Lembrei-me das regras rígidas de sua mãe. "Sem hóspedes para pernoitar, Alice", ela sempre insistia. "Especialmente não na suíte principal. Dá azar e é desrespeitoso com a santidade do casamento." Bruno havia mantido essas regras religiosamente, mesmo quando minha própria irmã nos visitou. Mas para Cristal, todas as regras foram aparentemente suspensas. As regras de sua mãe, meu conforto, nossa santidade percebida – nada disso importava.
Ele sempre foi tão cuidadoso com as aparências, tão insistente em limites. Mas com Cristal, esses limites se dissolviam no ar. Ele era um homem diferente perto dela, um homem que eu mal reconhecia, um homem que agora eu ressentia profundamente.
Cristal, que de alguma forma reapareceu ao seu lado, olhou para mim com falsa inocência, a cabeça ligeiramente inclinada. "A menos que... a menos que você esteja com medo, Alice?" Seus olhos continham um desafio, uma provocação sutil.
"Não", eu disse, minha voz plana, desprovida de emoção. "Não estou com medo. Mas a Cristal pode ficar em um hotel. Posso ligar para um para ela, há muitos resorts cinco estrelas por perto." Minha voz estava calma, quase distante. Eu estava tentando ser razoável, encontrar uma solução que não destruísse completamente os últimos resquícios da minha dignidade.
O lábio inferior de Cristal tremeu. "Oh, eu esqueci completamente de reservar um", ela murmurou, sua voz quase inaudível. "E os únicos que restam são aqueles... motéis sujos na periferia da cidade. Eu não me importo, de verdade. Estou acostumada a passar perrengue." Ela deu um sorriso corajoso e lacrimoso.
Bruno imediatamente pegou o braço dela, puxando-a para mais perto. "Não seja boba, Cristal", ele disse, sua voz tingida de preocupação. "Você vai ficar com a gente." Ele se virou para mim, seus olhos agora frios. "Do que você tem tanto medo, Alice? Não há nada acontecendo entre nós. O que aconteceu entre Cristal e eu está no passado. Acabou."
Passado? Acabou? As palavras tinham gosto de cinzas na minha boca. Meu olhar caiu para o colarinho dele. Uma marca vermelha fraca e borrada. Batom. O tom de Cristal. Minha garganta se apertou. Ele a tinha acabado de beijar. Ou ela o tinha beijado. E ele usava aquilo como um troféu.
Como ele a confortou? O que ele disse? Ele disse a ela que ela era seu único e verdadeiro amor? Ele disse a ela que eu era apenas uma distração temporária? Meus pensamentos entraram em espiral, escuros e sufocantes.
"Você é inacreditável!", eu gritei, o controle que eu mantive com tanto cuidado finalmente se quebrando. Minha voz falhou, crua de dor e fúria. "Seus olhos estão grudados nela, cada ação sua é por ela! Você me deixou parada na chuva, sozinha! E para quê? Pelo tornozelo torcido dela? Você não consegue nem ver além dela para notar o que está acontecendo ao seu redor! E você espera que eu não pense nada disso?"
Eu senti como se estivesse me desfazendo, cada nervo gritando. "Você correu atrás dela como um cachorrinho apaixonado! Você entregou a ela o colar, aquele que todos pensavam que era para o nosso aniversário, para a nossa recepção formal em três dias! Você deu a ela meus sapatos! Você me abandonou! E agora você quer que ela fique em nossa casa? Minha casa?"
Eu balancei a cabeça, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. "Não", eu declarei, minha voz firme apesar do tremor em meu corpo. "Ela não vai pisar na minha casa."
Bruno olhou para mim, seus olhos frios, desprovidos de qualquer reconhecimento. Ele olhou para mim como se eu fosse uma louca, uma estranha. "Pense o que quiser, Alice", ele disse, sua voz plana, descartando minha dor, minha raiva, minha própria existência.
Cristal gemeu novamente, um som suave e patético, agarrando o braço de Bruno.
Ele olhou para ela, sua expressão suavizando instantaneamente. Ele a conduziu gentilmente para seu carro, abrindo a porta do passageiro. Ele praticamente a acomodou lá dentro. Ele nem olhou para mim quando entrou no banco do motorista.
O motor ronronou e o carro partiu, me deixando parada na entrada da garagem. A chuva se intensificou, me encharcando até os ossos. Cada gota parecia uma ferida nova.
Tropecei para trás, minhas pernas fracas, o mundo inclinando-se precariamente. A chuva forte continuou a cair, me cegando, me gelando. Eu estava totalmente sozinha, abandonada, encharcada e de coração partido.
Um arrepio súbito, não da chuva, percorreu minha espinha. O carro de aplicativo. O motorista suspeito. Eu tinha esquecido. Meu celular estava morto, um espelho preto na minha mão trêmula. Eu não podia ligar para ninguém. Eu estava ilhada.
Meu coração martelava contra minhas costelas, um terror familiar subindo pela minha garganta. A escuridão da noite, a chuva implacável, as ruas vazias. Era exatamente como naquela noite, anos atrás, quando fui sequestrada. As memórias voltaram, rápidas e sufocantes. O suor frio, o pulso acelerado, o apelo desesperado por segurança.
Eu tinha que chegar em casa. Eu tinha que. Comecei a andar, cegamente, a chuva embaçando minha visão. Minha respiração engasgou na minha garganta. Um par de faróis cortou a penumbra. Um carro diminuiu a velocidade e parou ao meu lado. Era o carro de aplicativo. As janelas escuras, a silhueta indistinta do motorista. Meu estômago despencou. Era isso. Cada fibra do meu ser gritava para eu correr. Mas para onde?