Renata afastou-se do grupo e foi em direção de um pequeno quiosque de madeira onde tinha vários objetos feitos de barro e bugigangas penduradas.
Renata começou a olhar cada peça e se encantava cada vez que olhava mais, sua curiosidade a levou para dentro do quiosque cheio de imagens esculpidas em barro cada uma mais perfeita que a outra.
Na parte mais escura do quiosque Renata estendeu a mão para pegar uma peça quando foi interrompida bruscamente por uma mão fria e desgastada. De dentro da escuridão uma voz se fez presente:
- "Filha vocês vão para perto da serra, se você quiser viver não vá, hoje vai ser uma noite especial, a neblina na serra vai ser mais intensa e as almas rejeitadas irão descer e quem estiver perto vai ser possuído, após seu corpo tomado a alma vai vagar junto com você para sempre". - Diz com um olhar intenso a Velha Senhora que sai da escuridão revelando seu rosto velho e cansado.
Renata tem uma reação enérgica e puxa sua mão, sai correndo do quiosque assustada em direção de seus amigos que já estão no carro à sua espera.
- O que foi Renata? Viu algum fantasma, que cara mais assustada- Diz Rodrigo querendo puxar assunto.
- Não foi nada? É só uma Velha Senhora que me assustou. – Diz Renata olhando para o quiosque pensativa.
A velha fixa o olhar firme e penoso na direção de Renata que fica observando enquanto seu corpo sente um rápido arrepio.
O Beato olhando por baixo de seu chapéu acompanha tudo como se pressentisse aquela cena.
A Velha Senhora se sente observada e retorna para seu refúgio escuro sorrateiramente como se guardasse um terrível segredo.
No carro se acomodaram os cinco jovens e começaram sua viajem em direção ao Pico do Papagaio onde iam passar uns dias no sítio.
Pedro Beato tomou seu último gole de café, levantou-se, rebateu a calça, ajeitou a bata e chapéu e saiu em direção do quiosque.
O carro com os jovens sumia na curva da estrada por que à tarde cinzenta já puxava a noite para ocupar seu lugar.
Pedro Beato chegou ao quiosque e começou a olhar todas as peças de barro e bugigangas penduradas enquanto aguardava Ana Gomes que parecia tê-lo esquecido naquele lugar sombrio do sertão.
Pedro Beato entrou no quiosque com a intenção de encontrar a Velha Senhora que viu quando a jovem saiu correndo, mas parecia que a senhora tinha sumido, fato que parecia impossível, pois não havia como sair dali sem ser percebida.
Após ficar por muito tempo observando as peças de barro e bugiganga pendurada sem êxito Pedro Beato foi advertido pelo o dono do quiosque que apresentava um aspecto esquisito:
- Padre o senhor quer alguma coisa?
- Gostaria de conversar com a velha Senhora que estava aqui neste instante, você sabe como posso encontrá-la. – Diz Pedro Beato querendo obter informação.
- Sinto muito Senhor Padre, mas aqui não tem e não tinha qualquer Velha Senhora que está procurando. – Diz o dono do quiosque desconfiado e firme em sua resposta.
- O Senhor pode estar enganado, pois eu mesmo vi uma Velha Senhora aí conversando com uma jovem que saiu assustada indo embora com outros jovens em um carro na direção de Triunfo. – Diz Pedro Beato mostrando que estava ciente dos acontecidos.
- Ela pode ter saído correndo por que os amigos estavam chamando e não por que aqui tenha alguma Velha Senhora para assustar turista, o senhor deve ter se engando. – Diz o dono do quiosque convicto e com rosto cerrado demonstrando insatisfação.
Neste instante Pedro Beato ouve o barulho do jipe chegando ao qual o faz sentir certo alívio.
Pedro Beato olha entre as peças e bugigangas a poeira que o jipe faz e vê quando Ana Gomes abre a porta e desce batendo a poeira de suas roupas com um lenço como se o mesmo fosse suficiente para conter toda aquela poeira.
- O senhor me desculpe, mas eu realmente queria conversar com a Senhora que estava aqui há alguns instantes, é importante! – Diz Pedro Beato insistindo em conversar com a Velha Senhora.
Quando o dono do quiosque tenta falar novamente é interrompido por uma voz cansada que vem do fundo escuro sem mostrar qualquer imagem na escuridão que se tem formado por causa do início da noite densa.
- Filho? Pode deixar que vou falar com o Padre, acho que ele quer saber a verdade sobre o que sei. – Diz a Velha como se soubesse o assunto que Pedro Beato queria conversar.
- Mãe pare com isto? A senhora já vem com esta conversa de novo. Liga não seu Padre minha mãe de vez em quando começa a falar coisas que até eu fico assustado. – Diz o filho da Senhora idosa querendo desconversar e protegê-la.
- Pode deixar moço, eu sei do que se trata e se o senhor não se importar eu gostaria de conversar com sua mãe a sós. – Diz Pedro Beato tranquilizando o filho da Velha Senhora dono do quiosque.
- Tudo bem o senhor é quem sabe, mas vai escutar uma história estranha e assustadora que ela de vez enquanto conta geralmente neste período e justamente em um dia com o de hoje. – Diz o dono do quiosque alertando Pedro Beato.
Ana Gomes chega ao quiosque e logo vai se justificando pela demora, mas enquanto fala observa que Pedro Beato está em uma viajem sobrenatural, pois parece que ela nem está ali com tanta atenção voltada para a Velha senhora.
- Ei? Eu estou aqui e estou falando com você, só por que atrasei ficou chateado! – Diz Ana Gomes tentando uma conversa com Pedro Beato.
Pedro Beato vira-se devagar em direção a Ana Gomes e com um gesto a convida para se aproximar e participar da conversa com a Velha Senhora.
A Velha Senhora anda um pouco com dificuldade em direção de uma velha cadeira de madeira de lei e acomoda seu corpo velho desgastado e cansado.
Pedro Beato e Ana Gomes seguem seus passos lentamente acompanhando a dificuldade da Velha Senhora de se locomover.
O filho da Velha Senhora começava apressadamente a arrumar as peças de barro e bugigangas para guardar e fechar o quiosque por que a noite chegava intensa e fria para aquela região do sertão.
A Velha Senhora se acomodou e com dificuldade na fala começa a contar a história. Pedro Beato e Ana Gomes atentos prestavam atenção na conversa.
- Padre o lugar que estes jovens estão indo neste período do ano acontece coisas que até hoje ninguém sabe contar direito o que é aterrorizando a região. Os moradores como se recebesse um aviso não saem de casa e vão dormir após tomar um chá de plantas que os fazem dormirem profundamente para não verem o que está acontecendo. – Diz a Velha Senhora com voz firme e olhos assustadores
- Eu já ouvi falar, mas sempre achei que era uma história inventada para assustar os moradores da região. – Diz Pedro Beato desconfiado.
- Pois é verdade senhor Padre, eu sei por que já estive lá e estou viva para contar, mas ninguém acredita em uma Velha Senhora de aspecto assustador como o meu. – Diz a Velha Senhora demostrando ressentimento.
- A Senhora agora pode contar, pois nós iremos te ouvir com atenção e acreditar em sua história. – Diz Ana Gomes motivando a Velha Senhora.
A Velha Senhora esboçou um sorriso espontâneo mostrando as rugas de seu rosto e lábios desgastados pelo tempo e começou a contar a história.
Há muito tempo atrás fui convidada por minha amiga Maria para visitar um tio dela lá em Triunfo em um sitio próximo a Serra do Pico do Papagaio.
O tio de Maria me parecia um pouco estranho, mas não liguei por que estava como visita, então fiquei tranquila.
Quando a noite chegou, parecia que a noite lá chegava mais cedo e havia um frio que parecia que o lugar ia para longe do sertão, estávamos em outra região, em outro estado ou país de tão frio e escuro que ficava o lugar.
O tio de Maria se comportava estranho, fazia as coisas com mais rapidez. Todos da casa acompanhavam sua presa em deixar as coisas arrumadas, portas e janelas trancadas, parecia assustador vê aquele movimento como se alguma coisa naquela noite fosse acontecer.
Ouvia muitas histórias no sertão, lobisomem, aparições, mas aquilo que eu estava presenciando era diferente, então comecei a estranhar.
Por volta das nove horas da noite a mulher do tio de minha amiga Maria chegou com um chá e foi colocando nas canecas e todos que estavam na sala foram pegando e começando a tomar, parecia um ritual.
Peguei minha caneca com desconfiança e fiquei observando que todos tomavam o chá normalmente, mas não conseguia tomar aquele chá, então fingia ao colocar a caneca na boca, mas nada bebia.
O tempo foi passando e todos tomaram o chá, fingindo ter tomado juntos com eles me prontifiquei a levar as canecas para a cozinha e coloquei minha caneca junto para que não desconfiassem.
Retornei e observei que todos estavam com muito sono e procurando um lugar para dormir.
Aquela situação foi me deixando constrangida, mas nada podia fazer, não gostei do chá por que iria tomar só para agradar os outros.
A noite parecia assustadora e eu ali com pessoas que não conhecia, dormindo parecendo mortos vivos. O medo foi tomando conta e a casa foi ficando assustadora, pois o silêncio ficava cada vez mais perceptível.
Meia-noite quando o silêncio predominava um pequeno raio de luz rasgou a escuridão intensa e começou a aparecer e desaparecer por um pequeno buraco da janela de madeira velha.
Fiquei parada observando aquela luz. Um barulho fez minha atenção se voltar para a outra janela quando esta foi se abrindo vagarosamente como se alguém a estivesse abrindo para entrar sem ser notado.
Naquela sala escura fiquei parada com o medo arrepiando meu corpo e tomando conta de minha alma, fiquei totalmente inerte.
Com os olhos entreabertos fiquei aguardando alguém entrar pela janela. Após alguns segundos de aflição uma mão luminosa apareceu segurando a janela e em seguida foi aparecendo um rosto luminoso que com um olhar preciso vistoriou todo o ambiente como se procurasse alguém.
Parada estava, parada fiquei, mas olhando aquela coisa luminosa com aspecto de ser humano.
Todo ambiente começou a ser conferido por aquela coisa luminosa até que outro aspecto o chamou. O aspecto de humano não chegou onde eu estava depois sumiu do mesmo modo que apareceu, de repente.
Fiquei alguns minutos ainda parada observando algum barulho ou movimento, mas nada mais ouvi, então levantei bem devagar e fui até a janela para tentar ver alguma coisa ou descobrir o que estava acontecendo.
Quando cheguei à janela tentei olhar por entre seus talhes e brechas o que acontecia lá fora. Fiquei surpresa quando vi vários aspectos como se estivessem em uma reunião de almas, todas reluzentes.
Tomei um susto ao ver aquelas coisas lá fora, mas fiquei tentando entender o que acontecia quando acabei derrubando a jarra de chá e fazendo um barulho chamando atenção das almas.
Uma delas que parecia que coordenava as outras virou para onde eu estava com um olhar frio e tenebroso e ficou observando algum movimento.
Fiquei parada e com tanto medo que até minha respiração parou por uns instantes.
Durante algum tempo nada aconteceu, então voltei a olhar para fora e não havia mais nada, era como se todas tivessem desaparecido em instantes.
O tempo parecia parado até eu ouvir um grito ensurdecedor e lamentoso vindo do vale envolta da Serra do Pico do Papagaio.
Fiquei assustada, mais nada podia fazer, estava presa ali, sem saber que atitude tomar.
O grito continuou, parecia que estavam tirando a pele de alguém vivo, pois os gritos de lamento causavam arrepio.
Eu estranhava por que ninguém acordava do sono profundo e os gritos ficavam cada vez mais intensos.
Mesmo com medo tentei olhar de novo pela fresta da janela quando observei que alguém vinha saindo da mata próxima a casa andando lentamente.
A pessoa parecia que sabia que eu estava ali, pois vinha lentamente em minha direção.
Novamente fiquei parada, sem forças para sair e fugir enquanto a pessoa vinha em minha direção como se soubesse que eu ali estava.
Fechei meus olhos, baixei a cabeça e comecei a rezar, mas estava com tanto medo que nem me concentrava direito no que fazia.
A janela começou a ser aberta lentamente, sem saber o que fazer fiquei parada perto da janela, sem respirar.
A pessoa de vestes escura, trazendo frio em seu corpo me olhou, rondou com seu rosto em volta do meu e parou um instante.
Senti que aquela pessoa não estava viva, mas também não estava morta.
Após algum tempo a pessoa que não dava para saber que era se voltou para a mata e seguiu para seu interior como se tivesse algum compromisso dentro daquela mata escura.
Onde estava fiquei até dormir de cansada, ao acordar percebi que todos estavam em casa tranquilos, como se nada tivesse acontecido.
Quando o silêncio é interrompido por um grito desesperador vindo do caminho que dava para a casa do sítio.
Uma mulher chorava desesperada procurando seu filho que tinha desaparecido sem deixar vestígios enquanto era apoiada por uma velha senhora que falava bem alto. Elas vieram novamente e levaram mais uma alma viva, até quando isto vai acontecer. Malditas almas rejeitadas...
As duas seguiram o caminho e todos seguiram suas tarefas como se nada tivesse acontecido.