O Laço da Meia-Noite
img img O Laço da Meia-Noite img Capítulo 5 A Pergunta Incômoda
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Capítulo 6 O Café Tardio img
Capítulo 7 A Imperfeição Rompida img
Capítulo 8 O Vínculo da Matriarca img
Capítulo 9 Investigação Discreta img
Capítulo 10 O Respiro no Jardim img
Capítulo 11 O Evento Inesperado img
Capítulo 12 Defesa Sutil img
Capítulo 13 O Olhar da Família img
Capítulo 14 A Libertação Silenciosa img
Capítulo 15 Pistas e Pergaminhos img
Capítulo 16 A Revelação no Cristal img
Capítulo 17 O Segredo como Conector img
Capítulo 18 Tensão Sutil no Conselho img
Capítulo 19 A Vingança Pública e a Revelação img
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Capítulo 5 A Pergunta Incômoda

A pequena descoberta de Valeria sobre a discrepância nas plantas de Cayo Largo deu a Aarón o álibi perfeito para avançar. Já não se tratava de mera observação; era uma associação forçada sob a bandeira da proteção do patrimônio D'Angelo.

Aarón convocou Valeria ao seu escritório naquela mesma tarde. Não foi uma reunião na biblioteca, mas no coração de seu poder, seu escritório de vidro e cromo. Queria ver como ela se comportava em seu território, sob a pressão implícita de sua autoridade.

Valeria chegou na hora exata. Sentou-se na cadeira de design em frente à mesa, sua postura era ereta, mas não rígida. Levava um pequeno caderno, como se estivesse pronta para tomar notas de um ditado de negócios.

- Obrigado por vir, Valeria. Feche a porta, por favor.

Ela obedeceu, e o clique da fechadura ressoou no silêncio do escritório, amplificando a sensação de segredo e exclusividade de seu encontro.

- A discrepância em Cayo Largo me inquieta - começou Aarón, indo direto ao ponto. - Poderia ter implicações legais ou fiscais. Por que você acha que Dona Elena não me mencionou isso?

- Com todo o respeito, Sr. D'Angelo, Dona Elena confia no senhor para as grandes decisões da empresa - respondeu Valeria, sua voz comedida. - Talvez tenha sentido que esta era uma anomalia menor e quisesse poupá-lo de uma preocupação desnecessária. Ou talvez... só quisesse que fosse o senhor quem a descobrisse.

A última parte ressoou. Era uma verdade que Aarón não queria admitir: sua mãe era uma estrategista mestre.

- Preciso que se concentre neste arquivo. Buscaremos qualquer correspondência que se relacione com Cayo Largo entre 1980 e 1985. Pode usar o banco de dados da casa, mas não envolva a equipe de arquivo corporativo.

- Entendo. Mais alguma coisa?

Aarón sentiu a urgência de seu tempo limitado. Se não a desviasse agora, ela iria embora com a mesma eficiência com que havia chegado.

- Sim. É um assunto... pessoal de minha mãe. E meu.

Valeria levantou uma sobrancelha, esperando com paciência profissional.

- Minha mãe a tem em muito alta estima, Valeria. Ela confia em você como confia em muito poucas pessoas. Houve muito... atrito com a equipe anterior. Eram barulhentos demais, interessados demais em fofocas.

- Entendo a necessidade de discrição, Sr. D'Angelo. Estou ciente da posição de Dona Elena.

- Não se trata apenas de discrição. Trata-se da sua história. Minha mãe te aprecia não só pelo seu trabalho, mas pela sua... origem. Ela acredita que você tem uma alma antiga, que entende o peso da tradição.

Aarón inclinou-se para a frente, tentando fazer com que seu olhar fosse inquisitivo sem ser intimidador.

- Os outros assistentes eram de famílias da cidade, com ambições muito transparentes. Você, Valeria, não parece ter nenhuma ambição que possa ser lida nas páginas do jornal. De onde você vem?

A pergunta era simples, mas tocou num ponto sensível. O rosto de Valeria manteve-se sereno, mas houve um leve endurecimento ao redor de seus olhos, um lampejo de defesa.

- Venho de onde vem a maioria das pessoas, Sr. D'Angelo. De um lugar onde o trabalho duro é a única moeda.

- Trabalho duro, sim. Mas as pessoas de trabalho duro costumam ser transparentes. Têm histórias para contar. Estudou apenas fisioterapia?

- Estudei o necessário para fazer o trabalho que faço. E um pouco mais.

Aarón notou a evasiva. Ela lhe dava a verdade literal, mas nunca a verdade completa. Era como uma advogada especialista em não mentir, mas também em não revelar nada.

- Minha mãe mencionou que sua mãe também foi... assistente de alguém importante no passado.

Desta vez, Valeria não pôde ocultar a reação. Seu maxilar se tensou imperceptivelmente. O sorriso fugaz que às vezes permitia desapareceu completamente.

- Minha mãe trabalhou em várias casas ao longo da vida. Foi uma mulher muito digna e muito trabalhadora. É tudo o que tenho a dizer sobre ela.

O tom era definitivo, uma porta fechada suavemente, mas com firmeza. Aarón havia tocado numa ferida. A história da mãe de Valeria era, claramente, parte de seu muro de proteção.

- Entendo que seja um tema sensível - disse Aarón, recuando ligeiramente, não por derrota, mas para não romper a tênue linha de confiança que estava construindo. - Só quero entender melhor a sensibilidade de minha mãe em relação a você. Ela parece perceber em você uma conexão que eu não consigo ver.

Valeria ficou em silêncio por um momento, estudando Aarón. Parecia estar pesando se era mais perigoso responder ou ficar em silêncio.

- A conexão, Sr. D'Angelo, é a lealdade - disse finalmente, com a voz baixa. - Dona Elena me tratou com respeito desde o primeiro dia, ao contrário de outros empregadores. Ela viu em mim não apenas uma funcionária, mas alguém que valoriza a verdade acima da fachada.

Valeria parou, e em seu olhar havia um desafio apenas perceptível.

- E, assim como ela, aprendi que as pessoas que vivem no mundo das grandes fachadas são as que têm os segredos mais pesados.

O comentário foi um dardo direto em Aarón. Ele sentiu a ferroada da verdade. Ela não estava falando da mãe dele, estava falando dele. Estava sugerindo que toda a sua vida, toda a sua empresa, era uma fachada sustentada por segredos.

- É uma perspectiva interessante, Valeria. Uma que não se costuma ouvir nesta casa.

- Por isso estou aqui, suponho - disse ela, com um tom neutro que ocultava a audácia da afirmação.

Aarón permitiu-se um sorriso tenso. Essa mulher era perigosa em sua honestidade contida. A atração não era apenas física; era a atração da vertigem. Ela era a única pessoa que via a fenda em sua armadura de CEO.

- Voltemos a Cayo Largo - disse, reorientando a conversa para a única linguagem segura que tinham: o trabalho. - Vou lhe dar acesso aos registros de contabilidade de 1985. Procure qualquer transferência incomum ou pagamento a empreiteiros fora do comum. Mas lembre-se, discrição absoluta. Se mais alguém perguntar, você está ajudando minha mãe com a organização de seus arquivos de impostos pessoais.

Valeria assentiu e levantou-se, sua missão profissional restabelecida.

- Farei o trabalho, Sr. D'Angelo. Sou sempre discreta.

Ao vê-la caminhar em direção à porta, Aarón falou uma última vez, com voz baixa.

- Valeria... você já esteve em Cayo Largo?

Ela parou com a mão na maçaneta da porta. Virou-se para olhá-lo, seus olhos eram poços de calma impenetrável.

- Não, Sr. D'Angelo. Mas li mapas suficientes para saber que a verdade muitas vezes está enterrada onde ninguém a procura.

E com isso, ela se foi, deixando Aarón sozinho em seu escritório, com a pesada pasta de documentos e a certeza de que sua tentativa de "analisar" Valeria só havia aberto a porta para mais mistérios. Ele havia tentado ler suas variáveis, e ela lhe devolveu uma complexa equação de lealdade, segredo e julgamento moral.

                         

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