Na hora do almoço, Aarón, que normalmente almoçava em frente à sua mesa, viu-se caminhando deliberadamente em direção à ala leste, a área de descanso dos funcionários. Ao chegar, parou, fingindo estudar a pátina de um vaso Ming. Sua mente trabalhava a toda velocidade, criando desculpas. Poderia perguntar se Valeria precisa de algo para o relatório da minha mãe. Ou se sua assistente precisa de novos suprimentos.
A verdade era que ele só queria ter certeza de que a presença dela na casa era tão real quanto a acumulação de capital de sua empresa.
O cozinheiro, um homem corpulento e jovial, aproximou-se, interrompendo sua contemplação.
- Sr. D'Angelo, procura alguém? A Srta. Montez terminou cedo hoje com Dona Elena. Saiu para a rua principal para resolver umas coisas.
O anúncio provocou-lhe uma pontada de irritação irracional. Resolver umas coisas? Um assunto pessoal? Era absurdo que se sentisse incomodado com a agenda de uma funcionária.
- Não procuro ninguém em particular - replicou com a secura de um relatório anual. - Apenas verificando a decoração. Na próxima semana vêm uns sócios japoneses.
O resto da tarde foi um exercício de autocontrole. Aarón forçou-se a redigir e-mails e a ignorar o impulso de perguntar à sua assistente pessoal a hora exata do retorno de Valeria. Puniu-se pela fraqueza de seu foco.
Ao cair da noite, a atmosfera da mansão tornou-se mais íntima, mais perigosa. Após o jantar formal com Dona Elena, Aarón retirou-se para sua biblioteca para uma videoconferência tardia.
Às onze da noite, sua conferência terminou. Precisava esticar as pernas. E precisava saber se aquele elemento estranho havia retornado.
Caminhou pelo longo corredor acarpetado, notando o silêncio denso. Dona Elena já dormia. A equipe de serviço havia se reduzido ao turno da noite. Era o momento da casa em que os segredos se sentiam mais confortáveis.
Passou pelo escritório de sua mãe. A luz estava acesa.
Valeria estava lá, mas não estava trabalhando com documentos de negócios. Estava sentada numa poltrona, lendo um livro de bolso, com uma manta leve sobre os joelhos. Havia uma xícara de chá fumegante na mesa lateral. Era uma imagem de placidez doméstica que não combinava com a Mansão D'Angelo.
Aarón parou no limiar, sua presença - embora silenciosa - era uma declaração.
Valeria levantó os olhos, sem se assustar. Sua reação foi de calma, não de surpresa.
- Sr. D'Angelo - disse, fechando o livro com suavidade e levantando-se imediatamente.
- Não se levante - ordenou Aarón, quase impulsivamente. Sua voz saiu mais suave do que pretendia. - Só... estava passando. Pensei que já tivesse ido embora.
- Dona Elena pediu-me que revisasse a agenda dela para amanhã antes de me recolher. E eu... bem, tirei um momento para ler.
- Você fica na mansão? - Aarón sabia a resposta; sua mãe havia lhe atribuído um quarto na ala de hóspedes há semanas, mas precisava de uma desculpa para estender a conversa.
- Sim. É mais prático para as terapias matinais de Dona Elena.
Houve uma pausa, densa e cheia de perguntas não formuladas. Aarón não conseguia justificar sua presença ali.
- Minha mãe mencionou que você a está ajudando com alguns relatórios pessoais... algo sobre a história da casa? - mentiu com fluidez corporativa.
Valeria mordeu levemente o lábio. Aarón notou o gesto; não era de nervosismo, mas de avaliação.
- São mais transcrições de algumas anotações antigas de Dona Elena - respondeu Valeria com cautela. Seus olhos escuros não mentiam, mas sua boca mantinha a linha profissional. - Ela valoriza muito a privacidade desses documentos.
- Claro. Eu a entendo - disse Aarón, aproximando-se da mesa lateral. Viu o livro que ela estava lendo: uma compilação de mitos e lendas antigas. Era outro contraste com o ambiente e a profissional que ela supostamente era.
- Suponho que não sejam materiais de fisioterapia - comentou Aarón, tentando um tom ligeiramente mais pessoal.
Valeria permitiu um pequeno sorriso, fugaz.
- Não. São meu... escape. É importante ter um mundo que não tenha nada a ver com o trabalho.
- E o seu mundo é de lendas?
- Gosto da ideia de que, por baixo da realidade, há histórias enterradas - explicou, olhando para o chão de mármore polido. - Às vezes, o que acreditamos ser sólido e verdade é apenas a versão recente de uma história muito mais complexa.
A frase atingiu Aarón com uma estranha ressonância. A versão recente de uma história mais complexa. Referia-se ao segredo que Dona Elena havia insinuado, ou apenas ao livro dela?
- Os negócios são o oposto das lendas - disse Aarón, sua voz retomando o tom formal. - São números duros. Fatos sólidos.
- Mas, Sr. D'Angelo, não há sempre uma história não contada por trás de cada fato sólido? Um risco oculto, uma promessa quebrada? O que dá valor a um negócio não é apenas o número, mas a história de quem o construiu, e a quem custou.
Aarón sentiu um calafrio. Era a primeira pessoa em muito tempo que lhe falava sem a máscara da adulação, e a primeira que o desafiava com filosofia, em sua própria casa. Essa mulher não era apenas a assistente de sua mãe. Tinha uma profundidade perigosa.
- Você me dá muito em que pensar, Valeria - admitiu Aarón, usando o nome dela pela primeira vez com intenção, não como uma repetição de sua mãe.
O som de seu nome pronunciado por ele pareceu fazer o ar ficar mais denso.
- É apenas a minha opinião. Se precisar de mais alguma coisa de mim ou da minha assistente para a agenda de Dona Elena, não hesite em me contatar através do meu celular de trabalho.
Valeria havia voltado a traçar a linha profissional, exatamente quando Aarón estava prestes a cruzá-la. Sua calma era sua arma, e Aarón percebeu que, se quisesse penetrar essa barreira, teria que fazê-lo sob o pretexto dos negócios, a única linguagem que ela estava disposta a compartilhar com ele.
Saiu do escritório mais intrigado do que nunca. Não apenas pelo segredo da "Propriedade Oculta" de sua família, mas pela mente que acabara de colidir com a sua.