Os comentários eram nauseantes.
*Usuário LobaGirl99: Tão romântico! Ele cuida tão bem dela.*
*Usuário QueroSerLuna: Ouvi dizer que ela carrega um guerreiro. Finalmente, um herdeiro forte para a Sombra da Lua.*
*Usuário BuscadorDaVerdade: E a Isla? Ela não é a companheira?*
*Usuário FãDoAlfa: Isla é só uma médica. Ela é sem graça. Serafina tem fogo.*
Desliguei a tela. Eu estava sentada no "Esconderijo", uma pequena cafeteria na periferia da cidade, longe da casa da alcateia.
"Ele comprou Ginseng de Sangue para ela?", sibilou Cléo. Ela bateu seu café com leite na mesa. "Ele está louco? Isso é praticamente um pedido de casamento em forma de erva!"
Cléo era minha única amiga. Era uma Beta, uma guerreira com língua afiada e lealdade ainda mais feroz.
"Ele acha que está salvando o futuro da alcateia", disse calmamente, mexendo meu chá.
"E a alcateia está engolindo tudo", rosnou Cléo. "Eles esqueceram tudo o que você fez. As epidemias que você parou. Os guerreiros que você costurou de volta. Agora você é apenas... invisível."
"Prefiro invisível", disse. Deslizei uma pasta pela mesa para ela. "Olhe isso."
Cléo abriu. Era a cópia do ultrassom de Serafina que eu havia imprimido do servidor.
"Seis semanas?", os olhos de Cléo se arregalaram. "Mas... a linha do tempo..."
"Exatamente", eu disse.
"Aquele bastardo", sussurrou Cléo. "Ele estava te traindo. Antes da desculpa da 'dívida de vida'. Antes de tudo."
"Vou embora, Cléo", eu disse.
Ela olhou para cima, lágrimas se formando em seus olhos. "Embora do apartamento?"
"Embora do país", disse. "Vou para a Europa. A Guilda dos Curandeiros."
Cléo estendeu a mão sobre a mesa e agarrou a minha. "Me leve com você. Serei sua guarda-costas. Mordo qualquer um que chegar perto."
Sorri, um sorriso genuíno pela primeira vez em dias. "Você tem um companheiro aqui, Cléo. Você tem uma vida. Preciso que você fique. Preciso de alguém para contar a verdade quando eu me for. Mas você não pode dizer uma palavra até meu avião estar no ar."
"Eu prometo", disse ela. "Juro pela minha loba."
Naquela noite, voltei tarde para o apartamento. Havia participado de um seminário sobre remédios fitoterápicos para manter as aparências. O ar lá fora estava congelante, um vento amargo uivando pelas ruas da cidade.
As portas do elevador se abriram. Damien estava parado no corredor.
Parecia furioso. Seus olhos brilhavam em um vermelho profundo e ameaçador - seu lobo estava perto da superfície.
Ele marchou em minha direção, agarrando meu braço e me puxando para perto. Enterrou o nariz no meu pescoço, inalando profundamente.
"Onde você esteve?", rosnou.
"Trabalhando", disse, tentando me afastar.
"Você cheira a ele", rosnou Damien. "Um macho. Desconhecido. Pinho europeu e livros velhos."
Percebi que ele estava sentindo o cheiro do médico francês ao lado de quem me sentei no seminário.
"Era um colega, Damien. Me solte."
"Você é minha!", rugiu ele. As paredes tremeram. "Você não carrega o cheiro de outros machos! Vá se lavar! Agora!"
"Eu sou sua?", ri amargamente. "Como você é meu? Você cheira a ela todo santo dia, Damien. Você cheira ao xampu dela, à pele dela, à luxúria dela. E ousa me dar sermão sobre cheiro?"
"É diferente!", gritou ele. "Eu sou o Alfa! Faço o que devo!"
Ele agarrou meu rosto com as duas mãos, forçando-me a olhar em seus olhos vermelhos brilhantes.
*Abra sua mente para mim, Isla.*
Ele forçou a abertura do Elo Mental. Geralmente, exigia consentimento, mas um Alfa podia derrubar as barreiras mentais de um membro da alcateia.
Ele inundou minha mente com suas emoções. Queria que eu sentisse sua dominância, sua possessividade.
Mas junto com isso veio outra coisa.
Alegria. Pura e absoluta excitação.
Imagens passaram pela minha mente - imagens da perspectiva dele. Ele imaginava um garotinho de cabelos escuros e olhos cinzentos. Um filho forte. Um herdeiro Alfa.
Ele estava projetando seu amor pelo filho não nascido de Serafina diretamente no meu cérebro.
Era agonizante. Era como se ele estivesse me forçando a assistir a um filme dele amando outra família.
"Saia da minha cabeça!", gritei.
Convoquei cada grama da minha vontade. Não conseguia empurrá-lo com força, então usei a dor. Foquei no coração partido, na traição, na agonia aguda do vínculo quebrado. Transformei minha tristeza em arma e a disparei de volta contra ele através do elo.
Damien engasgou e tropeçou para trás, segurando a cabeça. A conexão se partiu.
Ele olhou para mim, piscando, a confusão substituindo a raiva.
"Isla...?"
"Nunca mais faça isso", sussurrei, tremendo.
Virei-me para a porta do quarto.
"Espere", disse Damien. Sua voz estava fria novamente, o momento de confusão se foi. "Há uma mudança na programação."
Parei, a mão na maçaneta.
"O Ritual da Piscina da Lua", disse ele. "Precisamos mudá-lo."
Não me virei. "Ok."
"Não, Isla. Você não entende. Serafina... o médico diz que o bebê precisa de energia espiritual. A Piscina da Lua tem a essência concentrada mais pura."
Meu sangue gelou. O Ritual da Piscina da Lua era a cerimônia sagrada onde a Luna se banhava nas águas santas da alcateia para abençoar seu reinado. Era meu direito de nascença. Era a maior honra que uma loba poderia receber.
"Você quer dar a ela o meu ritual", eu disse.
"Ela precisa disso para a criança", disse Damien defensivamente. "É só água, Isla. Você pode fazer ano que vem. A alcateia precisa de um herdeiro saudável."
Ele estava me tirando tudo. Minha dignidade. Meu lar. Meu título. Agora, minha fé.
"Tudo bem", eu disse.
"Tudo bem?" Ele parecia surpreso. Esperava uma briga.
"Dê a ela", eu disse. "Dê tudo a ela."
Abri a porta e entrei, trancando-a atrás de mim.
Não chorei. Eu tinha acabado de chorar.
Olhei para o calendário.
Dez dias.