A essa hora, Valeria Montez já havia finalizado a primeira sessão de fisioterapia da manhã com Dona Elena e começava seu trabalho como assistente de confiança.
Enquanto Aarón folheava distraidamente um relatório financeiro, viu Valeria emergir do corredor. Usava roupas confortáveis, mas impecáveis, seu cabelo escuro preso com a mesma disciplina de seu caráter. Ao contrário da noite anterior, hoje seu rosto refletia apenas profissionalismo, como se a conversa sobre histórias e segredos nunca tivesse existido.
- Bom dia, Sr. D'Angelo - cumprimentou com uma leve inclinação de cabeça, sem parar.
- Valeria - respondeu ele, sua voz um pouco mais grave do que o habitual. Sentiu uma leve pontada de decepção pela brevidade do encontro.
Ela continuou seu caminho para a cozinha, supostamente para preparar o chá de ervas especial de Dona Elena. Aarón observou como ela se movia, com uma eficiência silenciosa que contrastava com o ritmo frenético dos outros funcionários. Não se apressava, mas também não perdia tempo.
Minutos depois, Aarón abandonou o pretexto dos relatórios e caminhou em direção ao salão principal, onde Dona Elena costumava tomar seu café da manhã. A cena que encontrou era um quadro de intimidade proibida.
Valeria estava sentada ao lado de Dona Elena, mas não como uma funcionária; mais como uma companheira ou uma neta. Dona Elena bebia seu chá e Valeria lia em voz baixa as notícias do dia. Não as notícias financeiras que Aarón acompanhava, mas artigos sobre arte, política local e jardinagem. Eram conversas sobre a vida, não sobre negócios.
- ... e o leilão beneficente do Museu do Prado está gerando controvérsia pelo preço base da escultura - lia Valeria, com um tom neutro, mas cativante.
- Bobagem - bufou Dona Elena com afeto. - Se fosse minha, nem a colocaria em leilão. Aarón, filho, pare de rondar o corredor e sente-se.
Aarón entrou, sentindo-se de repente como um estranho em sua própria casa. Aproximou-se de sua mãe e beijou sua testa.
- Vejo que a mantêm atualizada, mãe.
- Valeria me mantém sã - replicou Dona Elena, pegando a mão de Valeria. - Não só me ajuda com minhas articulações, mas me lembra que há um mundo fora dos balanços contábeis que você nos obriga a viver.
Aarón sentiu uma pontada de ciúmes que teve de reprimir. Valeria havia conseguido em dois meses o que ele, como filho, não havia conseguido em anos: dar paz e uma conexão autêntica à sua mãe.
- Fico feliz que se sinta bem - disse Aarón, dirigindo-se a Valeria com um tom formal, tentando restabelecer a hierarquia. - Valeria, pode garantir que as informações da viagem da minha mãe para a clínica na semana que vem estejam prontas?
Valeria assentiu sem se alterar.
- Já está arquivado, Sr. D'Angelo. Todos os documentos médicos e a coordenação do transporte estão prontos na pasta azul sobre a escrivaninha.
Sua eficiência era tão impecável que não deixava margem para conversa. Era um muro profissional construído com perfeição.
Dona Elena, notando a tensão subjacente entre seu filho e sua assistente, interveio com astúcia:
- Valeria, enquanto Aarón tenta impor seu ritmo, por que não conta a ele sobre a tradução da noite passada?
Valeria hesitou por um instante, olhando para Aarón com uma reserva que ele achou fascinante.
- Dona Elena pediu-me que traduzisse algumas notas antigas da avó Lucia - explicou Valeria. - Estavam em um dialeto pouco comum e continham referências à história da família, especificamente à casa de campo onde sua mãe cresceu.
Aarón inclinou-se levemente. Esta era a ponte que ele estava procurando.
- A casa de campo? A de Castela? Minha avó não costumava falar muito sobre ela. Havia algo de valor?
Valeria hesitou visivelmente, um lampejo de conflito em seus olhos.
- Apenas valor sentimental, Sr. D'Angelo. Descrevia os jardins, as rosas...
- Bobagem - interrompeu Dona Elena, com um sorriso maroto. - Eu disse a Valeria para procurar a história por trás da casa, Aarón. Há rumores de que a casa de campo original não ficava em Castela, mas no litoral. E que foi... realocada. Consegue imaginar algo tão absurdo, filho?
Aarón notou o jogo de sua mãe. Ela estava usando o mistério da família como uma forma de forçar a interação entre seu filho e Valeria. Era uma tática sutil e, para Aarón, frustrante.
- Mãe, lendas rurais não fazem parte dos ativos da D'Angelo. Valeria, agradeço sua dedicação aos interesses pessoais de minha mãe.
O tom de Aarón era cortês, mas firme. Estava traçando uma linha: interesses pessoais, não da empresa.
Valeria captou a mensagem imediatamente.
- Claro, Sr. D'Angelo. Meu foco principal é o bem-estar e as exigências pessoais de Dona Elena.
Essa declaração, embora profissional, reafirmou a posição de Valeria como intocável. Ela estava sob a proteção direta e incondicional da matriarca. Se Aarón tentasse se aproximar dela, não apenas estaria cruzando a linha de CEO/funcionária, mas estaria traindo a confiança de sua mãe e colocando em risco seu conforto e saúde.
Aarón observou o forte vínculo entre as duas mulheres. Valeria não era simplesmente uma funcionária; era o pilar emocional de sua mãe. Atentar contra ela seria um ato de vandalismo contra a única paz que reinava no clã D'Angelo.
Levantou-se da cadeira, o café inacabado, a verdade sobre Valeria pulsando sob a superfície de seu controle. Ela representava não apenas um desejo proibido, mas a possibilidade da catástrofe familiar.
- Se me dão licença, tenho que ligar para o escritório de Cingapura. Tenham um bom dia - disse Aarón, retirando-se do salão.
Enquanto caminhava para seu escritório, percebeu que sua rotina já não era impecável. Estava infectada pela presença constante e pela barreira intransponível de Valeria Montez. O silêncio de seu escritório, antes um refúgio, agora parecia uma cela. Ele queria fatos concretos; ela lhe oferecia lendas que tinham o potencial de afundar seu império.