"Essa... Kiara Medeiros", a matriarca, Eleonora Moraes, havia zombado em um jantar de família, seus olhos me percorrendo com desprezo indisfarçado, "dificilmente é a parceira adequada para um herdeiro Moraes. A reputação dela a precede, e não de uma forma que beneficie nosso legado."
Caio me defendeu, publicamente, é claro. "Mãe, Kiara é uma mulher forte. Ela passou por uma provação terrível. Ela merece nosso respeito."
Mas suas palavras soavam vazias para mim. Uma performance calculada, projetada para encurralar ainda mais sua família.
A família Moraes lançou uma campanha em grande escala contra nossa união. Eles cortaram o acesso de Caio ao fundo fiduciário da família, ameaçaram sua posição na empresa. Eles me baniram de eventos familiares, espalharam rumores sobre minha "inadequação".
Caio, por sua vez, usou as objeções deles para alimentar sua narrativa. Ele se tornou o amante desafiador, disposto a sacrificar tudo pela mulher que "amava". Ele encenou discussões públicas com sua família, vazando deliberadamente suas palavras duras para a imprensa.
Eu era sua arma, seu peão. Cada escândalo, cada humilhação pública, era projetado para provocar sua família, para deixá-los tão desesperados para se livrar de mim que aceitariam o "mal menor".
Juliana Ferraz. O nome era um sussurro constante nas conversas abafadas da família Moraes. A namorada de faculdade de Caio, a garota "rica nova" que eles desprezavam ainda mais do que a mim.
Tentei falar com ele, entender seu jogo. "Caio, do que se trata tudo isso?", perguntei a ele uma noite, depois de uma briga pública particularmente desagradável com sua tia. "Por que você está fazendo tudo isso?"
Ele olhou para mim, seus olhos frios e indecifráveis. "Você sabe por quê, Kiara. Estamos juntos nisso. Sobrevivemos a algo horrível. Merecemos felicidade."
Suas palavras eram uma mentira cuidadosamente construída. Eu podia sentir, como um arrepio na espinha.
Uma noite, depois de outro confronto familiar exaustivo, Caio me deixou sozinha em nossa cobertura gigantesca, alegando que precisava "resolver as coisas". Eu estava cansada, nervosa e totalmente infeliz.
Vaguei sem rumo, meus pés me levando ao seu escritório. A porta estava entreaberta. Um murmúrio baixo de vozes vinha de dentro. A voz de Caio. E outra, de uma mulher.
A curiosidade, uma emoção perigosa, me puxou. Aproximei-me sorrateiramente, pressionando meu ouvido contra a porta.
"...você está indo muito bem, Caio. Eles estão quase quebrados." Era uma voz suave e melódica. Juliana Ferraz.
Meu coração martelou. Prendi a respiração, me esforçando para ouvir.
Caio riu, um som seco e sem humor. "Eles vão ficar. Vão me implorar para casar com você, meu amor."
Meu mundo parou. O ar saiu dos meus pulmões.
A voz de Juliana, agora tingida de uma satisfação cruel: "E a Kiara? A patricinha? Ela está servindo ao seu propósito, eu suponho. Uma distração conveniente, uma pária útil."
Uma onda de náusea me invadiu. Minhas mãos se fecharam, as unhas cravando nas palmas. Pária. Ferramenta. Peão.
A voz de Caio, desprovida de qualquer calor: "Ela não é nada. Um meio para um fim. Assim que eles aceitarem nosso casamento, ela estará fora de cena. Descartada."
Descartada. As palavras ecoaram na minha cabeça, frias e clínicas. Recuei da porta, minhas pernas de repente fracas. Minha cabeça girou.
Não foi apenas um sequestro encenado. Foi uma vida encenada. A minha vida.
Um móvel arrastou dentro do quarto. Gelei, me pressionando contra a parede, esperando que não tivessem me ouvido.
A voz de Caio novamente, mais perto desta vez. "E meu pai? Ele ainda está resistindo."
Juliana suspirou de forma brincalhona. "Ah, o velho. Ele ainda não sabe que você sempre consegue o que quer, querido? Especialmente quando você tem um motivo tão convincente para puni-lo."
Puni-lo? Meu pai? Do que ela estava falando?
"Ele tentou me passar para trás vezes demais, Juliana. Tentando bloquear nosso casamento, usando aquela garota Medeiros como uma distração dele. Ele achou que poderia me superar. Ele estava errado", a voz de Caio era venenosa, arrepiante.
Meu sangue gelou. Meu pai. Cúmplice.
A porta se abriu de repente. Eu ofeguei, tropeçando para trás.
Caio estava lá, seus olhos se arregalando ao me ver. Seu rosto, geralmente tão composto, foi momentaneamente despojado, revelando um lampejo de pânico.
"Kiara?", ele perguntou, sua voz perdendo o calor fabricado, tornando-se afiada, cautelosa.
Meus olhos ardiam. Minha garganta estava apertada. Um nome, um nome que não era pronunciado há semanas, saiu do meu peito. "Juliana?"
Ele enrijeceu. Atrás dele, Juliana emergiu, uma visão de elegância recatada em um roupão de seda. Seus olhos, geralmente tão suaves, agora estavam duros, calculistas. Um sorriso triunfante brincava em seus lábios.
"Kiara", ela ronronou, sua voz pingando uma doçura falsa. "Que surpresa. Estava procurando por Caio?"
Meu olhar voltou para Caio. Seu rosto era uma máscara novamente, mas o tremor em suas mãos, o leve cerrar de sua mandíbula, o traiu.
"Foi tudo uma mentira, não foi?", sussurrei, minha voz crua, quebrada. "Tudo. O sequestro. O heroísmo. O pedido de casamento. Tudo."
Ele não respondeu. Apenas me encarou, seus olhos como lascas de gelo.
Juliana deu um passo à frente, seu sorriso se alargando. "Claro que foi, querida. Você realmente achou que alguém como Caio se interessaria de verdade por alguém como você?" Ela riu, um som frágil e zombeteiro.
O ar ao meu redor crepitava com traição. Meu coração, que tolamente ousara ter esperança, se partiu em um milhão de pedaços. A humilhação, o terror, a intimidade forçada – tudo era um jogo. E eu era o brinquedo involuntário.
Minha visão ficou turva, não com lágrimas, mas com uma raiva súbita e avassaladora. Minhas mãos se fecharam em punhos. Eu queria gritar, despedaçá-los.
Mas outra voz, fria e firme, cortou a névoa. *Não lhes dê essa satisfação.*
Olhei para Caio, olhei de verdade para ele. O cavalheiro perfeito. O herdeiro de princípios. Tudo uma fachada. Ele era um monstro, envolto em ternos caros e um sorriso encantador.
Meu olhar se desviou para Juliana. A namorada gentil e graciosa. A mulher que secretamente movia os pauzinhos. Ela era tão cruel, tão manipuladora quanto ele.
Uma risada amarga escapou dos meus lábios. "Bem jogado, Caio. Bem jogado." Minha voz estava surpreendentemente firme, uma calma ártica se instalando sobre mim.
Seus olhos se estreitaram, um lampejo de algo indecifrável em suas profundezas. "Kiara, vamos conversar. Você não entende..."
"Eu entendo perfeitamente", cortei-o, minha voz ganhando força, tingida de um desprezo gelado. "Eu era um peão. Uma distração conveniente. Uma pária. E agora que servi ao meu propósito, devo ser descartada, certo?"
Juliana riu. "Que aluna rápida."
Eu a ignorei, meus olhos fixos em Caio. "Você explorou meu trauma. Você me exibiu como uma mercadoria danificada, tudo para conseguir o que queria." Minha voz falhou na última palavra, mas me recusei a deixar as lágrimas caírem.
Ele deu um passo em minha direção. "Kiara, eu nunca quis que você se machucasse..."
"Não?", zombei. "Você encenou um sequestro, Caio. Você me deixou acreditar que estava sendo violada. Você me fez implorar diante de uma câmera. Você usou a ambição do meu pai contra mim. E você fica aí parado e me diz que nunca quis que eu me machucasse?" Minha voz se elevou, crua de incredulidade e fúria.
Ele se encolheu. Bom. Que ele sentisse algo.
Virei-me para Juliana, um sorriso venenoso no rosto. "E você. O 'verdadeiro amor'. A 'vítima' da grande e má família Moraes. Você é tão doentia quanto ele."
O sorriso dela vacilou. "Como se atreve! Você não passa de uma mulher fácil, um brinquedo descartável para homens como Caio. Não se esqueça do seu lugar!"
Meu sangue ferveu. "Meu lugar?", ri, um som áspero e sem humor. "Meu lugar é bem longe de vocês duas, cobras patéticas e manipuladoras."
Examinei a cobertura opulenta, o mundo cuidadosamente curado de Caio. Meus olhos pousaram em um vaso de cristal de Murano de valor inestimável, em um pedestal perto da janela. Sem pensar duas vezes, passei o braço por ele.
O vaso caiu no chão, quebrando-se em mil pedaços, o som ecoando pelo silêncio atordoado.
Caio ofegou. "Kiara! O que você está fazendo?"
Peguei uma pesada estátua de bronze de uma mesa próxima e a arremessei em uma pintura, rasgando um buraco enorme na tela. "É isso que estou fazendo, Caio!", gritei, minha voz crua de fúria liberada. "Estou obliterando seu mundinho perfeito, assim como você obliterou o meu!"
Peguei uma pilha de papéis de sua mesa, rasgando-os em pedaços, espalhando-os como confete. "Você quer me descartar? Tudo bem. Mas vou me certificar de que não sobre nada para você aproveitar quando eu for embora!"
Juliana gritou, encolhendo-se. Caio correu para frente, agarrando meu braço. "Pare com isso, Kiara! Você está louca!"
Meus olhos encontraram os dele, ardendo com um fogo que eu não sabia que possuía. "Claro que estou louca, Caio! Você me deixou assim! E sabe de uma coisa? Eu me arrependo de cada segundo que perdi te amando. Acabou entre nós."
Ele me encarou, seu aperto afrouxando, um lampejo de algo que parecia quase medo em seus olhos.
Arranquei meu braço de seu aperto, virando-me para sair. Enquanto me afastava, ouvi a voz triunfante de Juliana: "Já vai tarde, Kiara. Você nunca esteve no nível dele."
Parei na porta, virando-me. Meu olhar varreu os dois, duas figuras congeladas em sua falsidade. Uma determinação fria e dura se instalou em meu coração.
"Vocês acham que acabou?", eu disse, minha voz mal um sussurro, mas infundida com uma promessa arrepiante. "Vocês não têm ideia do que está por vir."