Entre olhares e acasos
img img Entre olhares e acasos img Capítulo 3 Entre Luzes Claras e Verdades Escuras
3
Capítulo 6 Chegando em casa img
Capítulo 7 Noite de conversas virtual img
Capítulo 8 Uma pontinha de desconfiança img
Capítulo 9 Marcelo img
Capítulo 10 Um dia que nunca acaba img
Capítulo 11 O medo da verdade img
Capítulo 12 Manhã Seguinte img
Capítulo 13 Uma noite inesquecível img
Capítulo 14 Um convite irrecusável img
Capítulo 15 A versão de Marcelo img
Capítulo 16 Tentando me controlar (Marcelo) img
Capítulo 17 Helena leva um fora img
img
  /  1
img

Capítulo 3 Entre Luzes Claras e Verdades Escuras

O hospital tinha aquele cheiro característico de limpeza e ar-condicionado frio demais que sempre me deixava arrepiada. Marcelo caminhava ao meu lado, o passo firme contrastando com o meu, ainda um pouco hesitante. A mão dele repousava nas minhas costas de um jeito protetor, seguro... e perigoso para alguém com um coração tão impressionável quanto o meu.

Na recepção, as luzes brancas me fizeram piscar algumas vezes. A atendente levantou os olhos e, ao ver Marcelo, quase endireitou a postura como se estivesse diante de alguém muito importante.

- Boa noite. Em que posso ajudar? - ela perguntou, sorrindo.

- Ela sofreu um acidente leve - Marcelo respondeu antes de eu abrir a boca. - Precisamos que alguém a avalie. Ela ficou tonta e quase desmaiou.

Eu tentei protestar:

- Nem foi tão assim...

Ele me lançou um olhar de canto, firme, como se dissesse não discute.

E eu obedeci. Por quê? Nem eu sei.

Fui levada para uma sala de triagem enquanto Marcelo ficou na recepção, mas não antes de dizer:

- Qualquer coisa, me chama. Tô aqui.

A palavra "aqui" ficou ecoando na minha mente.

A enfermeira fez algumas perguntas, mediu minha pressão - que estava um pouco alta - e me pediu para aguardar. Sentei numa poltrona desconfortável perto das portas automáticas e fiquei observando pessoas entrando e saindo, carros estacionando, vidas acontecendo.

Uns cinco minutos depois, Marcelo reapareceu.

Só que não estava sozinho.

Atrás dele, com cara de poucos amigos e salto estalando no chão, vinha Helena.

Claro.

Porque a paz dura pouco quando a vilã usa blazer bege.

Ela se aproximou como quem ia exigir explicações, mas Marcelo parou ao meu lado antes dela avançar mais.

- Como você está? - ele perguntou, se inclinando levemente.

- Melhor. Acho que agora foi só o susto mesmo.

Helena cruzou os braços.

- Marcelo, você realmente precisava trazer ela ao hospital? Você tinha que se preparar para a reunião amanhã cedo. Isso é perda de tempo.

Ele nem olhou para ela.

- É meu tempo pra perder, Helena.

A forma como ele disse isso... firme, frio, definitivo.

Se fosse comigo, eu teria ido embora na hora.

Mas Helena não era do tipo que recuava.

Ela estreitou os olhos para mim, como se eu fosse uma intrusa roubando algo que pertencia a ela.

- Sabe, Marcelo - ela disse em voz alta, teatral - algumas pessoas fazem drama por qualquer coisa. Você é muito gentil... às vezes gentil demais.

Eu respirei fundo e mantive a compostura. Afinal, ela era só uma desconhecida com ciúme profissional - ou algo a mais, eu já nem sabia.

Marcelo então fez o impensável.

Ele se virou totalmente para mim, ignorando Helena por completo.

- Celina... quer comer algo depois daqui? Você parece fraca. Posso te levar a algum lugar leve, uma sopa, um lanche... o que quiser.

Helena arregalou os olhos.

- Como é que é? - ela sussurrou, chocada.

Eu quase respondi que não, que estava tudo bem, que ele não precisava... mas a verdade é que a forma como ele me olhava, como se eu fosse importante... me desmontava.

- Eu aceito - respondi, antes de pensar demais.

O rosto de Helena ficou rígido. Os lábios sumiram num fio fino de irritação.

- Certo - ela disse, respirando fundo para não perder a pose. - Então acho que vou indo. De qualquer forma, Marcelo, amanhã às nove.

- Antes das nove - ele corrigiu, ainda olhando para mim e não para ela.

Helena saiu sem se despedir. O salto dela ecoou tão alto que parecia anunciar uma guerra declarada.

Só quando ela sumiu pela porta giratória é que Marcelo soltou o ar, como se tivesse carregado um peso nas costas.

- Desculpa - ele disse. - Ela não sabe lidar com limites.

- Tá tudo bem - respondi. - Eu já lidei com gente pior.

Ele deu um meio sorriso, mas antes de responder, o médico chamou meu nome.

-Celina Veras?

- Sou eu - levantei.

Marcelo deu um passo atrás, mas ficou firme, aguardando.

- Pode entrar, mas somente a paciente - o médico disse.

Marcelo assentiu.

- Eu te espero aqui.

A consulta foi simples. O médico confirmou que eu estava só sob efeito do susto e da adrenalina, recomendou hidratação, descanso e cuidado ao abrir portas de carro - sim, eu ri.

Quando saí, Marcelo estava sentado, mas ao me ver se levantou na hora.

- E então?

- Só o susto mesmo - respondi.

Ele sorriu. Era um sorriso leve, mas... parecia genuíno.

- Que bom. Vamos comer algo?

Eu respirei fundo. Lá fora a noite estava fresca, com a garoa fina começando a cair, deixando o asfalto brilhando sob as luzes dos postes.

- Vamos.

Saímos juntos pela porta automática, e por um segundo tive aquela sensação estranha de que eu estava entrando em algo maior do que um simples pós-acidente.

Como se aquele momento fosse escrever o resto da minha vida.

Ele abriu a porta do carro pra mim - de novo - e entrou pelo lado do motorista. Ligou o motor, olhou para mim e perguntou:

- Quer um lugar tranquilo? Ou prefere algum restaurante específico?

Eu sorri, mordendo o lábio.

- Sinceridade? Hoje... eu topo qualquer coisa. Só não quero voltar pra casa ainda.

Marcelo encarou a rua por um instante, pensativo, como se estivesse tomando uma decisão importante.

- Então vamos pra um lugar que eu gosto - ele disse por fim. - Não é chique, não é caro... mas é verdadeiro.

- Combina comigo - respondi.

Ele olhou para mim de novo.

Havia algo diferente naquele olhar.

Algo que dizia que, para ele, eu não era só uma pessoa que ele ajudou por acaso.

E então ele dirigiu, silencioso, concentrado, até dobrar em uma rua menor, com árvores dos dois lados e algumas lojinhas iluminadas.

O carro parou diante de uma pequena lanchonete aconchegante, com luzes quentes e cheiro de pão fresco escapando pela porta entreaberta.

- É aqui - Marcelo disse.

Eu sorri.

- Perfeito.

E pela primeira vez naquela noite, eu senti que algo estava prestes a mudar definitivamente na minha vida.

Algo grande.

Algo que, de alguma forma... já era dele desde o primeiro olhar.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022