"Descanse em paz." Essa seria a frase deixada em um túmulo de uma pessoa qualquer. O meu, se eu morresse hoje, seria: "Aqui jaz uma fodida".
Não tem frase melhor para definir a minha vida. Aos 25 anos de idade, quando a maioria das mulheres está por aí vivendo ou descobrindo o melhor do casamento, eu acabei de me divorciar, e dessa porra de relacionamento a única coisa boa foram meus filhos: um menino de 5 anos e uma recém-nascida de um mês.
Quando me casei com o Juliano, aos 18 anos, foi puramente para fugir de uma relação tóxica com a minha mãe. Sou a única menina, a filha do meio. Meu irmão Gustavo também saiu de casa aos 18 anos, mas não se casou; foi morar com a namorada e me deu um sobrinho, Jair, um ano mais velho do que o meu filho, Matheus. Meu irmão caçula, Gabriel, tinha 13 anos quando eu comecei a namorar com o Juliano, e eu 17. Aquele moleque era o meu terror. Mimado, cheio de frescuras, aprontava e colocava a culpa em mim.
Minha mãe não era ruim, só não sabia educar os filhos. Ela mesma era machista e achava que eu tinha que fazer tudo em casa, porque era tarefa de mulher, e homem não tinha que lavar as próprias meias fedidas. Eu achava um absurdo todos os machismos que ouvia dela, então, quando terminei o ensino médio, meti o pé.
Pelo meu pai, eu me casei. Ele era bem legal comigo, desconstruía algumas coisas que a minha mãe dizia, mas enfrentá-la mesmo, nada.
Eu nunca achei que ele fosse culpado de alguma coisa. Ele trabalhava demais para manter o padrão que nós tínhamos. Minha mãe quis construir uma casa enorme, com cinco quartos, um salão maior ainda nos fundos. Ela gostava de luxos, e o meu pai bancava todos eles.
Quando avisei que iria embora com o Juliano, ele disse que não gostaria que a única filha saísse de casa assim, como se fosse escorraçada. Então aceitei me casar, se ele aceitasse pegar o dinheiro da festa, vestido de noiva e todas essas frescuras e me dar para mobiliar a casa. Meu pai fez mais, e acabamos reformando três cômodos no quintal da Dona Josefa, mãe do Juliano. Nem banheiro tinha. Meu pai bancou tudo, eu escolhi meus móveis e lá fui eu, com a cara e a coragem, casada aos dezoito anos.
Engravidei logo nos primeiros meses e não pude cursar a faculdade, para a alegria da minha mãe, que achava que o papel da mulher era ficar em casa cuidando de tudo enquanto o marido saía para buscar o sustento.
As coisas não aconteceram bem assim. Quando estava perto do Matheus nascer, foi a primeira briga séria que tive com o Juliano, já que o menino não tinha nada, as contas da casa estavam todas atrasadas e a despensa, vazia.
Juliano se acomodou no pensamento de que os meus pais sempre nos socorreriam financeiramente. As nossas brigas começaram a partir daí, porque eu não me casei para continuar sendo sustentada pelo meu pai.
Quando o meu filho, Matheus, fez quatro anos, resolvi dar um basta em toda essa situação. Disse que ia trabalhar, que não ia mais passar fome com o meu filho. Então ele chamou a minha mãe para tirar as "besteiras" da minha cabeça.
E, nessa conversa, eu descobri que mais da metade do dinheiro que ele me dava para as despesas da casa, que eu tinha que rebolar e decidir o que pagar, vinha dos meus pais. Minha mãe disse que meu papel era apoiar o meu marido naquela fase ruim, em que ele estava desempregado.
Desempregado? Eu decidi então segui-lo e descobri onde ele passava o dia inteiro, dizendo que estava trabalhando. Pedi para a Dona Josefa ficar com o Matheus por algumas horas, e ela se recusou:
- Desculpa, Letícia. Mas não acho que no seu estado você precise estar passando por esse papel.
- Meu estado? Do que a senhora está falando?
- Ô, minha filha. Você está tão magrinha que nem percebeu que está grávida?
Levei um tempo para processar aquilo. Mas, no meu primeiro ultrassom, descobri que já estava com cinco meses, e desnutrida ainda por cima. Todo o dinheiro que eu podia dispor era para cuidar da alimentação do Matheus, enquanto eu passava dias sem comer para não faltar nada para ele.
Meu médico do pré-natal me disse que a desnutrição poderia ser um problema fatal para a minha bebê, prejudicando órgãos linfáticos, fígado, intestino e cérebro. A bebê estava abaixo do peso e, se estivesse desnutrida também, os danos seriam irreversíveis.
Quando fui conversar com o Juliano, ele me disse para fazer um aborto, porque não queria filho deficiente. Disse que não sabia nem como eu tinha engravidado de novo:
- Eu só não te deixei ainda, Letícia, porque minha mãe não vai me permitir trazer outra mulher para cá, mas essa casa é minha. Faz parte da herança que o meu pai deixou quando morreu e, assim que você for embora, vou trazer a minha mulher para morar aqui.
- Essa casa é tão minha quanto sua, Juliano. Somos casados em comunhão parcial de bens. E sua mulher sou eu.
- Já me informei. Como somos casados em comunhão parcial, você não tem direito a nada, porque a herança não entra na divisão. E a minha mulher está grávida também. Então eu sugiro que você pegue suas porras e vá embora. Você está feia, relaxada, cabelos ressecados. Faça um favor para nós dois e se manda.
- Você não pode fazer isso comigo.
Tentei segurá-lo pelo braço, mas ele puxou com força e me empurrou, me fazendo cair. Foi o meu filho que veio chorando me ajudar. Enquanto eu o via sair pela porta, tentei manter a calma para o Matheus se acalmar também. Quando consegui fazê-lo dormir, liguei para o meu pai.