva - ordenou Kael, sua voz tão fria que soou como gelo se quebrando. - Apenas você, três guardas de sombra, e eu. Não deve haver ostentação. Ninguém deve saber o verdadeiro motivo da nossa viagem.
- Iremos para a Cidade dos Pactos, Alfa?
- Sim - Kael olhou para o lugar onde Lyra havia caído. Sentia um vazio ali, mais frio do que a dor da rejeição. Era um vazio que ele mesmo havia provocado. - Iremos para a Cidade dos Pactos. E traremos a Tempestade. Ao preço que for.
Kael tocou o peito, onde o centro de seu poder Alfa se sentia cada vez mais fraco. Se a Tempestade fosse uma charlatã, ele a mataria. Se fosse a cura, ele a dobraria à sua vontade depois que curasse seus lobos. A ideia de depender de alguém, especialmente de alguém com magia "Crepuscular," lhe causava náuseas.
- Diga aos guardas para manterem a boca fechada. O rumor da minha fraqueza é uma arma mais perigosa do que o Sangue Negro.
Kael saiu do Grande Salão. Ao cruzar o limiar, sentiu uma rajada de ar frio, apesar de as portas estarem fechadas. Isso o lembrou do lampejo gelado dos olhos de Lyra. Uma coincidência, ele disse a si mesmo. Lyra Blackwood estava fora de sua vida. Ela era irrelevante.
Agora, só existia a Tempestade, e o preço que ela exigiria.
O Alfa Supremo estava em movimento, direto para confrontar seu passado disfarçado de sua única salvação.