Eu os observei ali, a "família" reunida em torno da Rafaela, a mulher que os havia abandonado. A ironia cortava mais fundo do que qualquer lâmina. Rafaela Rebouças, a socialite cuja família havia fugido como ratos do navio afundando quando o império dos Goulart desmoronou.
Eu me lembrava daquele dia como se fosse ontem. O escritório Goulart & Associados estava à beira da falência. Terras foram tomadas, os clientes sumiram, as dívidas se acumulavam. A reputação da família, construída por gerações, desintegrava-se como pó.
E Rafaela? Sua família simplesmente empacotou suas riquezas e foi embora, sem sequer um adeus. Murilo ficou arrasado. Ele acreditava que ela era seu amor, sua futura companheira. Ela o deixou com o coração em pedaços e uma pilha de contas impagáveis.
Foi quando eu entrei em cena. Minha prática legal já era um sucesso retumbante. Eu era uma advogada brilhante, com clientes poderosos e uma fortuna crescente. Eu vi a oportunidade, sim, mas também vi um homem desesperado. Um homem que eu, na minha ingenuidade, achei que poderia amar.
Paguei suas dívidas. Todas elas. As gigantescas e as minúsculas. Eu reestruturei o escritório, trouxe novos clientes, resgatei o que restava do nome Goulart. Murilo me aceitou por gratidão. Pelo menos era o que eu pensava antes. A cidade inteira zombava dele, chamando-o de "o gigolô", "o aproveitador". Eu o defendia. Eu o amava. Eu acreditei que o amor nasceria. Que nosso vínculo seria inquebrável.
Eu estava errada.
Eu era a provedora de toda aquela família parasita. Maitê, a adolescente, eu a criei desde os seus doze anos. Paguei por seus professores particulares, suas roupas de marca, seus brinquedos caros. Eu a levei para consultas médicas, preparei suas refeições favoritas. Por cinco anos. Eu era mais mãe dela do que Carmelinda jamais foi.
E os pais de Murilo? Marcelino e Carmelinda. Eles se aposentaram sem um tostão no bolso, suas pensões eram risíveis. Eu pagava a hipoteca desta mansão, que agora valia milhões graças aos meus investimentos e reformas. Eu pagava as contas de luz que se acumulavam por causa do ar condicionado sempre ligado. Eu pagava o seguro de saúde, os carros de luxo, as empregadas domésticas. Cada despesa, grande ou pequena, saía do meu bolso.
Eu nunca reclamei. Eu só queria ser amada, aceita. Eu não era apenas a companheira de Murilo. Eu era o banco, a babá, a empregada, a salvadora.
Meu próprio escritório, a base da minha fortuna, também sustentava o deles. Eu alugava espaço para os negócios da família Goulart a preços irrisórios, uma fração do valor de mercado. Meus clientes eram governadores, líderes de corporações, chefes de estado. Uma única consulta minha valia o salário anual de Murilo. Eu trabalhava sessenta horas por semana para manter o estilo de vida luxuoso deles. Para manter essa "família" unida.
E, apesar de tudo isso, eu ainda era uma estranha. Uma intrusa. A mulher que eles toleravam porque era rica.
Olhei para Rafaela, sorrindo docemente enquanto Carmelinda a elogiava. Aquelas roupas de grife custavam uma fortuna. Será que Rafaela poderia pagar por tudo isso? Será que ela arcaria com as contas da casa, os salários das empregadas, as aulas de Maitê? Será que ela pagaria a hipoteca?
Meu sorriso se tornou um escárnio silencioso. Eu duvidava muito. O cheiro de seu perfume caro era um lembrete vívido de que ela só aparecia quando havia dinheiro. O dinheiro que eu fornecia.
Eu me senti uma idiota por tanto tempo. Por ter acreditado neles. Por ter me doado tanto por tão pouco. Mas não mais. O jogo havia mudado. Eu era a jogadora. E eles, as peças do meu tabuleiro.
"Bruna, não vai nos ajudar com as malas da Rafaela?", Maitê perguntou, a voz doce, mas com um traço de ordem.
Eu respirei fundo. O ar começou a queimar em meus pulmões. Eu havia guardado minha ira por tempo demais.
Mas não era hora ainda. Não ainda.