Servida com Restos pelo Meu Marido Cruel
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Capítulo 3

Breno subiu as escadas de dois em dois degraus, seus passos ecoando no silêncio. Ele ia para seu escritório, seu santuário. E eu fui deixada nos destroços da nossa vida compartilhada.

Karina, sempre a oportunista, aproveitou o momento. Ela se colocou entre mim e a porta do berçário, a mão no quadril, um gesto territorial.

- Querida - ela ronronou, a voz enjoativamente doce. - Breno quer que você o leve até o local do novo empreendimento. Sabe, onde estão construindo o novo campus do Grupo Mendes. - Ela fez uma pausa, o sorriso se alargando. - Você não tem saído muito, não é? Vai te fazer bem ver um pouco da cidade, mesmo que seja só de dentro do carro.

Engoli em seco, o significado implícito pairando pesado no ar. Você não tem permissão para ir a lugar nenhum sozinha. Você ainda está sob curatela. Você ainda é uma prisioneira.

- Claro - eu disse, minha voz plana. - Vou pegar as chaves.

Ela se afastou, os olhos brilhando de satisfação. Uma pequena vitória para ela. Mas eu tinha um destino diferente em mente.

Dirigi, minhas mãos apertadas no volante. As ruas familiares de São Paulo passavam borradas, cada curva um eco doloroso de uma vida que eu vivi. O horizonte da cidade, antes um símbolo da minha ambição, agora um monumento à minha perda.

Meu estômago apertou. Este não era o caminho para o novo empreendimento. Meu coração martelava contra as costelas. Eu conhecia essa estrada. E um pavor frio se instalou nas minhas entranhas.

Era o caminho para casa. A casa da minha infância. Aquela que Breno e Karina tinham colocado à venda recentemente.

Apertei o volante com mais força. Não. Eles não fariam isso.

Pisei no freio com força, os pneus cantando, parando pouco antes do velho portão familiar. Breno nem percebeu que eu tinha parado. Estava ocupado demais no celular, alheio a tudo.

Abri a porta do carro, correndo e tropeçando no caminho de cascalho. Meus olhos se arregalaram, a respiração presa na garganta.

Minha casa. Minha linda e imensa propriedade de família.

Tinha sumido.

Substituída por um canteiro de obras. Um buraco enorme na terra onde meu jardim de rosas costumava ficar.

Escavadeiras estavam paradas, suas lâminas maciças sujas de lama. Trabalhadores em coletes laranjas se moviam como formigas, desmontando o que restava. Meu coração se estilhaçou em um milhão de pedaços. Eles não tinham apenas vendido. Eles tinham demolido.

- Com licença! - Gritei, minha voz rouca. Um jovem trabalhador olhou para cima, assustado. - O que vocês estão fazendo? Onde está a casa? Onde estão os Mendes?

Ele coçou a cabeça, depois apontou para uma pilha de entulho.

- Ah, o lugar antigo? É, foi derrubado. Vai subir um complexo comercial novo. Mas mudaram o cemitério da família para o novo local. Lá perto do antigo parque de escritórios do Grupo Mendes. - Ele deu de ombros, totalmente indiferente.

Outro trabalhador, mais velho, com olhos gentis, se aproximou. Ele olhou de mim para Breno, que ainda estava absorto no telefone.

- Breno Albuquerque, não é? O novo CEO. Incrível o que ele está fazendo com o legado dos Mendes. Um verdadeiro visionário. - Ele sorriu, alheio.

Breno levantou os olhos do telefone, um lampejo de irritação cruzando o rosto. Ele me viu, viu a ferida aberta onde minha casa um dia esteve. E então, uma sombra passou por suas feições. Um lampejo de algo que quase poderia ser arrependimento. Ele evitou meu olhar.

- Clarice, querida, não ligue para eles - disse Breno, a voz tensa. - Era só uma casa velha. Valor sentimental, eu sei. Mas é o progresso, meu amor. Progresso.

Ele tentou colocar um braço ao meu redor, mas eu me afastei.

Minha mente ficou dormente. Minha casa. O local de descanso do meu pai. Tudo se foi. A terra parecia inclinar sob mim. Uma onda de náusea me invadiu, mais forte do que antes. Tudo ficou cinza.

O céu, espelhando meu desespero, se abriu. A chuva caiu, fria e implacável.

Eu corri.

Corri em direção ao antigo parque de escritórios, em direção ao novo local, em direção a qualquer semelhança do que eu havia perdido. O vento uivava, chicoteando meu cabelo no rosto.

Tropecei na lama, caindo com força. Minhas mãos, ainda em carne viva da punição de Breno, rasparam contra fragmentos afiados de concreto e madeira lascada. Pedaços quebrados da minha vida, da minha história, espalhados por toda parte.

Escavei os destroços, desesperada, procurando por qualquer coisa. Um pedaço de porcelana do jogo de chá da minha mãe. Uma pedra do caminho do jardim do meu pai. Qualquer coisa.

Um caco de vidro, brilhando molhado, cortou minha palma. Mal registrei a dor. Meus dedos se fecharam em torno de um objeto familiar, liso e frio. Era um fragmento da estátua de mármore que um dia enfeitou nosso saguão. Meu coração doía, uma pulsação profunda e oca.

- Pai - sussurrei, lágrimas se misturando com a água da chuva no meu rosto. - Ah, pai. Sinto muito. Eu falhei com você. Falhei em proteger seu legado. Falhei com todos.

A tempestade se intensificou, a visibilidade caindo para quase nada. O mundo era um borrão de cinza e verde.

- Clarice?! - A voz de Breno, distante e tensa, cortou o vento. - Clarice, onde você está?

A preocupação dele, eu sabia, era puramente pelas aparências. Ele não podia se dar ao luxo de ter sua esposa mentalmente instável desaparecida, especialmente não aqui. Não agora.

Então, Karina apareceu, um guarda-chuva amarelo brilhante contrastando fortemente com a escuridão. Ela me encontrou primeiro, os olhos arregalados com uma mistura de medo e outra coisa. Algo frio. Malicioso.

- Aí está você, sua vagabunda louca! - Ela gritou, a voz mal audível sobre o vento. Ela correu para frente, agarrando-me pelo braço bom, as unhas cravando. - Que diabos há de errado com você? Não se atreva a estragar isso para o Breno! Não se atreva a estragar minha vida!

Ela me empurrou, com força. Tropecei, meus pés escorregando na lama.

- Você devia estar morta! - Ela sibilou, o rosto contorcido de raiva. - Você devia ter ficado trancada! Minha vida seria perfeita se você não estivesse aqui!

Ela me arrastou em direção à borda do poço lamacento, o chão desmoronando sob meus pés. Engasguei, lutando para respirar, o fedor de terra úmida e sonhos despedaçados enchendo meus pulmões. Minha outra mão, ainda segurando o fragmento de mármore, raspou contra o chão lamacento.

- Karina! Que diabos você está fazendo?! - O rugido de Breno estava mais perto agora.

Karina girou, os olhos selvagens.

- Diga a ela, Breno! Diga que você vai me escolher! Diga que não a quer! Escolha a mim!

Ela me soltou, mas seu pé disparou, me fazendo tropeçar. Gritei, caindo de cabeça no poço, o fragmento de mármore ainda preso na minha mão. Karina gritou, um som agudo e aterrorizado. Ela perdeu o equilíbrio também, caindo atrás de mim.

Caí com força, meu corpo batendo em bordas afiadas, minha cabeça estalando contra algo sólido. O fragmento de mármore pressionou contra meu lado, uma dor lancinante florescendo nas minhas costelas. Karina caiu em cima de mim, seu peso empurrando o caco mais fundo. Engasguei, sangue enchendo minha boca. Senti um fluxo quente e pegajoso descendo pelo meu lado.

Calor. Depois frio. Minha visão embaçou. Eu podia ouvir os gritos em pânico de Breno.

Através da névoa, eu o vi. Breno, descendo a encosta lamacenta. Ele nos alcançou, o rosto pálido de horror. Ele olhou para Karina, depois para mim.

Karina soluçava, segurando o tornozelo.

- Breno! Meu tornozelo! Está quebrado! Ela tentou me matar!

Breno olhou para mim, os olhos cheios de um cálculo aterrorizante. Ele alcançou Karina, puxando-a para seus braços.

- Meu amor, meu pobre amor - ele murmurou, acariciando o cabelo dela. Ele nem olhou para mim.

Estava acontecendo de novo. A mesma escolha. A mesma traição. Meu pai, morrendo no chão, e Breno, segurando Karina, fingindo confortá-la. Ele a escolheu naquela época. Ele a estava escolhendo agora.

- Breno - engasguei, um som cru e desesperado. - Dói.

Ele olhou para mim então, os olhos breves, frios. Um lampejo de algo, talvez culpa, talvez aborrecimento. Mas foi fugaz. Então, ele estava focado em Karina novamente.

- Preciso conseguir ajuda para você, querida - disse ele a ela, a voz frenética. - Fique aqui. Vou chamar socorro.

Ele beijou a testa dela, depois subiu a encosta lamacenta, me deixando sangrando, morrendo, no fundo do poço.

Apertei o fragmento de mármore, o fragmento do meu pai. A chuva continuava a cair, lavando minhas lágrimas, meu sangue, minha dor.

- Pai - sussurrei, o nome um sopro irregular. - Sinto muito. Eu devia ter visto. Eu devia ter protegido você. Eu nunca devia ter deixado você sozinho com ele.

            
            

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