Durante os dias seguintes, Aarón reestruturou inconscientemente seus horários na mansão. Evitava os almoços de negócios e, em vez disso, tomava café no hall ou fazia ligações na ala da biblioteca, calculando quando era mais provável que Valeria estivesse em trânsito entre sua mãe e seu quarto.
Sua nova rotina baseava-se na observação.
Aarón notou que Valeria nunca usava o celular pessoal enquanto estava nas áreas comuns; suas interações eram sempre breves e profissionais. Não vestia marcas caras, mas suas roupas estavam sempre imaculadas. Não era extravagante, mas deliberadamente anônima, projetada para se fundir ao fundo da opulência.
- Sr. D'Angelo, está preocupado com o relatório dos Dólares de Cingapura? - perguntou seu assistente pessoal, Tomás, entrando no escritório e notando o olhar perdido de Aarón para o corredor.
Aarón endireitou-se, a máscara de CEO restaurada.
- Estou simplesmente avaliando a otimização dos fluxos de pessoal dentro da residência, Tomás. A eficiência é a chave. A Srta. Montez tem um horário de saída fixo?
Tomás, um homem acostumado às perguntas excêntricas de seu chefe, consultou seu tablet.
- A Srta. Montez tem um horário flexível, já que sua disponibilidade é exigida por Dona Elena. No entanto, costuma terminar de arquivar os documentos da manhã por volta das onze e meia, antes de sua segunda sessão de terapia.
Onze e meia. O intervalo perfeito. Aarón sabia que sua mãe se recolhia a essa hora para uma sesta breve. Era uma janela de solidão funcional.
Aarón planejou sua estratégia. Precisava de uma desculpa inatacável, que apelasse diretamente à lealdade e ao profissionalismo de Valeria.
No dia seguinte, às onze e vinte, Aarón dirigiu-se à área da biblioteca, levando consigo uma pasta de documentos antigos da empresa, plantas dos anos 80 que supostamente precisavam ser digitalizadas.
Valeria estava, como previra o cálculo de Tomás, na sala de estudos de Dona Elena, recolhendo seus papéis.
- Valeria - disse Aarón, entrando sem bater, obrigando-a a levantar os olhos. Seus olhos expressaram uma surpresa controlada.
- Sr. D'Angelo.
- Desculpe a intromissão. Preciso que me ajude com um assunto de minha mãe. Mas é um assunto de extrema sensibilidade.
O truque funcionou. A palavra "sensibilidade" acendeu seu profissionalismo.
- Claro. Diga-me.
Aarón colocou a pasta sobre a mesa, abrindo-a para mostrar as plantas amareladas.
- Minha mãe tem o costume de guardar documentos sensíveis da família entre seus arquivos pessoais, documentos que deveriam estar no cofre da empresa. Estas são plantas antigas, mas contêm informações de estruturas antigas de propriedades-chave. Preciso que as revise para garantir que não haja nenhuma anotação pessoal de minha mãe que devamos manter fora da digitalização.
Era uma mentira elegante. As plantas não tinham anotações, e Aarón poderia ter revisado a pasta ele mesmo. Mas era o único modo de conseguir sua atenção sustentada e isolá-la do papel de fisioterapeuta.
Valeria aproximou-se da mesa, seu ceticismo misturado com seu senso de dever.
- Entendo. E por que eu, Sr. D'Angelo? Seus assistentes são muito mais qualificados em arquivos de negócios.
- Precisamente por isso. Não quero que isto passe pelas mãos de meus assistentes corporativos. Você tem a confiança de minha mãe e é discreta. Preciso que use seu critério para discernir se algo nestas plantas poderia comprometer a privacidade ou a história pessoal de Dona Elena.
Ele havia apelado ao seu valor como guardiã. Era uma manipulação sutil que a obrigou a aceitar.
- Muito bem. Precisarei de algumas horas.
- Leve o tempo que precisar. Pode trabalhar aqui. A porta estará fechada. Se tiver alguma dúvida sobre algum símbolo ou escrita, não hesite em me consultar - disse Aarón, forçando um tom de completa indiferença e formalidade.
Aarón retirou-se para seu próprio escritório, mas a tensão em seu peito era quase física. Havia conseguido que Valeria estivesse sozinha, trabalhando em um segredo compartilhado (embora falso), no coração de seu domínio.
A hora e meia seguinte foi torturante. Não conseguia concentrar-se nos relatórios de Cingapura. Sabia que ela estava a apenas alguns metros, examinando as plantas, e sua mente estava completamente ocupada. O que ela pensaria da letra antiga dos arquitetos? Notaria o pretexto?
Finalmente, à uma da tarde, soou uma batida suave em sua porta.
Valeria entrou, com a pasta na mão. Sua expressão era ilegível.
- Sr. D'Angelo. Terminei a revisão das plantas.
- E então?
- Não encontrei nenhuma anotação pessoal de Dona Elena, nem nada que comprometesse sua privacidade. São plantas puramente estruturais. Mas... - Valeria fez uma pausa, seus olhos fixos nos dele -, notei que a descrição da propriedade em Cayo Largo em 1982 não condiz com a projeção visível na planta. Parece que houve uma reconstrução substancial que não está documentada nas margens.
Aarón sentiu um calafrio de excitação. Ela não só havia caído na armadilha, mas havia descoberto um fato real que ele mesmo ignorava.
- Reconstrução? Tem certeza?
- A projeção é visivelmente maior nos documentos cadastrais que revisei para Dona Elena. É uma discrepância menor, mas existe.
Valeria não era apenas discreta; era minuciosa e brilhante.
Aarón percebeu que sua tentativa de análise havia falhado. Valeria não era um problema a ser resolvido com a lógica, mas uma variável desconhecida que complicava cada aspecto de sua vida. Sua obsessão não se dissipou; transformou-se em uma necessidade intelectual e emocional.
- Obrigado, Valeria. Sua perspicácia é inestimável. Por favor, mantenha-se atenta a qualquer outro "assunto de sensibilidade" que possa surgir. De agora em diante, pode dirigir-se diretamente a mim se Dona Elena lhe pedir para revisar qualquer documento antigo.
Havia criado uma linha de comunicação direta e proibida sob a fachada do dever. Valeria assentiu, recolheu suas coisas e saiu.
Aarón recostou-se em sua cadeira, olhando as plantas. Sabia que o assunto da discrepância de Cayo Largo era uma desculpa perfeita para o próximo encontro. O jogo, o jogo proibido, acabava de começar.