O Pianista Destroçado: O Retorno do Espírito Inquebrável
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Capítulo 4

O décimo quinto dia. Não sei como consegui. Puro instinto animal. Um vislumbre de uma janela aberta, um momento de desatenção dos meus sequestradores. Um salto desesperado. Eu corri. Corri até meus pulmões arderem, até minhas pernas gritarem, até o mundo girar em uma névoa estonteante de dor e terror. Minha fuga foi um borrão, uma corrida frenética por ruas desconhecidas, o gosto de sangue na boca, o eco de gritos nos meus ouvidos. Eu не sabia para onde estava indo, apenas que tinha que estar em qualquer lugar, menos ali.

Corri até meu corpo ser uma casca oca, até a exaustão ameaçar me engolir por inteiro. Justo quando pensei que não conseguiria dar mais um passo, um som me alcançou. Fraco a princípio, depois ficando mais alto. Música. Uma banda ao vivo. Risadas. Uma multidão.

Minha mente, ainda fraturada pelo trauma, registrou apenas uma coisa: pessoas. Segurança.

Tropecei em direção ao som, impulsionada por uma necessidade primal de salvação, alheia às minhas roupas esfarrapadas, minhas feridas sangrando, minha humilhação pública e crua. Eu só precisava ser vista. Ser salva.

A música me levou a um grande salão de baile, banhado pelo brilho suave de lustres elegantes. Uma gala de caridade. Um mar de vestidos cintilantes e ternos sob medida. E lá, em um palco bem iluminado, estava Thiago. Meu noivo. Ele estava fazendo um discurso poderoso, sua voz ressonante, carismática. Ele falava sobre filantropia, sobre retribuir, sobre fazer a diferença.

Uma risada amarga borbulhou na minha garganta, interrompida por uma nova onda de náusea. Ele tinha dinheiro para organizar eventos de caridade luxuosos, para financiar apresentações musicais, para fazer discursos inspiradores. Mas nenhum dinheiro, nenhum tempo, nenhum interesse em me salvar. A ironia foi um soco no estômago.

Eu fiquei ali, nua, exceto pelos poucos trapos que se agarravam ao meu corpo, em meio à multidão opulenta. Minha pele, uma tela de hematomas, cortes e queimaduras de cigarro, estava exposta para todos verem. O fedor do meu próprio medo e suor parecia se agarrar a mim, um contraste gritante com o perfume e a colônia que enchiam o ar.

Todos os olhos na sala se voltaram para mim. Todas as conversas sussurradas morreram. A música vacilou, depois parou. Todos os holofotes brilhantes, destinados a Thiago, à sua grande caridade, giraram e focaram em uma única figura quebrada. Eu.

O rosto de Thiago, que irradiava um charme benevolente, se contorceu em um instante. O calor drenou de seus eyes, substituído por um olhar frio e duro. Ele não me viu. Ele viu um espetáculo. Um problema.

Ele não correu para mim, não me abraçou, nem mesmo perguntou se eu estava ferida. Suas primeiras palavras, proferidas em um silvo baixo e furioso, estavam carregadas de uma raiva mal contida. "O que diabos você está fazendo, Helena? Você quer estragar meu discurso? Por que você está sempre fazendo drama?"

Drama. A palavra me atingiu com mais força do que qualquer golpe físico. Drama? Era isso que ele pensava? O terror, a fome, a tortura, a dor inimaginável - tudo isso era apenas "drama" para ele? Minhas feridas, minhas cicatrizes, a agonia profunda que eu acabara de suportar, eram apenas um inconveniente, uma exibição teatral projetada para perturbar sua noite perfeita?

Lágrimas escorriam pelo meu rosto, quentes e ardentes contra minha pele em carne viva. "Thiago", solucei, minha voz um sussurro irregular, "por que você не me salvou? Nós nos conhecemos desde crianças. Íamos nos casar. Por que você deixou isso acontecer?"

Tentei contar a ele, explicar o horror mais profundo, a vida que quase criamos. "Eu estava grávida, Thiago. Nosso bebê-"

Ele me interrompeu, sua mão se erguendo, não para confortar, mas para silenciar. "Chega, Helena!" Ele me empurrou, um empurrão áspero que me fez tropeçar para trás na multidão horrorizada. Seus olhos, embora cheios de um lampejo de algo ilegível, estavam principalmente frios, distantes.

"Você precisa ser sensata, Helena", disse ele, sua voz recuperando seu tom controlado e público. "Você precisa aprender a se comportar. A ser discreta." Ele olhou ao redor para os rostos boquiabertos, as câmeras piscando. "Isso não está ajudando ninguém. Sua imprudência, sua... performance... está apenas provando o meu ponto."

"Performance?" Mal consegui sussurrar a palavra. Ele achava que eu estava atuando. Ele achava que minha agonia era um show. Eu o encarei, o homem que deveria ser meu futuro, e vi um estranho. Um monstro.

As lágrimas continuaram vindo, um rio interminável e silencioso de dor e choque. Seus olhos permaneceram secos, sua expressão inabalável. Ele não tinha lágrimas por mim. Nenhuma piedade. Nenhum amor.

                         

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