Entre olhares e acasos
img img Entre olhares e acasos img Capítulo 4 Marcelo Narrando
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Capítulo 6 Chegando em casa img
Capítulo 7 Noite de conversas virtual img
Capítulo 8 Uma pontinha de desconfiança img
Capítulo 9 Marcelo img
Capítulo 10 Um dia que nunca acaba img
Capítulo 11 O medo da verdade img
Capítulo 12 Manhã Seguinte img
Capítulo 13 Uma noite inesquecível img
Capítulo 14 Um convite irrecusável img
Capítulo 15 A versão de Marcelo img
Capítulo 16 Tentando me controlar (Marcelo) img
Capítulo 17 Helena leva um fora img
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Capítulo 4 Marcelo Narrando

Marcelo

Eu não tinha a mínima intenção de sair de casa naquela noite.

A reunião no dia seguinte já ocupava minha cabeça inteira, e tudo que eu queria era um banho quente e silêncio. Mas o universo tem um timing estranho... e, às vezes, perfeito.

A garagem abriu com aquele barulho metálico que eu já estava acostumado, mas naquele instante algo me chamou atenção: um carro parado bem rente à saída, com a luz interna acesa. No início, achei só mais uma pessoa mexendo no celular, cansada depois do trabalho.

Até que eu vi a porta abrindo.

Ou melhor... vi ela abrindo a porta exatamente no segundo em que uma moto vinha pela lateral.

A colisão me fez dar um passo à frente antes mesmo de pensar. Aconteceu em câmera lenta - a moto batendo, o motociclista xingando, e depois... ela.

Pulando do carro assustada, com um olhar entre o pânico e a culpa.

E, por um motivo que eu ainda não sei explicar, meu peito apertou.

Ela parecia tão vulnerável naquele instante, tão confusa, tão humana.

Cheguei perto sem pensar.

- Você se machucou?

A primeira coisa que reparei foi a forma como ela respirava rápido, tentando parecer forte. A segunda coisa... o olhar. Um olhar que parecia carregar um mundo inteiro. Duro na superfície, mas suave por dentro.

E a terceira... a mão dela quando toquei a minha.

Foi um segundo, talvez menos. Mas eu senti como se tivesse encostado em algo que eu estava procurando há muito tempo... sem saber que procurava.

Aquele meio segundo mexeu comigo.

Eu não deveria ter sentido nada.

Eu não costumo sentir nada.

Mas ali estava eu... sentindo.

Helena apareceu logo depois, com sua pressa, sua impaciência, seu perfume doce demais. Como sempre, tentando comandar tudo ao redor. E, como sempre, falando como se soubesse o que eu devia fazer.

Mas quando Celina deu um passo em falso e a perna dela falhou... eu só enxerguei ela.

Não Helena.

Não o carro amassado.

Não o motociclista irritado.

Só ela.

E alguma coisa dentro de mim decidiu antes que eu pudesse pensar:

Eu vou cuidar dela.

- Eu levo você até um hospital.

Não era gentileza.

Não era obrigação.

Era instinto.

E isso me assustou um pouco.

No carro, enquanto ela tentava parecer calma, eu a observava pelo canto do olho.

As mãos dela tremiam levemente.

A respiração estava irregular.

Mas havia uma força ali... uma dessas forças silenciosas que ninguém percebe porque ela finge tão bem que está tudo bem.

O tipo de força que eu sempre admirei - talvez porque eu mesmo nunca tive.

Helena tentou me convencer a deixá-la ali. Claro que tentou. Ela sempre tenta decidir por mim. Mas quando eu disse que ela podia pegar um carro por aplicativo, eu vi a raiva nos olhos dela.

Mesmo assim, eu fiquei tranquilo.

Porque, pela primeira vez em muito tempo, eu estava tomando uma decisão que não tinha nada a ver com trabalho, responsabilidade ou imagem.

Era pessoal.

No caminho, Celina perguntou quem eu era "de verdade".

E eu não soube responder totalmente.

Mas, quando disse que estava cansado, era a verdade mais sincera que já saiu da minha boca em meses.

Sabe o que foi estranho?

Ela entendeu.

Ela realmente entendeu.

Quando chegamos ao hospital e eu vi ela andando com dificuldade até a recepção, eu senti um impulso de ficar próximo. De garantir que ela estivesse segura. Talvez fosse irracional, talvez fosse cedo demais, mas não consegui lutar contra isso.

E então... Helena reapareceu.

Como uma sombra que não me deixa respirar.

Quando Helena insinuou que Celina estava fazendo drama, eu senti uma irritação que não sinto com frequência. Não por mim - eu lido com isso desde sempre. Mas por ela.

Por Celina.

A reação dela, tão educada, tão digna, só me confirmou uma coisa:

Ela não era como as pessoas com quem eu estava acostumado.

Quando Celina saiu da sala do médico, tudo que eu queria era fazer aquela tensão desaparecer do rosto dela.

Então perguntei se ela queria comer algo.

Eu não sei explicar.

Mas eu precisava prolongar aquele momento.

Precisava conhecê-la.

Precisava entender por que aquele acidente idiota, naquela rua idiota, mexeu tanto comigo.

E quando ela disse "eu aceito"...

Foi como se algo dentro de mim tivesse encontrado um encaixe exato.

Talvez ela não tenha percebido, mas naquele instante eu tomei outra decisão silenciosa:

A partir daqui, nada será igual.

Enquanto dirigia até a lanchonete, pensei no que diria, em como não queria assustá-la, em como fazia anos que eu não convidava alguém para um lugar que realmente significava alguma coisa para mim.

E quando ela olhou aquela fachada simples e sorriu...

Eu entendi tudo.

Celina era verdadeira.

E eu... há muito tempo... estava precisando de verdade.

Eu só não fazia ideia do quanto essa noite ainda ia mudar minha vida.

            
            

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