Sou o único filho da primeira esposa de Faruk Al-Fayed, o que quer dizer que a minha mãe era a esposa que mandava nas outras. Eu sou o herdeiro do título do meu pai e, quando chegar a hora, eu vou mandar em todas as esposas e filhos dele.
Isso deve ser o sonho de todo menino dos Emirados Árabes: ser o primeiro filho da primeira esposa. Isso, em nossa cultura, é natural, e os irmãos mais novos não querem nosso lugar, a menos que nos matem, mas não somos gananciosos como os ocidentais.
E, se tudo não tivesse acontecido como aconteceu, talvez eu também fosse muito feliz. Mas eu tenho esse posto que, para mim, é uma maldição. Porque não é da nossa cultura ser ganancioso com as coisas dos outros, mas as mulheres são invejosas em todos os lugares.
Somos regidos pelo Sharia, a lei islâmica, com embasamento no Alcorão. Isso quer dizer que cada homem pode se casar com até quatro mulheres. Mas isso não é assim, desregrado. A regra mais rígida do islamismo para o tema é que o homem tem a obrigação de tratar todas as mulheres com igualdade. E, para fazer isso, precisa ter dinheiro. Muito dinheiro. Porque, se uma mulher é cara, imagina quatro.
Ao contrário do que os ocidentais pensam, a poligamia não é safadeza, é uma responsabilidade social: assumir para si uma mulher que ficaria sem marido. E as mulheres não têm a obrigação de se casar, se não quiserem. Mas, se quiserem, precisam da autorização de um homem da família.
A poligamia virou mais uma questão de status em tempos modernos, já que ter três ou mais esposas é sinônimo de riqueza. Já falei que mulher é cara, né?
Minha mãe e meu pai se apaixonaram. Era um amor verdadeiro, e o meu pai nunca teve a pretensão de ter outra esposa. Assim que eu nasci, uma família da aldeia atormentou meu avô, dizendo que não era bom um sheik ter apenas uma mulher e um herdeiro. Minha mãe, no pós-parto, autorizou o meu pai a se casar de novo, e logo a outra também estava grávida. Outras famílias se aproveitaram, e, quando menos esperávamos, ele já tinha quatro esposas e precisou trazer todas para morar na casa dele. Porque a lei de igualdade não é só financeira, mas também de atenção e cuidado. E, se meu pai desse uma casa para cada uma, não poderia continuar morando com a minha mãe.
Com a minha mãe era só amor, e era ela quem mandava nas outras esposas. Tudo corria em harmonia. O problema foi que as outras três esposas tiveram filhas mulheres. Duas vezes. E, quando eu tinha quatro anos, minha mãe engravidou novamente. A preocupação delas de que minha mãe desse outro filho homem ao meu pai fez com que dessem algumas ervas para o bebê descer. Conseguiram. Minha mãe passou muito mal e veio a óbito.
Meu pai repudiou as três. Mas o direito do filho é do homem no divórcio, pela lei islâmica, então meu pai ficou com sete filhos e sem mulher nenhuma. Para ajudar com todas essas crianças, ele se casou de novo com a irmã da minha mãe. Deu uma casa para cada uma das ex-esposas e as contratou para cuidar das filhas. Minha tia é como minha mãe: amor, cuidado e paciência. Não permitiu que meu pai se casasse de novo e teve mais quatro filhos com ele. Me criou bem, mas, como eu não tinha mãe, sempre me mimavam.
Eu estudei no Ocidente: Estados Unidos, Canadá, França. Todas as férias eu voltava para casa, e meu pai me lembrava que eu deveria assumir o lugar dele como o filho mais velho. Quando eu estava terminando a faculdade, ele me chamou para ter uma conversa:
- Almir, você não pode esquecer as suas origens, nem a sua cultura. Você é um muçulmano. Em um ano você volta e vem assumir os meus negócios. Depois que você se casar, vai assumir o meu lugar, e eu vou poder descansar.
- Esse é o problema, pai. Eu não quero me casar.
- Mas vai. Você precisa. Não pode fugir da sua responsabilidade de assumir uma muçulmana que vai dar os meus netos, os herdeiros do meu nome.
- Igual você, pai? Que assumiu aquelas três para matarem a minha mãe?
- Minhas últimas esposas antes de Radija não pensaram que aquilo fosse acontecer. Sinto falta da sua mãe todos os dias, filho, mas a vida continua, e eu tenho onze filhos para cuidar.
- Então dê meu posto para o Fuad. Não vou me casar.
- Você pode abrir mão do seu posto, mas não será para Fuad, nem Hassan, Samir ou Kaleb.
- Não entendi.
- Casei todas as suas irmãs. Vou fazer uma competição entre os maridos delas para entregar meu reinado.
- Você não pode fazer isso, papai. Seu herdeiro tem que ter seu sangue.
- Terá na próxima geração.
- Você está ficando senil tão jovem, papai?
- Não. Quero que você seja feliz, Almir. Toda felicidade do mundo eu desejo a você. E você não sabe, mas deixo dez de lado por você. Todas as minhas esposas tiveram filhos múltiplos. A única que eu amei e quis me casar só me deu a minha outra metade. Se você não quer tudo o que construí para você, não faz sentido ter.
- Está bem, papai. Eu vou estudar, e, quando me formar, volto e me caso. Tudo bem assim?
- Combinado.
- Mas eu tenho uma exigência. - O olhei nos olhos. - Não quero uma muçulmana.
- Vamos falar nisso quando for a hora. - Ele fez um gesto vago com a mão.
- Negativo. Isso não é negociável. Quero uma ocidental que não vá aceitar uma segunda esposa.
- Se eu tiver a sua palavra de que você vai voltar e se casar, e que, mesmo sendo uma ocidental, ela vai entrar em nossos costumes, você tem a minha palavra de que eu permito que você se case com quem quiser.