/0/2143/coverbig.jpg?v=0414d9cc43dddd63358c0f3a2bcdcb0f)
O dia amanheceu e com ele a sensação maravilhosa de que vou fazer um teste para trabalhar de garçonete, e uma sensação mais maravilhosa ainda de que vou conseguir esse emprego. Dedos cruzados, porque não posso perder essa oportunidade, é conseguir a vaga ou roubar um banco, que daria mais dinheiro, porém eu correria o risco de morrer, ou na pior das hipóteses, ir presa... Se bem que morrer não é a melhor das hipóteses, também.
- O que você está fazendo? - me viro e vejo Lúcia encostada na porta do meu quarto me vendo dançar animadamente com minha blusa gigante que roubei do meu irmão e minha calcinha cor de rosa com desenhos de unicórnios.
- Comemorando que estou quase empregada. - a puxo pelo braço fazendo uma dancinha atrapalhada.
- Então comemore mais, sabe por quê? - ela diz animada.
- O quê? - paro com curiosidade.
- Chuta. - rodopia.
- Você sabe que sou curiosa Lúcia, fala logo. - lhe bato com um travesseiro.
- Eu também vou fazer um teste. - grita pulando em cima de mim, nos fazendo cair na cama.
- Não acredito. - grito com euforia.
- Eu estava doida para te contar, mas quando eu cheguei ontem você já havia dormido. - outra coisa que ainda não contei a vocês, eu estudo a tarde e Lúcia a noite, estudamos na mesma instituição, mas em horários diferentes. Inicialmente era no mesmo horário, mais tivemos que mudar por conta dos nossos serviços. Então sempre que eu chego ela já saiu, e às vezes quando ela chega eu estou acordada, mas muitas vezes já estou dormindo.
- Podia ter me acordado. - lhe empurro devagar.
- Você estava cansada, foi bom ter esperado, hoje te peguei com toda a energia. - nós rimos.
- Então, tu vais trabalhar aonde?
- Sabe aquela padaria lá da rotatória da VP8? - Fala de uma padaria chique que tem aqui na cidade. - é lá.
- Filha da puta, eu queria trabalhar lá e tu que conseguiu. - lhe bato com o travesseiro.
- Vacilona. - rir me batendo de volta, nos levando a uma infantil guerra de travesseiros.
Após o banho eu me junto a mesa com minha melhor amiga que está mais para irmã, para juntas tomarmos nosso café da manhã e depois ela sai me pedindo para desejar sorte no seu novo emprego. Como hoje era o primeiro dia dela, mandaram ela ir mais tarde, porém a partir da próxima semana parece que terá que começar a levantar bem mais cedo, pois a padaria abre às cinco da manhã e algumas funcionárias têm que estar lá nesse horário com o padeiro.
Aproveito a solitude a qual encontro- me e resolvo fazer uma faxina em nosso pequeno apartamento. Passo parte da manhã arrumando o apartamento que estava de pernas para o ar, e depois coloco todas as roupas sujas, minha e de minha amiga na máquina para poder lavar.
No final da manhã estou morta de cansada, mas com a casa cheirosa e com tudo arrumado. É aquela coisa né? Uma mulher com a casa arrumada não quer guerra com ninguém. E eu amo ver tudo arrumadinho, pode ser efeito de uma boa virginiana que sou, ou simplesmente por eu ser uma pessoa que não gosta de ficar deitada curtindo preguiça enquanto minha pia está lotada de louças, o meu fogão está pregando nos dedos e a geladeira está com as portas abrindo de tanto gelo. Acredite, já entrei em casas com um senário pior que esse.
Quando Lúcia chega estou com o almoço feito, e arrumada para ir para a faculdade.
- Uau, o furacão Bruna Rodrigues ataca novamente. - diz ao ver tudo arrumadinho.
- E se eu chegar aqui ao fim da tarde e o furacão Lúcia tiver passado por aqui eu juro que cometo um assassinato. - ameaço minha amiga bagunceira.
- Nem sei quem é essa tal Lúcia. - levanta as mãos em sinal de rendição.
- Pois acho bom saber. - faço cara de brava.
- Que cheiro maravilhoso, estou morta de fome. - ignora minha ameaça e vai em direção as panelas.
- Porca, não vai nem tomar banho antes de almoçar? - provoco.
- Para descolorir minha pele? Não. - rir - eu estou morrendo de fome, sem contar que ninguém vai me cheirar mesmo. - rolo os olhos.
- Quanta desculpa para ficar fedorenta meu Deus.
- Pare de falar asneiras e se adiante que você está atrasada. - olho no relógio.
- Misericórdia. - saio em disparada pela porta.
- Cuidado, melhor chegar atrasada que morta. - ouço minha amiga gritar, mas já estou longe para responder qualquer coisa.
Chego em cima da hora na parada, entro no ônibus que está lotado como de costume, fico em pé espremida na porta juntamente com várias outras pessoas, olho para o fundo e vejo os mais privilegiados sentados como reis em suas poltronas que conseguiram obviamente porque foram muito amados pelo criador e deram a sorte de a nossa condução passar primeiro em frente suas portas.
Espera aí, aquela de azul ali no canto é a Vanessa Castro? Bege estou, bege estou. Frozen versão Bruna doida de pedra. Para tudo que quero descer, mentira, quero não. Mas gente, Vanessa Castro é simplesmente uma das maiores patricinhas que já vi na vida, e olha que já vi muitas delas. A menina só pisa no chão porque não pode flutuar, parece uma abelha rainha na universidade e agora estou vendo ela em carne, ossos, roupas de grife e maquiagem excessivamente glamourosa, dentro do busão amarelo com nome "escolar", porque nem um ônibus universitário não conseguimos ter.
Olho para ela com todo o choque estampado na minha cara e ela me encara com seu nariz empinado, eu sorrio com simpatia sem acreditar que a estou vendo aqui e, espera... E ela revirou os olhos para mim? Que atrevida. Levo a mão no queixo na intenção de fechar minha boca que está escancarada por ver a dita cuja aqui. Levanto minha cabeça e faço a minha melhor pose de mulher sofisticada, e até deu certo por três segundos, mas bem na hora que fui arrumar meu cabelo que caia na minha cara o motorista fez uma curva fazendo com que o ônibus se movimentasse de forma brusca, e eu, em pleno meio dia e meio fui com tudo para frente levando uma dúzias de pessoas a caírem como porcos no abatedouro um por cima do outro.
Olhando de longe até que ficamos bonitinhos, todo mundo empilhado. Olhando de perto é a cena mais horrorosa que alguém poderia vivenciar na vida, um por cima do outro, os últimos morrendo sem fôlego, os que podiam falar chingando todo tipo de atrocidades que você pode imaginar. E eu? Com o sorriso mais amarelo do mundo tentando me desculpar por ser uma criançona que ficou disputando poses com uma perua que sabe Deus porque está aqui dentro, mas o que eu sei é que está me olhando agora com um olhar de superioridade e um sorriso de deboche no rosto. Essa piranha cor de rosa, ai que ódio dela, ai que ódio dessa faculdade, ai que ódio do meu desastre.
A cidade universitária como sempre está lotada de carros entrando e saindo, e em fim nosso busão consegue parar em frente o portão, onde eu e minha cara de tacho podemos descer e correr para dentro da universidade que para minha sorte é enorme e como ninguém do ônibus estuda na minha sala, não vou precisar passar a aula toda como um robô evitando olhar para os lados para não morrer de vergonha.
- Bruna, que bom que tu chegaste. - essa é a Marisa, minha amiga mais próxima aqui na facul. - tu vais morrer quando ver o gato que vai estudar com a gente agora. - e vocês têm que saber que Marisa é tarada em tudo quanto é homem.
- Você e sua lista de gatos. - rolo os olhos.
- Mas ele parece um Deus grego Bru, tu vais ver.
- A cala a boca Mari. - digo rindo ao adentrar a sala e ao mesmo instante sentir minha pressão cair ao olhar pro, cara digno de Hollywood que está sentado próximo à carteira que gosto de sentar.
- Eu falei. - Marisa canta ao passar por mim. Pisco três vezes e rumo para minha mesa. É impressão minha ou o ar hoje não está esfriando nada?
- Com licença. - ouço uma voz grave me chamar.
- Sim? - é só o que consigo balbuciar ao me deparar com aqueles olhos hipnotizantes me encarando.
- É que estou meio perdido aqui, sou novo na turma como você deve ter percebido. Você pode me tirar algumas dúvidas sobre horários, essas coisas? - para qualquer outra pessoa eu diria que não trabalho na diretoria, mais para esse cara de maxilar quadrado e cabelos claros, eu só consigo imaginar a reposta de "claro, me segue até minha cama que te encontro rapidinho, se você quiser pode ser na sua também, não tenho objeção".
- Posso sim, claro. - sorrio com simpatia.
- Que bom! É difícil encontrar gente disposta a ajudar nessas instituições. - que voz meu Deus, que voz.
- Realmente, mas eu sou bem receptiva. Você pode me procurar sempre que precisar tirar alguma dúvida. - inclusive na cama.
Ai Bruna, para de ser safada.
- Obrigado, você também pode me procurar quando precisar. - porque ninguém ligou a droga da central hoje? - inclusive, meu nome é Fábio.
- Ah! O meu é Bruna. - balbucio colando minha mão na dele, e que mão forte.
- É um prazer Bruna. - diz sorrindo, que sorriso perfeito, cheio de dentes branquinho, parece comercial de pasta de dentes.
- O prazer é todo meu. - perdi o resto de fôlego que tinha.
- Solta a mão do cara. - Marisa sussurra no meu ouvido. Levo um susto largando a mão de Fábio, que vergonha meu Jesus. - e fecha a boca antes que a baba caia no colo dele, safada.
- Quê? - pergunto incrédula.
- Meu nome é Marisa, pode me procurar também se precisar de algo. - minha colega oferecida de classe diz estendendo a mão para o Fábio.
- É um prazer Marisa, lhe estendo a mesma oferta. - rir.
- Que bom que somos todos muito receptivos, né Bruna? - a cobra me provoca.
- Principalmente você, Marisa. - devolvo.
- Você com certeza se molha mais rápido. - diz me deixando de queixo caído. - fecha a boca amiga. - fala batendo no meu queixo.
- Boa tarde, senhores! - a professora entra na sala me tirando daquele vexame de vergonha.
Envolvo-me com a explicação da professora sobre o assunto e, quando percebo a primeira parte da aula passa que nem vejo. Eu e Mari saímos da sala, para passar nossos quinze minutos de intervalo e, após dar uma passadinha no banheiro seguimos para a cantina. Cantina essa que deveria se chamar "me rouba logo" pense em um lugar de comida cara, um caldo é oito reais, um pastel com suco são doze reais. E por aí vai... Mari compra um caldo e eu como a pobre conformada que sou, abro minha vasilha amarela de tamanho pequeno que comprei na revista da Avon, retiro um pedaço de bolo que trouxe de casa e começo a lanchar.
- Você parece aquelas crianças da creche. - Marisa rir.
- Preciso pagar minha faculdade, amor, posso comprar coisas nessa cantina não.
- Nem me fale em pagar, porque não sei mais o que vou fazer sem trabalho.
- Não conseguiu nada ainda? - pergunto preocupada. O desemprego no Brasil só cresce e o desespero cresce junto.
- Tentei conseguir um até de babá, mas está difícil. - ela rir desanimada.
- Desanima não amiga, daqui a pouco você consegue.
- Tem três meses que estou tentando Bru, já estou pensando em voltar para casa dos meus pais e desistir dessa faculdade enquanto eu ainda tenho pelo menos o dinheiro da passagem.
- Olha só aqui garota - aponto o dedo na cara dela. - pare já com isso, nós não desistimos, esqueceu? A gente luta e depois rir de toda essa merda.
- A gente desisti quando vê que não tem mais nem sequer como pagar o aluguel. - bate no meu dedo. - minhas economias já se esvaíram.
- Olha aqui Marisa, tira esse olhar de derrota do rosto. - exijo. - porra, olha aonde nós conseguimos chegar amiga, na metade do curso, vai desistir de tudo agora? Eu sei que está difícil, mas as coisas vão mudar. Um dia Marisa. - aponto para ela. - um dia a gente vai dar a volta por cima e iremos ser chamadas de doutoras Marisa Linhares e Bruna Rodrigues. - sorrio.
- Antes desse dia chegar doutora, me diz como vou pagar minhas contas sem emprego?
- Que tal comprarmos um frango preto? - pergunto fazendo com que nós duas caiamos na gargalhada.
- Só você mesmo Bruna. - diz rindo.
- Vamos voltar para sala que a professora já deve estar por lá. - falo me levantando.
- E o Fábio também né? - provoca enlaçando o braço no meu.
- A maioria dos alunos deve estar. - rolo os olhos fazendo minha amiga rir com deboche.
- Sabe, eu andei pensando. - diz dando tapinhas no meu braço. - e se eu trouxesse salgados para vender?
- Amei a ideia Mari. Eu amo salgados, principalmente os de carne ou queijo e presunto. - falo animada. - só não gosto dos de frango. - sorrio.
- Pois vou comprar os ingredientes e aprender a fazer. - olho surpresa para ela.
- Você não sabe fazer salgados?
- Não. - da de ombros.
- Então daqui a pouco você abre uma franquia. - ironizo.
- Ei, eu também não sou burra, vou assistir aulas no YouTube. - diz me fazendo rir.
- Tem o meu total apoio. - respondo com sinceridade.