Fui arrastada para a mansão, para o calor aconchegante que antes me acolhia. Agora, tudo parecia distorcido, falso. Os móveis opulentos, as tapeçarias caras, as obras de arte – tudo era uma casca vazia, assim como o amor de Gabriel.
Lá, na sala de estar, estavam eles. Gabriel e Eliza. A cena me fez sentir um nó, mesmo sem garganta para apertar. Eles estavam sentados perto da lareira, que estalava alegremente, jogando sombras dançantes nas paredes. Gabriel segurava uma xícara de chá. Eliza, com um cobertor fino sobre os ombros, parecia frágil, como uma flor delicada. Seus olhos estavam vermelhos, inchados, como se ela tivesse chorado por horas.
"Gabriel, eu estou tão preocupada com a Irene", ela disse, a voz suave, quase um lamento. "Ela nunca faria isso. Ela deve estar tão arrependida."
Eu, a Irene que flutuava invisível no ar, senti uma onda de náusea. Arrependida? Por ter sido quase assassinada pela sua manipulação, Eliza?
Gabriel suspirou. Ele pegou a mão dela e a apertou. Seus olhos estavam cheios de preocupação, mas não por mim. Por Eliza. "Eu não sei o que pensar, Eliza. Ela me traiu de uma forma tão cruel. Aqueles documentos... o projeto da empresa..."
Eliza balançou a cabeça, as lágrimas escorrendo pelo rosto dela, cuidadosamente. "Eu sei, meu amor. Mas talvez... talvez ela não tenha percebido a gravidade. Ou talvez ela estivesse sob muita pressão."
Meu amor? A raiva inchou dentro de mim, uma brasa fria no meu novo ser. Eles estavam agindo como um casal apaixonado, lamentando meu "erro" enquanto eu lutava pela vida no hospital. A traição de Gabriel doía mais do que o frio da adega.
"Eu te disse que ela não era boa o suficiente para você", a voz de Eliza era um sussurro, quase inaudível. "Ela é de um mundo diferente, Gabriel. Ela nunca entenderia a pressão do seu império."
Eu observei Gabriel acenar lentamente, a testa franzida em preocupação. Ele estava engolindo cada palavra dela, cada gota de veneno disfarçada de compaixão.
A porta da sala de estar se abriu abruptamente. Elias entrou, pálido, com o cabelo despenteado e os olhos arregalados. Ele parecia ter corrido uma maratona. "Senhor Marques! A Irene... ela foi levada para o hospital."
Gabriel se levantou, a xícara caindo e quebrando no chão. O som estilhaçou o silêncio falso. "O quê? O que aconteceu?"
"Hipotermia severa, senhor. Ela... ela está em coma. Os médicos não sabem se ela vai sobreviver." Elias gaguejou, evitando o olhar de Gabriel.
Eliza soltou um grito abafado, levando as mãos à boca. Ela parecia chocada, horrorizada. Uma atriz perfeita.
Gabriel olhou para ela, depois para Elias. Seus olhos estavam cheios de uma confusão sombria. "Coma? Como assim coma? Eu só queria que ela refletisse um pouco!"
Refletir? Eu queria gritar, queria rasgar a fachada de Eliza, queria sacudir Gabriel até que ele enxergasse a verdade. Mas eu era apenas um observador.
Eliza se agarrou ao braço de Gabriel, os olhos marejados. "Gabriel, eu te disse para não ser tão duro. Eu disse que ela era sensível. Isso é tudo culpa minha! Eu deveria ter impedido você!"
Ela se fez de vítima de novo. O veneno escorria dela como mel.
Gabriel a abraçou firmemente. "Não, Eliza. Não é sua culpa. Ela mereceu. Ela me traiu."
Eu senti um frio que não era da adega, mas da alma. Mais profundo, mais cortante. A indiferença dele. A cegueira dele.
"Mas... mas o frio da adega", Elias tentou argumentar, a voz hesitante.
"Eu mandei trancar, Elias! Não mandei ligar as geladeiras no máximo!" Gabriel rosnou, sua voz baixa e perigosa.
Eliza estremeceu nos braços dele. "Gabriel, por favor, não se culpe. Eu sei que foi um acidente. Ela deveria ter pedido desculpas antes."
Ela estava reforçando a ideia de que eu era a culpada. A raiva em mim era tão intensa que eu desejava poder incendiar a sala.
Gabriel a afastou um pouco, olhando em seus olhos. "Você tem razão. Ela teria evitado tudo isso se tivesse assumido a responsabilidade." Ele olhou para Elias. "Prepare o carro. Vamos para o hospital. E você, Eliza, fique aqui e descanse. Você não está bem."
"Não! Eu quero ir com você! Eu preciso ver a Irene. Eu me sinto tão culpada", ela choramingou, sua voz um fio.
"Não. Você está fraca. Eu irei sozinho. Elias, fique com ela", Gabriel disse, sua voz mais suave quando se dirigiu a Eliza.
Ele saiu apressado da sala, deixando Eliza e Elias.
Eliza observou as costas de Gabriel desaparecerem, e então o sorriso. Aquele sorriso sutil, de triunfo. Ela olhou para Elias, um brilho nos olhos que ele não podia ver, mas eu sim.
"Pobre Gabriel", ela sussurrou, mais para si mesma do que para Elias. "Tão ingênuo. Ele realmente acredita que eu me preocupava com a Irene."
Elias a olhou com uma expressão de desconfiança, mas não disse nada. Sua lealdade a Gabriel o mantinha em silêncio. Mas eu podia sentir a dúvida nele. A semente da verdade estava plantada.
Eliza se afastou da lareira, deu um passo lento em direção à janela, observando o carro de Gabriel partir. Ela parecia satisfeita, seu rosto uma máscara de falsa tristeza.
Eu observava, minha raiva crescendo. Ela se livrou de mim. Ela pensou que tinha me eliminado. Mas eu estava aqui. Testemunhando tudo.
Essa mansão, que um dia foi o lar dos meus sonhos, agora era o palco de um pesadelo. Eu me lembrava de como Gabriel me apresentou a ela, os olhos brilhando. "Nosso lar, Irene. Nosso futuro."
Que piada cruel.
Lembrei-me dos primeiros dias de casamento, da alegria. Mas então, Eliza voltou. Ela tinha morado no exterior por anos. Ela era a "melhor amiga" de Gabriel desde a infância. Quando ela voltou, supostamente para lidar com assuntos familiares, Gabriel insistiu que ela ficasse conosco.
Eu me opus, é claro. Eu disse que era inadequado. Mas Gabriel, sempre tão arrogante, não me ouviu. "Ela precisa de apoio, Irene. Ela é como uma irmã."
"Ela pode ficar em um hotel, Gabriel. Ou comprar a própria casa", eu disse, tentando manter a calma.
Ele ficou furioso. "Você é mesquinha, Irene! Eliza é da família! Você está com ciúmes de quê?"
Ele me acusou de ciúmes. Ele me fez sentir como a vilã.
Ele me sufocou com a lealdade dele a Eliza, uma lealdade cega que me exilou da minha própria casa, do meu próprio marido.
Eliza sempre foi a "irmã" que ele nunca teve. A mulher que o entendia "melhor que ninguém". E eu, a esposa, fui relegada a uma posição secundária.
Ele até me mudou do quarto principal. "Eliza precisa do quarto mais confortável. Ela não está bem. Você pode ficar no quarto de hóspedes por um tempo, querida."
Eu me lembro da minha reação, a mistura de choque e mágoa. "Nosso quarto, Gabriel? Você quer que eu saia do nosso quarto para ela?"
"É temporário, Irene. Pare de fazer drama. Você está agindo como uma criança." Ele disse, sem nem olhar para mim.
Eu me mudei para o quarto de hóspedes, uma parte de mim morrendo a cada passo. E Eliza... Eliza se instalou no quarto principal como se fosse dela por direito. Eu vi as roupas dela no closet, as maquiagens dela na penteadeira. Meu espaço, minha vida, foram invadidos e usurpados.
Gabriel me disse que era para o bem dela, que ela precisava de conforto. Ele me disse que eu estava sendo egoísta.
Eu me lembrava de como tentei lutar, tentei discutir, mas Gabriel sempre a defendia. Sempre me fazia sentir como se fosse a errada, a ciumenta, a insensível.
Ele nunca me amou. Não de verdade. Se ele tivesse me amado, ele teria me defendido. Ele teria me ouvido.
A dor que eu sentia agora, como uma alma, era um eco da dor que senti quando ele me expulsou do nosso quarto, do nosso leito. A adega era apenas o ápice de uma série de traições.
Eliza se virou, um sorriso satisfeito. Ela se sentou no sofá, pegou o celular. Seus dedos voaram pelo teclado. Eu me aproximei, curiosa. O que ela estava fazendo?
Ela estava enviando uma mensagem. Para um número desconhecido.
"Feito. A vadia está fora do caminho."
Meu coração, que não batia mais, parou.
Eliza estava confessando. Ela estava comemorando. Ela estava... rindo.