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Os dias se passaram. Semanas. Mas Victoria ainda estava pensando em Nova Iorque. Era sim, feliz com a sua vida em Londres - não havia motivos para reclamar, afinal, ela era filha de um conde. Mas depois do periódico, sentiu que não gostaria de ser apenas a filha do conde. Desejava ter seu nome conhecido, como uma mulher corajosa e aventureira.
E após longas semanas remoendo isso em sua mente, Victoria decidiu: embarcaria no próximo navio em direção aos Estados Unidos da América. Decidiu, de repente, enquanto comia batatas durante o jantar. Pegou sua taça com água rapidamente, batendo com um talher que ainda não havia sido utilizado, chamando a atenção:
- Nas últimas semanas tive muito o que pensar - Victoria disse e tomou um pouco de sua água para prosseguir. Todos sentados à mesa, lhe deram atenção. - E agora, finalmente cheguei à conclusão.
Todos olhavam atentos, esperando que prosseguisse. Mas Victoria queria que alguém lhe perguntasse, para que ela respondesse.
- E então? - perguntou o conde, instigando uma explicação.
- Vou para os Estados Unidos da..
Todos largaram seus talheres ao mesmo tempo. Seu pai cuspiu a batata em um guardanapo, enquanto sua mãe bebia um grande gole de vinho. Os outros na mesa, a olhavam incrédulos.
- O que... irá para onde? Melhor: - seu pai disse, acrescentando. - Com a autorização de quem? - seu pai praguejou. Não poderia acreditar no que a mais velha de suas filhas acabara de dizer. Respirou fundo, tomando coragem:
- Estou cansada de apenas ser conhecida como a filha de alguém. E com certeza não quero apenas ser conhecida como a esposa de alguém. Eu quero que conheçam o meu nome. - suspirou, fazendo uma pausa. - Que me cumprimentem por respeitarem quem sou, não pelos homens que estão por de trás de meu sobrenome.
- Então, pelo seu bom senso, a senhorita decidiu que para ser conhecida, precisa se tornar um escândalo e arruinar a nossa família? - a questionou, com a expressão séria.
- Céus, isso é um drama! Não arruinaria nada e nem ninguém. Damas não podem viajar, mas homens podem simplesmente fazerem o que surgirem em suas mentes?
Seu pai respirou fundo, juntando as mãos em cima da mesa.
- Querida, temos muito o que pensar sobre isso. - sua mãe, respondeu. - É um pensamento amável, e eu concordo com você. Mas é perigoso. Não podemos simplesmente a mandar para o outro lado do mundo, sabe, sem lhe questionar. - completou.
- Estarei no escritório. - anunciou Robert, sem muita animação, deixando a mesa e indo em direção ao escritório.
A conversa seria longa e cansativa, mas Victoria sabia que seus pais a entenderiam. Seu pai a amava muito. Amava todos os seus filhos de uma maneira que jamais vira outro homem amar. Mas ela precisava daquilo. E seus pais sabiam que era disso que ela precisava.
Harriet seguiu Robert até o escritório, de modo que nada se ouvia da sala de jantar. Victoria terminou o seu jantar, mas não antes de ouvir vários questionamentos de seus irmãos. Alice a observava atentamente e com o semblante preocupado, do outro lado da mesa.
- Com licença. - pediu Victoria, deixando a sala de jantar. Provavelmente os pais ainda estariam no escritório, apenas a esperando. Quando atravessou o grande corredor que levava até a sala pessoal de seu pai, parou em frente e bateu três vezes na larga porta de madeira.
- Entre - a voz de sua mãe respondeu, quase que instantaneamente.
Abriu a porta, revelando a grande sala. Várias gavetas, pinturas e bebidas ficavam naquele cômodo. A casa havia uma adega, mas ao julgar pela quantidade de bebidas que havia ali exposta, era suposto que a adega estivesse com um estoque diminuído. Uma mesa ficava no canto esquerdo da sala com algumas cadeiras, enquanto a que ocupava o centro da casa, havia duas em sua frente e uma atrás dela. Seu pai ocupava a de trás, sua mãe uma das da frente, e ela, a cadeira ao seu lado.
- Discutimos por alguns minutos. - seu pai começou. - Eu, de início, achei uma péssima ideia. E agora, ainda continuo achando uma péssima ideia.
- Robert... - repreendeu a esposa. - Direto ao ponto, querido.
- Tudo bem. - suspirou, dando continuidade. - Vamos deixá-la ir.
Victoria gritou de felicidade, saindo de sua cadeira e pulando no pescoço de seu pai. Lhe lançou um beijo estalado em sua bochecha, o agradecendo incessantemente.
- Mas desde que Alice não desgrude de você, vocês se apoiem, e que vocês não demorem para voltar. Ah, e antes que eu me esqueça: devem ficar na casa de tia Clarice. Irei a comunicar, e assim que desembarcarem, ficarão aos seus cuidados.
A jovem apenas balançava com a cabeça, concordando, enquanto não continha seu sorriso. A mãe estava tão feliz quanto, e sorriu junto, ao ver a alegria no ambiente.
- Obrigada por o convencer, mamãe. - agradeceu à mãe.
- E desde quando sua mãe exerce influência sobre mim?
Sua mãe o encarou, com a face estressada.
- Pelos meus cálculos, querido, há mais de 20 anos. O patriarca riu.
- Fiz ele se lembrar da nossa fuga, quando nos casamos. Mas não conte aos seus irmãos!
- Fuga? - perguntou, confusa.
- Nossas famílias não gostavam muito uma da outra, se opondo contra nosso matrimônio. Eu ainda não possuía meu título... - o pai começou a contar, dando uma pequena pausa. - Quando nos casamos, fizemos as malas e fomos para os Estados Unidos. Era um sonho só nosso, que queríamos completar antes que nos tornássemos pais, e já havíamos conversado sobre isso. Então, quando noivamos, enviei uma carta à minha tia Clarice, que você deve se lembrar pelas cartas que ela já nos enviou. Ela morava em uma das propriedades de seu marido, na América do Norte. Pedi para que ela deixasse a mansão Ford-Wal pronta para nosso uso, e assim ela o fez.
- E quando chegamos lá, foi incrivelmente bom. Foi um ano incrível e a melhor lua de mel que eu poderia ter. Mas isso foi há muito tempo. Depois eu e seu pai nunca mais fomos juntos, apenas ele, por conta das propriedades. Eu precisei continuar aqui por você e seus irmãos.
- Mas agora já temos idade o suficiente. Não admito que deixem de viver suas vidas por nós! - Victoria prosseguiu dizendo. - Precisam fazer isso.
- Um dia, filha. Um dia. - disse a mãe, chamando a filha para a envolver em um abraço carinhoso.
Colocou uma mecha do cabelo solto de Victoria atrás de sua orelha. Acariciou a sua bochecha com uma mão, enquanto segurava a mão esquerda de sua filha. Naquele dia, muitos corações em Londres passaram a bater mais rápido. Cada um com o seu próprio motivo - mas o que importava, era que Victoria estava dentre essas pessoas.
O mês estava passando rápido, mas não tanto quanto as fofocas. De alguma forma, acabou sendo de conhecimento popular que em breve haveriam duas pessoas a menos na casa Walford. E no baile daquela noite, dado na casa Pebskry, não se falava de outra coisa. "Você ficou sabendo que a mais velha das Walford abandonará o lar?", era o que mais se ouvia aos arredores do salão.
Seria um de seus últimos bailes em Londres, e ela faria todas aquelas últimas semanas valerem a pena. Junto de sua fiel amiga, as duas esperavam ser as garotas mais deslumbrantes naquele salão, afinal, seus nomes já seriam os mais mencionados de qualquer maneira.
- Querida Alice, você está suntuosa com esse vestido. Esse azul lhe cai muito bem. Posso sentir os olhares dos cavalheiros daqui, minha amiga. E sequer já entramos - Victoria mencionou, a olhando.
Alice possuía uma beleza estonteante. Aonde quer que passasse, chamaria a atenção com seus olhos cor-de-mel e seus cabelos pretos e ondulados. Certa vez, sua amiga recebeu um poema onde o cavalheiro mencionava que "amaria se afogar no doce mel de seus olhos e reviver nas ondas obscuras de seus cabelos". Não é preciso dizer que Alice achou belas palavras; todos acharam. Foi descoberto na mesma semana que o tal cavalheiro adaptava o mesmo poema para todas as 8 damas que estava cortejando ao mesmo tempo.
Foi tamanha vergonha, que ele deixara Londres logo em seguida, e sabe se lá por onde se encontra.
- É bondade sua. Também posso sentir os olhares em você. Sua beleza está estonteante - Alice a respondeu, sorrindo e grata pela amiga. Victoria estava trajada em um vestido de musseline rosê, que esvoaçava ao andar.
Seu colo estava desnudo e flores bordadas ligavam um ombro ao outro, de fora a fora. As flores eram todas bordadas com pedras em seus miolos; e além disso, Victoria usava um espartilho para dar mais vida ao vestido. Seu penteado para aquela ocasião deslumbrava o cabelo preso com ondulações na parte traseira de sua cabeça. Victoria era bonita, sim, mesmo rechonchuda. Tinha curvas voluptuosas, curvas essas que havia aprendido a amar depois de muito tempo se observando nos espelhos.
Em questão de estética, esperava-se que Victoria, como a filha de um conde, se parecesse mais como Alice. Sem dúvidas, então, ela seria um sucesso.
A amiga estava trajada em um vestido azul céu confeccionado no mesmo tecido, com o tronco e as mangas repletos de bordados em flores. O vestido possuía decote que deixava seu colo à mostra e que realçava suas curvas junto do espartilho, que envolvia sua cintura. O vestido fluía livremente, permitindo que ela dançasse todas as danças daquele baile.
Quando ambas passaram pelas grandes portas da casa, conseguiam escutar perfeitamente o som dos burburinhos e os violinistas tocando ao fundo. O teto da casa era repleto de desenhos moldados em gesso, que explicava a linhagem Pebskry. O chão era todo revestido em mármore branco, que poderia ficar sujo apenas com um olhar. Uma escada que levava ao piso de cima ocupava os dois lados da casa; haviam pessoas conversando em seu topo, privadamente, mas que desviaram por instantes sua atenção às duas jovens que adentravam o salão. De olho em seu cartão de dança, vários cavalheiros se aproximavam de Victoria. Em poucos minutos, seu cartão já estava cheio. Alice não tinha a mesma sorte; ela não possuía título nem vinha de família nobre. Como criada de Victoria, os cavalheiros não se sentiam confiantes para se aproximar, mesmo que ela fosse a garota mais bela que os olhos daquele salão poderiam alcançar.
Mas no fundo, Victoria sabia que eles dançavam com ela apenas pelo seu valioso dote sendo oferecido. Na verdade, gostariam de estar dançando com Alice.
- Ora, e eu achava que o lugar da criadagem era nos servindo. Os empregados de sua casa devem ganhar bem, senhorita Walford. Ou será que mais tarde madame Sunsouir dará falta deste modelo em seu ateliê? - uma voz familiar que chegou perto, disse. A voz pertencia à Beatrice Clemont, agora baronesa de Tuck. Sua família estava à beira da falência, quando ela conseguiu se casar com o velho barão de Tuck, quarenta e dois anos mais velho que ela. Casou-se aos 17 anos, há quase três anos. Recém-mãe, agora seu mais novo passatempo era humilhar pessoas humildes.
Alice ficou triste, não poderia lhe responder à altura. Beatrice poderia lhe mandar para uma prisão, se assim quisesse. Nunca ouviriam uma criada, mesmo que esta fosse da casa Walford. Victoria odiava Beatrice e seu atrevimento, e isso não melhorava em nada quando ela afrontava a sua melhor amiga.
- E eu achava que o lugar de porcas era no chiqueiro. No entanto, estou vendo uma em minha frente. Com licença, Beatrice. - disse, se esquivando. - Até o Tâmisa, com sua podridão, possui um cheiro mais agradável do que certas pessoas.
Alice quis rir. Beatrice provou de seu próprio veneno, mas chegou à conclusão de que este, era nada saboroso.
Victoria pegou a mão de sua amiga e a conduziu até o salão, dançando a primeira música com ela. Ninguém iria ferir uma pessoa que Victoria amasse e sair ileso. Mesmo que isso lhe custasse a sua própria vida.
Naquela noite, após o ocorrido, um duque assinou o cartão de dança de Alice. Ela disse que partiria em breve e ele a fez prometer que escreveria para ele.
Ela prometeu, Victoria comemorou.
Talvez em breve, sua amiga fosse a mais nova Duquesa de Clarke. E Victoria estava feliz demais por ela.